Um concurso da Polícia Penal de Minas Gerais de 2021 abriu 10% de suas vagas para pessoas com deficiência (PCD). Foram 104 aprovados nesta cota, e eles tiveram que passar pelas seis etapas do certame, que incluem prova objetiva e redação, psicotécnico, exames médicos, teste de aptidão física, investigação social e curso de formação com estágio, da mesma forma que os outros candidatos aprovados em ampla concorrência. No entanto, após esse processo, que durou dois anos, todos os indivíduos que tinham sido selecionados foram, de acordo com relatos, impedidos de assumir os cargos para os quais passaram. Segundo apuração feita pela Tribuna, ocorreram três tipos de problemas, incluindo atestado de inaptidão para as vagas, impedimento de posse sem justificativa e não reconhecimento desses candidatos como pessoas com deficiência. Nesta terça-feira (2), a Secretaria do Estado de Justiça e Segurança Público (Sejusp) marcou nova avaliação pericial para 78 candidatos, que serão submetidos novamente ao exame médico admissional, e informou que haverá uma avaliação das atribuições do cargo de Agente de Segurança Penitenciário/Policial Penal.
De acordo com relato de Carolina Esterci Mendes, de 28 anos, uma das candidatas que enfrenta dificuldades mesmo após ter sido nomeada, o problema ocorreu no exame pré-admissional, dias antes da posse. Nesse momento, a grande maioria dos candidatos recebeu o resultado de “inapto ao cargo”. Isso aconteceu, em sua percepção, devido à própria deficiência dos indivíduos. “Os deficientes visuais tiveram como justificativa não enxergar 100%. Para as pessoas com deficiência auditiva, a justificativa foi não escutar 100%, e por aí vai”, explica.
Esse foi o seu caso. Ela tem deficiência visual comprovada pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), e sonha há anos em ser policial. Após os exames, ela recebeu a certidão atestando que é deficiente visual feita pelos médicos peritos, mas, três dias depois, recebeu um e-mail da Secretaria de Planejamento que falava sobre a suposta inaptidão. “Foi um grande baque, uma enorme surpresa, eu não entendi o porquê. Foi quando solicitei o espelho do meu prontuário médico, onde os peritos haviam feito suas anotações, e me deparei com a notícia de que fui inapta pelo fato de ter visão menor que 20/20 (100%). Mas isso era óbvio, como eu teria visão 100% nos dois olhos se sou candidata com deficiência monocular? A reprovação da secretaria se deu única e exclusivamente pela minha deficiência, não por outro motivo”, afirma.
Impedimentos
Após os casos repercutirem, os 78 candidatos que estavam nessa situação receberam um e-mail com reagendamento de perícia para repetir os exames pré-admissionais. Também ocorreram, de acordo com relatos, dois outros casos diferentes: nove candidatos foram considerados aptos a tomar posse, mas, na audiência, foram impedidos de assumir os cargos. Ainda houve 17 candidatos que não foram reconhecidos como pessoas com deficiência, mesmo tendo laudos médicos atestando suas condições. “Por que todos os 104 candidatos não foram convocados para uma nova perícia? Por que não querem que nenhum candidato com deficiência tome posse no cargo, mesmo isso estando previsto em lei e no edital? É uma injustiça muito grande, sonhamos e batalhamos muito por essa conquista, e agora, a um passo disso se concretizar, ceifaram os sonhos de 104 pessoas por causa de suas deficiências”, aponta Carolina.
De acordo com o comunicado da Sejusp, a convocação para nova avaliação tem “amparo no princípio da autotutela da administração pública e se faz necessária a partir de reanálise das disposições contidas no Edital Sejusp nº 02/2021, no que tange à reserva de vagas para pessoas com deficiência e às exigências para a realização do exame médico admissional, bem como da avaliação das atribuições do cargo de Agente de Segurança Penitenciário/Policial Penal”. Para Carolina, no entanto, o problema ainda é bastante explícito: “Já ocorreu a posse no primeiro bloco e já perdemos muitas vagas, visto que a escolha de unidade se dá pela classificação, então já fomos muito prejudicados”, queixa-se.
17 candidatos não foram chamados para nova perícia
Os outros 17 candidatos que não foram reconhecidos como pessoas com deficiência, mesmo tendo laudos médicos e CID que assim os caracterizavam, ainda não foram contatados ou chamados para nova perícia. É o caso de Cláudia Costa, de 29 anos, moradora de Mário Campos (MG), que não foi considerada como pessoa com deficiência mesmo tendo três laudos de oftalmologistas diferentes que atestam que ela é monocular, tem cicatriz no olho esquerdo e foi atendida no SUS e na rede particular.
Após a perícia e a notícia de que não foi considerada PCD, ela foi ao hospital da Polícia Militar e refez todas as avaliações oftalmológicas. “O médico reafirmou em laudo a minha CID H.54.4 me enquadrando em visão monocular segundo a lei vigente”, afirma. Ela destaca, ainda, que durante a avaliação, não havia policiais penais presentes, como é exigido no edital. “Então acho justo que nós que não fomos considerados PCD deveríamos ser reconvocados com todos, visto que a própria administração admitiu o erro nas perícias”, explica.
Esse também é o caso de Jadson Machado de Sousa, de 34 anos, de Almenara (MG), que tem laudos comprovando perda distal do dedo indicador. “A mesma perícia que fizeram com as pessoas que foram consideradas PCDs, fizeram com a gente. E agora chamaram só elas para fazer uma nova perícia, sendo que nós também fomos muito prejudicados”, explica. Ele afirma que outros candidatos que passaram pela mesma situação que ele foram chamados para fazer outra perícia, para ampla concorrência, e que foram eliminados porque tinham deficiência. “A minha perícia da ampla concorrência está marcada para esta quarta-feira (3), mas os que estão na mesma situação que a gente e já fizeram a perícia já foram considerados inaptos na ampla concorrência devido à própria deficiência, que não foi reconhecida anteriormente na primeira perícia”, afirma. Ele diz, ainda, que essa nova perícia para os candidatos que foram deslocados não é prevista pelo edital.
Candidatos apontam preconceito
Para Jadson, a situação se agrava considerando que, devido às exigências do processo inteiro do concurso, os candidatos foram obrigados a sair do emprego que tinham para fazer o curso de formação, que exigia dedicação exclusiva. “Fizemos tudo. Até o estágio nos prédios ficamos lá fazendo. Não tem impedimento nenhum, e agora vem uma perícia dizer que não podemos?”, questiona. Para ele, isso se trata de uma discriminação, e afirma que foram feitas manobras para que as pessoas com deficiência não pudessem assumir.
Da mesma forma, Cláudia afirma que, apesar de estar feliz pelos colegas, se sente injustiçada pela situação. “Realmente, a sensação é de preconceito conosco, visto que fomos tratados com igualdade em todas as etapas e apenas agora, na fase de exames admissionais, começaram os problemas, justamente devido à nossa deficiência. E isso vindo do Estado, que tem como dever resguardar e proteger nossos direitos. Nos sentimos humilhados e expostos diante de tal situação”, diz.
A Tribuna solicitou um posicionamento à Sejusp, que enviou nota informando sobre a realização das novas perícias. Conforme o texto, todos os candidatos serão avaliados até dia 11 de abril, e os resultados serão informados individualmente, por e-mail, a cada candidato.