O cuidado com a memória de uma cidade não deve se restringir aos bens arquitetônicos. As próprias vivências daqueles que usufruem do espaço urbano e rural do município no dia a dia também precisam ser levadas em conta na criação de um imaginário da história nas próximas gerações. Nesse sentido, no aniversário de 173 anos de Juiz de Fora, completados nesta quarta-feira (31), a Tribuna conta as histórias de três atletas que, a partir do uso das ruas da cidade para praticar as atividades que amam, recebem em troca momentos para guardar por toda a vida.
Achilles, do skate; Ghusta, do breaking; e Robinho, do ciclismo, falam das suas vivências e dificuldades, que são acompanhadas pelo povo juiz-forano no cotidiano nos mais diferentes bairros e regiões de Juiz de Fora.
“A recepção do povo é ótima”
Luis Gustavo Alves, mais conhecido como Ghusta, é nascido em São Paulo, mas mora em Juiz de Fora desde a adolescência. Ele tem 33 anos, dança breaking desde os 13 e, no momento, representa a Funk Fotkers, uma das equipes mais tradicionais na modalidade. A arte, que no passado era criminalizada, virou o centro das atenções ao entrar para a lista dos esportes olímpicos. “O breaking tem movimentos plásticos e explosivos, um pouco de artes marciais e de ginástica. Não pode ser comparado com uma dança pelos movimentos que gera. Tem giros, acrobacias, que a diferenciam”, explica Ghusta.
O atleta realiza treinos no Espaço Mascarenhas, na galeria do Bob’s, na Rua Halfeld e próximo ao Teatro Paschoal Carlos Magno, de quatro a seis horas por dia, entre quatro e seis dias na semana. Sempre acompanhado da população juiz-forana na rua, Ghusta se sente acolhido. “A recepção do povo é ótima. Os guardas às vezes tiram a gente, mas muitas pessoas nos conhecem. O pessoal tira foto, faz vídeo, as crianças brincam com a gente”, relata. Ele também ministra aulas do esporte e participa de campeonatos, apresentações e eventos, além de já ter trabalhado como jurado em diversos estados do Brasil.
Mesmo que já tenha se apresentado na Câmara Municipal, na Abertura dos Jogos Intercolegiais e no Calçadão, o esportista entende que ainda falta estrutura na cidade para que o esporte se popularize. “Não temos um lugar ideal para praticar e nem dar aula. Tenho que ir à casa da pessoa ensinar, mesmo sendo um movimento de rua. Precisávamos de um lugar que pudéssemos ser mais livres, fazer mais barulho por causa da música. Não é todo lugar que é propício para fazer e não machucar”, lamenta.
Encanto pela natureza
Robson Aloísio, o Robinho, de 50 anos, é ciclista e treinador de mountain bike. Diariamente, ele pratica o esporte em lugares como a Via São Pedro, parte alta da Avenida Rio Branco e no Bairro Salvaterra. O atleta precisa se deslocar de carro para os pontos de encontro devido à falta de locais adequados para utilizar a bicicleta na cidade. “Há muito risco em Juiz de Fora. O relevo dificulta, quase não temos locais planos e muitos caminhos não têm acostamento. Nossas trilhas também não são fáceis, as estradas de chão são movimentadas. Muitos andam sem ações defensivas, em locais não apropriados, já que as áreas de lazer são restritas. Por isso, tentamos ficar o mais distante possível do movimento, para evitar o trânsito”, explica.
Na contramão das dificuldades está a consciência da população juiz-forana, conforme Robinho. “Percebo que os motoristas já conseguem ter uma certa referência quando avistam os ciclistas. Tem alguns que discordam de a gente estar no lugar público, mas a maioria é bem intencionada, dá passagem, nos aguardam. Os veículos que por ali passam parecem que já tão acostumados, aqui já há a noção de que a bicicleta tem um uso muito grande”, afirma.
Outra peculiaridade do município, na visão do atleta, é a beleza da natureza, intimamente ligada à possibilidade de uma rotina mais aprazível para os esportistas. “Apesar de não termos cachoeiras nem montanhas com vistas intermináveis aqui, temos muitas especificidades bacanas na trilha. Coisas que fazem a gente se desconectar do dia a dia. A natureza não te permite pensar em outra coisa, você está sempre envolvido”. Além das questões físicas voltadas às qualidades de vida, as pedaladas pela cidade trazem mais “autoconfiança, liberdade e autossuficiência. Preenche o tempo de uma maneira mais leve, em um ambiente aberto. Traz amadurecimento por causa dos desafios constantes” segundo o atleta.
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Para ele, deveria haver mais cuidado do poder público para que os ciclistas pudessem realizar suas atividades em Juiz de Fora. “À medida que você vai evoluindo, vai querendo ir mais longe, variar o ambiente. O trecho de ciclovias do Rio Paraibuna seria interessante para os iniciantes, pois é simples de executar, mas engatinha há muitos anos. No Centro, é inviável, o trânsito impede e as faixas não trazem segurança. Já na Universidade, não tem sinalização. Tinha que regularizar os trevos, fazer pinturas para o motorista identificar”, aponta.
“Estar livre na rua”
Já Achilles Barbosa, de 22 anos, é skatista desde os 12 anos. Ele começou a andar nas ladeiras do Salvaterra e hoje costuma praticar no Bairro Vitorino Braga, na Avenida Rio Branco e aos arredores da UFJF. A sensação de andar pelas ruas da cidade é única, segundo o jovem. “Nenhuma pista no mundo representa o sentimento de estar livre como skatista na rua. Tem a paisagem de Juiz de Fora, que é linda, além de termos contato com a galera que está indo para o trabalho. Conversamos com todo mundo, eles olham nossa felicidade no skate e também ficam contentes”, celebra Achilles.
O também alfaiate utiliza o skate todos os dias, desde ir à padaria até voltar do trabalho. Nesse viés, ele enxerga que o espaço urbano do município necessita de mudanças, bem como a postura das pessoas. “Falta pintura em muitos locais, não dá para enxergar muito bem. Mesmo nas ciclofaixas tem muito movimento. Às vezes tem carros que discutem com a gente, não é legal”, diz.
Para ele, ainda falta conscientização de que o skate é mais que um esporte. “É uma comunidade com valores. O mundo poderia aprender conosco, já que o skateboarding não é um hobby, é uma maneira de redefinir o mundo à sua volta. Um jeito de olhar o mundo de um ponto de vista diferente. Skatista é uma pessoa de muita fé”, define. Ele também atenta para o fato de poucas marcas os apoiarem. “A modalidade vem junto com a moda, com a estética e o design. Tem todo esse lado artístico que não é valorizado”.
Mas, apesar de defender o maior apoio do Poder Público e da iniciativa privada junto ao esporte, Achilles considera que o mais importante no skate – e aquilo que ninguém pode tirar ou criticar – são os momentos colecionados pelas pessoas que compõem o movimento, que serão recordados até a eternidade. “Se não esperarmos nada em troca do skate, ele pode nos fazer mais feliz. No final, o que fica mesmo, são as lembranças de momentos inesquecíveis”.