Atrás das grades, um homem pardo, com filho e ensino médio incompleto. Esse é o perfil majoritário dos presos que dividem espaço no sistema carcerário mineiro, de acordo com o Relatório de Informações Penais (Relipen) relativo ao primeiro semestre deste ano. Antes mesmo de ingressar no sistema prisional, entretanto, parte dos encarcerados já era formada por sujeitos sem cidadania e assim permanecem cerca de 25 mil detentos em Minas Gerais, de acordo com o levantamento que considerou apenas as celas físicas do país. Isso representa que, ainda que somados os presos sem documentos de todos os outros estados do Brasil, Minas Gerais continuaria despontando na frente.
A ausência de documentos chegou a ser tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2021, com a problemática da “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. É uma realidade nacional, que vem chamando atenção também para dentro das unidades prisionais mineiras por resultar na impossibilidade de emprego formal, impossibilidade de voto, de benefícios em programas sociais, aposentadoria e limitação em políticas de educação, bem como de saúde, antes mesmo do indivíduo cometer algum crime.
Com a população prisional mineira de 66.241 detentos, apenas 12.990 (19,6%) possuem certidão de nascimento. Quando refere-se ao título de eleitor, a existência do documento entre os encarcerados é de apenas 5.598 (8,45%). Além disso, são 27.660 pessoas que possuem registro geral (RG) e 40.288 com o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). Conforme esse balanço da Relipen, que reúne estatísticas de todo o sistema penitenciário por meio do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen), essas taxas significam que 38,64% das pessoas privadas de liberdade não possuem cidadania, o que equivale a 25.601 indivíduos. O déficit no acesso a documentos básicos repercute em prejuízo no ingresso no mercado de trabalho formal, com apenas 5.380 detentos com carteira de trabalho.
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Rotatividade
Para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), dois fatores estão associados para a construção dessa realidade: a admissão de indivíduos que chegam sem portar documentos fundamentais, como certidão de nascimento e, também, a rotatividade dos presos. “Ainda, 40% dos presos admitidos estão em regime provisório, situação que pode interferir no processo de emissão de documentos pendentes devido à rotatividade dos presos”, atribui a pasta.
Nos seis primeiros meses deste ano, foram admitidos 23.902 presos provisórios no sistema penitenciário de Minas Gerais. Já em regime semiaberto são outros 11.936, e em regime fechado, 28.895. Todavia, quando se fala do perfil predominante dos encarcerados, observa-se que a maior parte deles tem penas que variam de 4 a 8 anos de prisão, seguida de 8 a 15 anos, revela o relatório.
Presos em Minas refletem a realidade do país
Na ótica de Marcelo Campos, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), esse cenário chama atenção para possíveis casos de injustiças. “Pessoas que são confundidas, sem documentos, pessoas presas com nomes iguais, mas que não era exatamente quem cometeu um crime… isso eu posso dizer que certamente já aconteceu em todo o território nacional”, comenta.
O especialista observa, ainda, que no que diz respeito ao perfil dos encarcerados em Minas Gerais, o que se encontra é um reflexo da realidade do país. Nesse contexto, a maior parte dos detentos está presa por tráfico de drogas, uma taxa que vem crescendo desde a Lei 1.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, implementada no país em 2006.
“Tudo isso é muito significativo para entender que a população carcerária no Brasil majoritariamente não está presa nas consideradas infrações, crimes graves, gravíssimos, homicídio, violência por pessoa, estupros, enfim. Então esse é um dado histórico do nosso tempo prisional que se intensificou ao longo dos últimos anos e que é fundamental para entender que Minas, nesse sentido, somente reflete os dados na sociedade”, explicou Campos.
Acesso à cidadania
A Sejusp afirma que atividades para regularização de documentações, como mutirões e projetos similares, são constantemente realizados pelo Estado. “A pasta trabalha para que o maior número possível de custodiados tenha acesso às documentações essenciais, não somente ao RG, para o exercício efetivo da sua cidadania, dentro e fora da unidade prisional.”
Para a vereadora Tallia Sobral, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores de Juiz de Fora, a necessidade é que se proponha mais escolas e menos prisões. “Sem uma mudança significativa, proporcionando perspectivas de vida para a juventude, especialmente a periférica, é improvável que esses números se revertam. Além disso é necessário uma mudança drástica nessa política que encarcera corpos negros”, destacou.
De acordo com Tallia, nos últimos meses foi promovido um encontro entre as assembleias estaduais e o Ministério dos Direitos Humanos. A questão central foi debater estratégias e desafios junto a educadores que atuam no sistema, bem como a forma pela qual a educação auxilia no acesso a direitos, a importância disso e a necessidade de valorização também dos educadores.