Na próxima terça, o Estádio Municipal Radialista Mário Helênio completa 30 anos. No dia 30 de outubro de 1988, milhares de juiz-foranos lotaram as arquibancadas para assistir a inauguração do tão esperado palco do futebol local, como mostra esta foto que republicamos e foi registrada pelo fotógrafo da Tribuna Roberto Fulgêncio. De hoje até a próxima sexta (2) você poderá conferir uma série de reportagens especiais com entrevistas exclusivas e lembranças de personagens e partidas históricas nestas três décadas de existência do maior palco esportivo da Zona da Mata Mineira. Queremos te convidar a embarcar conosco nessa viagem no tempo e na memória de um pedaço recente e importante do nosso esporte.
‘Um gol eterno’
Sport zero, Tupi zero. Vinte minutos da segunda metade do duelo no Estádio Regional de Juiz de Fora. Falta da intermediária de ataque que favorece o Sport, pela direita. Na bola, o ponta esquerda Ronaldo, conhecido pela potência da perna canhota. Mais de 35 mil pessoas (número oficial), em festa, se concentram no lance de bola parada. Ronaldo toma distância e, em velocidade, acerta chute na veia e vence o goleiro carijó, Ronald, para o delírio dos torcedores que lotavam as arquibancadas. Ocorria, ali, o primeiro tento da história do maior palco esportivo da Zona da Mata Mineira.
“Me lembro como se fosse hoje. Consegui pegar muito bem na bola e acertar o canto direito do goleiro, vencendo o Ronald. Falavam que eu pegava bem na bola!”, conta Ronaldo, atualmente com 55 anos, professor de futebol em Andradas (MG), onde reside. O lance transparente na cabeça do autor do feito fez com que o nome do ex-ponta fosse gravado na história do, hoje, Estádio Municipal Radialista Mário Helênio, que completa 30 anos nesta terça-feira (30).
Ronaldo, que no ano seguinte vestiria o preto e branco de Santa Terezinha, abriu o placar pelo Sport em duelo que ainda contou com cabeceio certeiro de Mamão, aos 41 minutos da etapa final, que fecharia o triunfo periquito de 2 a 0 (ver quadro). A partida foi a primeira de rodada dupla que marcou a inauguração do Estádio Municipal, antes do encontro continental entre Flamengo e Argentino Jrs, com vitória rubro-negra por 2 a 1. Até a véspera dos embates, 35 mil ingressos haviam sido vendidos. Contudo, os números de público e renda daquele dia não são claros. Jornalistas, jogadores e torcedores presentes nos confrontos falam em cerca de 60 mil espectadores durante a manhã e tarde do domingo.
Na semana que antecedeu os dois jogos, uma atmosfera de excitação tomou os juiz-foranos apaixonados por esporte. “Foi uma paralisação muito grande em Juiz de Fora. Impressionante a quantidade de torcedores no campo, quase 60 mil pessoas que falaram na época. E a partida foi diferente das outras. Naquele ano, infelizmente fomos rebaixados da primeira divisão do Mineiro, mas depois nos preparamos quase dois meses para a inauguração e conseguimos vencer o Tupi”, recorda Ronaldo.
O ex-ponta de canhota afiada, hoje pai do goleiro Renan, do sub-20 do Santos, não imaginava que aquela cobrança de falta seria lembrada por tanto tempo. O exemplo de Ronaldo reflete o que segundos de magia no futebol podem significar em toda uma vida dedicada ao esporte. “Até hoje ainda sou lembrado por aquele gol. E tenho gravado também. Coloquei no Facebook e está na memória. Para mim ficará lembrado para sempre, um gol eterno. Vou morrer e meus filhos e netos vão estar vendo esse gol.”
‘A primeira bola na trave do Estádio foi minha!’
Se o Sport realizou preparação durante semanas para uma das partidas mais importantes da história do futebol juiz-forano, o Tupi foi vítima do calendário brasileiro já naquela época. Enquanto o Alviverde entrou em campo com o que tinha de melhor após a disputa da primeira divisão do Campeonato Mineiro, finalizada com rebaixamento periquito, o Galo possuiu, no mesmo dia, compromisso em Cabo Frio, contra os donos da casa, pela Série C do Campeonato Brasileiro. Por este motivo, o Carijó levou o time principal à Região dos Lagos e, sob comando do técnico Moacir Toledo, ídolo alvinegro, formou às pressas uma equipe para atuar no Estádio Regional de Juiz de Fora.
