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Minas Gerais registra quase 4 mil casos de ‘stalking’ em 2023

stalking
“Stalking” é o crime de invadir a privacidade, ameaçar física ou psicologicamente, e perseguir reiteradamente uma pessoa, presencialmente ou na internet (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
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Um homem, 37 anos, foi preso em flagrante no dia 19 de outubro, suspeito de perseguir a ex-namorada na rua, realizar 57 ligações para ela e descumprir medida protetiva de urgência expedida no dia anterior, por não aceitar o fim do relacionamento. O caso, registrado em São João del-Rei, cidade que fica a cerca de 160 quilômetros de Juiz de Fora, entra para a extensa lista dos 3.756 casos de “stalking” registrados apenas nos nove primeiros meses deste ano no estado, conforme revela levantamento da Polícia Civil (PC).

Segundo o Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) da PC, a mulher, 41 anos, foi abordada pelo ex-companheiro enquanto saía do trabalho. Naquele mesmo dia, ele já havia realizado diversas ligações para o celular da vítima e, diante da negativa para completar a chamada, o homem teria passado a segui-la pela rua. Um dia antes, a ex-namorada do suspeito procurou assistência junto à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. No local, ela solicitou uma medida protetiva de urgência, em vista da perseguição que vinha ocorrendo sistematicamente. Ainda sim, novamente foi procurada por ele.

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Em agosto, outro homem, 28 anos, foi preso em São João del-Rei após descumprir medida protetiva de urgência, solicitada pela irmã do suspeito. A mulher havia pedido uma providência judicial de proteção após já ter sido agredida pelo criminoso, que cumpriu pena de extorsão contra a própria mãe pouco tempo antes. No mesmo mês e cidade, uma jovem, 23, procurou a Polícia Militar alegando ter sido ameaçada pelo ex-marido durante uma ligação. Ela também solicitou medida protetiva de urgência.

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LEIA MAIS: Suspeitos de crimes contra mulheres são presos em São João del-Rei

Aumento dos casos em Minas

Os casos registrados em São João del-Rei refletem um cenário que se repete em Minas Gerais. Entre janeiro e agosto deste ano, 635 ocorrências de descumprimento de medida protetiva, somente por meio eletrônico, tal como ligações, foram registradas no estado. Em um comparativo, isso significa que, nos oito primeiros meses de 2023, houve quase o mesmo número de crimes deste tipo registrado em todo o ano passado, quando ocorreram 666 registros policiais.

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Os dados são de um levantamento realizado pela PC à pedido da Tribuna. A base de dados utiliza os Reds dos crimes consumados, que fazem parte do sistema integrado da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Sistema Prisional. Quanto aos casos de “stalking” – prática de perseguição obsessiva de alguém, seja em ambiente físico ou virtual -, as taxas são ainda mais alarmantes. Foram 3.756 casos, por meio eletrônico, fichados até 30 de setembro deste ano. De forma ilustrada, essa proporção colocaria Minas Gerais na posição de ter cerca de quatro crimes de perseguição para cada um dos seus 854 municípios, somente nos nove primeiros meses de 2023.

‘Stalking’: mais que uma contravenção penal

A perseguição como a do “stalker” – criminoso que realiza o “stalking” – se tornou crime passível de penalidade em 2021, por meio de sanção do então presidente Jair Bolsonaro após a proposta correr pelo Senado. A partir da presença do crime de “stalking” no Código Penal, o ato de invadir a privacidade, ameaçar física ou psicologicamente, perseguir reiteradamente presencialmente ou na internet passou a ser punido com detenção, que pode variar de seis meses a dois anos de prisão.

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Antes dessa normativa, o “stalking” era reconhecido apenas como contravenção penal, ligado a perturbação da tranquilidade alheia. Neste caso, a penalidade variava entre 15 dias a 2 meses. Com a mudança, porém, dobrou o tempo de reclusão quando os crimes forem realizados contra criança, adolescente, idoso ou mulher.

Formas de garantir o afastamento

Fruto da Lei Maria da Penha (LMP), promulgada em 2006, as medidas protetivas são um meio que, segundo a representante da Comissão Estadual de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB/ MG, Leidiane Salvador, ainda é um dos maiores aliados para a proteção das mulheres vítimas de violência. Seja diante de sofrimento físico, sexual, psicológico, moral e ou patrimonial, elas podem solicitar o afastamento judicial de emergência de seus agressores.

Ainda que haja casos, como os citados nesta matéria, em que os supostos agressores descumpram o distanciamento, através da LMP eles podem ser punidos. “O descumprimento de medida projetiva é o único crime trazido pela Lei Maria da Penha. O art 24-A traz a previsão de detenção de três meses a dois anos. Ao ser pego em flagrante delito de descumprimento, o agressor será preso e só pode ser liberado mediante fiança perante autoridade judicial. Ou seja, o delegado não pode arbitrar”, explica a advogada.

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Contudo, a Lei Maria da Penha não abarca casos de “stalking”, salve a exceção de quando o “stalker” já tenha tido ou ainda possua uma relação íntima de afeto no contexto doméstico e familiar. Nesse contexto, conforme orienta Leidiane, a ordem judicial para afastamento pode ser conseguida por meio de uma ação chamada “cautelar inominada”, uma vez que perseguição já se tornou crime.

Medida protetiva

Leidiane, que também atua como especialista em Direito das Mulheres, menciona um levantamento realizado pela Polícia Civil em 2022. “Nove em cada dez vítimas de feminicídio no estado de Minas não tinha medida protetiva”, diz, ao passo que reitera a efetividade do procedimento.

Outra alternativa é o uso de equipamento de monitoramento eletrônico tanto para vítimas que possuem medida protetiva quanto para o agressor. Por meio do objeto, a pessoa que quer o distanciamento é avisada por um sinal, semelhante a um celular, que o algoz estaria se aproximado. Neste momento, uma central recebe o aviso e tenta alertar o autor; em caso de negativa, a polícia é acionada.

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“Ocorre que poucas pessoas têm conhecimento desse dispositivo, tanto que, em última análise, constatou-se que em Juiz de Fora existe apenas um em uso. Para que ele seja concedido deve haver pedido expresso na solicitação da medida protetiva, e o Judiciário irá analisar se ele será concedido ou não, de acordo com cada caso em particular. Mas é sempre bom pedir, haja vista ser mais um instrumento de proteção para a mulher”, esclarece Leidiane.

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