Um dos convocados para o embate, então, foi o meio-campo Ronaldinho, que havia encerrado a carreira dois anos antes. “Fui profissional até 1986. Saí das categorias de base do Tupi e me profissionalizei em 1985 em Belo Horizonte (MG), no Atlético, onde conheci nomes como o João Leite, Reinaldo e Toninho Cerezo. Depois disputei mais dois Mineiros pelo Tupi e ainda fui campeão paulista pela Inter de Limeira (SP). Aí resolvi parar. Mas dois anos depois, em 1988, como joguei na base com o Toledo e ele precisava montar um time, já que o profissional do Tupi tinha jogo em Cabo Frio, o Toledo juntou alguns reservas que tinha em mãos e me convidou para tentar ajudar o meio-campo do time”, explica o empresário, hoje com 57 anos.
O convite, de acordo com ele, veio na semana da partida. O time carijó sequer treinou junto. “Tivemos apenas uma preleção dois dias antes da partida, e fomos pro campo. Mas a expectativa era muito legal na cidade, poder participar de um evento tão importante pra Juiz de Fora, uma cidade que me projetou e que aprendi a gostar, foi excelente.”
Sem lamentação, Ronaldinho lembra que foi o primeiro jogador a acertar a trave na história do Estádio, em duelo parelho na primeira etapa. “Como clássicos, Tupi e Sport e Tupi contra o Baeta sempre foram equilibrados, mesmo com alguma equipe inferior. Me lembro que o primeiro tempo foi 0 a 0 e eu cobrei uma falta na trave. A primeira bola na trave do Estádio foi minha! E depois o Sport teve mais fôlego, o Ronaldo, grande cobrador de faltas, fez o primeiro gol e faltou perna e pulmão para nossa equipe. Vivi momentos de glória no Tupi, assim como o do Estádio. Foi uma honra participar dessa história de glória para a cidade.”
Espremido e deslumbrado
Um bilhete na mão é exibido com orgulho pelo professor de Educação Física e fanático torcedor do Tupi, Leo Lima. Se há 30 anos o preço do documento que garantia a entrada na inauguração do então Estádio Regional de Juiz de Fora era de 500 cruzados, hoje não há como dimensionar o valor do documento para o torcedor que volta ao palco três décadas depois.
“Eu tinha 12 anos na época, já apaixonado por futebol. O que ficou marcado para mim foi que eu estava espremido na arquibancada, fiquei atrás do gol. Tinha muitas filas também, estava lotado. Pela minha idade, acho que fiquei impressionado pela multidão. Havia gente no barranco, em cima das arquibancadas, quase em cima das árvores, até. E foi uma festa que começou às 11h e durou a tarde inteira. Mas fiquei impressionado com a quantidade de gente, tanto é que o público, até hoje, ninguém sabe ao certo qual foi fielmente”, destaca Leo.
De trás do gol, o carijó se lembra mais, curiosamente, do número de torcedores e do segundo jogo da inauguração, do que o do próprio Alvinegro de Santa Terezinha. “Pela idade, fiquei tão deslumbrado que me recordo mais do segundo jogo, do gol em que o Bebeto recebe um lançamento e chuta por cima do goleiro. Foi uma partida marcante”, rememora.
O Flamengo de Bebeto, tetracampeão do mundo, batia o Argentino Jrs. de Fernando Redondo. O atacante brasileiro marcou os dois gols rubro-negros do duelo, para a euforia dos fãs da equipe carioca nas arquibancadas, mesmo sem Zico ter entrado. Toda aquela atmosfera não ficou apenas guardada na memória de Leo Lima e de mais jovens no fim da década de 1980 e início da seguinte. A presença de grandes jogadores em âmbito regional e mundial em um dos maiores campos do país fomentou um sonho de muitos jovens naquela época.
“Lembro que quem sempre me levava aos jogos era meu tio Dodô, também apaixonado pelo Tupi e que morava perto do campo do Galo, em Santa Terezinha. O clima daquele dia no Municipal com certeza fez essa minha paixão pelo futebol aumentar. O sonho de todo menino, na época, era jogar no Estádio. E isso despertou o sonho de muitos garotos da época, poder estar em um grande palco como esse. E aqueles jogos e o Estádio aumentaram minha paixão pelo futebol e ajudaram a moldar minha formação também”, ressalta Leo.
A empolgação do juiz-forano voltou ao pisar no gramado do Estádio Municipal. E não é só pelo passado. “Apesar do jogo ser só no ano que vem, desde que o Baeta subiu para a primeira divisão do Campeonato Mineiro já vivo a expectativa do clássico Tu-Tu! Eu que gosto de pesquisar, reviver esse passado, fico imaginando como vai ser no ano que vem. É quase inacreditável, porque muitos imaginaram que nunca mais teríamos um clássico assim.”
Do rádio à esperança de reviver um clássico municipal
Imagine você, apaixonado pelo futebol juiz-forano, ter acompanhado a evolução das obras do Estádio, receber o ingresso das mãos do prefeito Tarcísio Delgado, mas não poder ir ao jogo por compromissos profissionais. Isto aconteceu com o torcedor do Tupynambás Sidney Vieira, o Futrica. “Vinha para cá com meus filhos e ficava em cima do morro vendo as obras. De semana em semana. Acompanhei o Estádio desde o começo. Foi a terceira tentativa de estádio em Juiz de Fora. Como não pude ir, fiquei ouvindo o jogo e torcendo para dar tudo certo. E foi um sucesso”, relata.
Apaixonado pelo esporte local, com torcedores de Sport, Baeta e Tupi na família, Futrica, apaixonado pelo Leão do Poço Rico, sócio do Periquito e conselheiro do Galo, lembra que a finalização do palco esportivo gerou, de forma instantânea, uma esperança na cidade. “Tínhamos a perspectiva de que os clubes melhorassem com o Estádio, o que não aconteceu. O Tupi foi quem segurou, mas os outros, mais ou menos. Sou Tupynambás, mas foi graças ao Tupi que estamos atualmente vendo jogos no Estádio. E o Tupynambás também chegou agora. Esqueço tudo o que é negativo e vou vir com minha família para o jogo. Gostaria, ainda, que não houvesse divisão de torcida no jogo. Ninguém vai brigar com ninguém. Vamos torcer para Juiz de Fora.”
Se as equipes não passaram por crescimento estrutural e técnico como imaginado por Futrica, a homenagem ao cronista esportivo Mário Helênio foi o ponto alto nestes 30 anos para o autônomo. “Minha maior satisfação foi quando colocaram o nome do Estádio de Mário Helênio. Sem política, sem nada, foi unanimidade em Juiz de Fora. Isso para mim era um orgulho. O doutor Mário Helênio era ímpar. Ele noticiava, não torcia. Apesar de ter os clubes de coração, dava a notícia, não distorcia nada, o que é muito importante para os repórteres atuais. Se é verde, é verde; se é vermelho, é vermelho; e se é preto e branco, é preto e branco.”
Outra alegria é aguardada ansiosamente pelo juiz-forano. Que o Estádio receba, como há 30, 40, 50 anos atrás, as emoções que os clássicos municipais podem causar na cidade com o duelo entre Tupi e Tupynambás na primeira divisão do Campeonato Mineiro de 2019. “Assisti a muitos clássicos Tu-Tu. O clima era espetacular. E espero que dessa vez seja assim também. Vamos incentivar a ida ao Estádio. No dia escolhemos um lado e gostaria de levar meus netinhos, um com cada camisa. O Nicolas, torcedor do Tupi, e o Bernardo, do Baeta. Com o tempo eles vão adquirir esse conhecimento da importância dos times para a cidade.”
E quem sabe os netos de Futrica, como o avô fez, possam também valorizar a existência do Municipal. “Isso é valorizar o esporte local. Quando peguei esse ingresso há 30 anos pensei justamente nesse dia em que nos encontraríamos para falar de algo que ficou na memória da cidade. Não fui ao jogo, mas acompanho partidas no Estádio desde o início. Que esse clima volte, mesmo que um pouco.”