
O crescimento do espaço da mulher no esporte não apenas em Juiz de Fora, como em Minas Gerais, tem na raiz uma forte contribuição de Regina Campos, pioneira no jornalismo esportivo feminino pelas reportagens de campo por palcos de todo o estado. “Vivenciei desde cedo o esporte na minha vida”, conta a jornalista, que durante a infância conviveu com três irmãos que sempre jogavam futebol em sua casa, que tinha um campo improvisado. “Meu pai amava e organizava campeonatos entre a família todo final de semana.” Veio a juventude, e Regina começou a namorar com Marcelo Matta, seu atual marido, na época atleta de futebol e vôlei, e que depois veio a estudar Educação Física.
“Eu sempre participei (dos eventos esportivos), mas nunca fui muito atleta”, ela lembra. Seu primeiro contato com o esporte dentro do jornalismo foi durante a faculdade, ainda na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através de seu professor Márcio Guerra. “As aulas de rádio eram minha paixão, e o Márcio era muito ligado com as atividades esportivas.” Isso a motivou a participar de uma seleção de um estágio na Rádio Super B3, atual CBN, em 1986. Na mesma época, seu professor a convidou para ser parte da equipe de esporte. “Comecei cobrindo o esporte amador”, recorda.
Aos poucos, Regina foi tendo a oportunidade de cobrir a movimentação nas arquibancadas durante os jogos – normalmente os primeiros passos práticos na transmissão e cobertura de partidas. Com 19 anos, a apaixonada pelo jornalismo já dividia espaço com a torcida do Tupi. “Ainda era estudante, muito crua, estava começando”, ela lembra. O time era dirigido pelo presidente e empresário Maurício Baptista de Oliveira, que, como Regina rememora, investiu muitos recursos no Galo Carijó. “Por isso o Tupi tinha grande visibilidade na época. E eu sempre tinha a oportunidade de entrevistá-lo no camarote.”
Carreira de aventuras e flashes de orelhão
Formada no ano seguinte, 1987, após estagiar na então Super B3, recebeu uma proposta de emprego. “Não era esporte o tempo todo, fui repórter de rua, de geral, até de unidade móvel”, conta, destacando, ainda, que informava os ouvintes, em flashes, até mesmo durante o deslocamento entre pautas, de dentro do carro.
No decorrer de sua carreira, Regina pode transitar por vários meios dentro do jornalismo. Passados seus dez anos na Rádio Super B3, foi morar em Belo Horizonte (MG), onde trabalhou na televisão por 11 anos. Em seguida, foi transferida de volta para Juiz de Fora. “Na época ainda era TV Globo, então pude acompanhar a mudança para TV Panorama e até TV Integração, quando então saí”. Em 2009, mergulhou no jornalismo impresso, na Tribuna de Minas, onde trabalhou até 2020. “Todas estas passagens foram experiências completamente diferentes, mas cada uma me deu uma base para encarar novos desafios e ir somando conhecimento.”
Quando o Sport se consolidou como profissional e começou a disputar a terceira divisão estadual com o Tupi, algumas partidas eram no mesmo horário. Regina conta que o rádio ficava responsável pela cobertura completa do Tupi, enquanto ela trabalhava no jogo do Verdão da Avenida Brasil para entrar com flashes durante a transmissão da partida carijó.
“Também viajava muito para Ubá para cobrir os jogos. Era muito comum, ainda, viajar no ônibus junto com o time”, recorda Regina, fato entre aqueles que praticamente não acontecem mais nos dias atuais. Durante as jornadas esportivas, as possibilidades tecnológicas, naturalmente, eram mais restritas e também moldavam o trabalho da jornalista. “Eu tinha que fazer flash do jogo pelo telefone. E na década de 1980, isso significa que eu precisava ir até um orelhão para isso”, recorda. “Então era mais ou menos assim: eu chegava no campo, já ia direto para o estádio e começava a procurar onde tinha um orelhão para me posicionar e poder ver o jogo de maneira clara. Assim, podia ligar a cobrar para a rádio.” Os flashes ainda precisavam ser rápidos para não interromper a narração do jogo do Tupi.
Mas houve, também, viagens para locais que não tinham os então populares orelhões em campo. Ela lembra de uma ocasião em que teve que bater na porta de uma pessoa desconhecida, se apresentar, explicar a situação e pedir para usar o telefone. “Pedi ao massagista do time, ao auxiliar técnico, jogador reserva, todo mundo que pudesse, para me informar se algo importante acontecesse nesse meio-tempo”. Essa era a única forma, como completa Regina, no caso de gol, falta grave, pênalti, algo que mudasse o andamento do jogo e tivesse que ser incluído em sua participação na transmissão.
“E quando acabava o jogo e fui fazer matéria para o giro final, entrevistava todo mundo, técnico, o time adversário, jogadores e mandava pelo telefone. A (equipe) técnica de JF captava o áudio e, durante o final do jogo, quando chamava a reportagem, entrava tudo o que eu gravei.”
‘Me sentia acolhida’
“Uma coisa que todo mundo me pergunta é como a torcida me recebia. Eu não sei se eu era muito inocente e não percebia, ou se de fato eu atraí muito carinho.” Afinal, Regininha, como era carinhosamente chamada, era ainda muito nova e fazia parte de uma equipe com pessoas mais velhas e experientes na área. “Me sentia acolhida como a irmã mais nova. Acho que na rádio também era muito passado para o ouvinte esse carinho pela forma como me tratavam.”
Em um meio culturalmente masculino, Regina sempre destacou que pouco sofreu com atitudes machistas. “Eu exigia respeito e meu namorado era da área esportiva, todo mundo sabia.” Ela destaca sua postura em campo como um fator essencial para receber um tratamento adequado, sem diferença em relação aos outros profissionais da área. “Sempre ouvi todos e tratei cada um da mesma forma, com muita abertura. Brinquei muito, mas sempre com respeito.”
Ainda conforme a então radialista, a faceta do meio de comunicação em que trabalhava, curiosa e diferente das demais, também facilitava a receptividade e seu dia a dia no meio esportivo. “No jornal, o repórter é anônimo; na TV, ela tem a imagem, mas a postura de repórter séria cria uma barreira, como se fosse uma estrela; e o rádio tem o pé em uma linguagem mais informal. Perguntavam da minha vida, falavam da minha família, é a dinâmica do rádio, a gente brincava muito, era uma coisa comum.”
A prova de que o carinho nos feedbacks era sempre presente está em uma de suas muitas histórias pelos campos. “Uma vez, em uma transmissão, falei que gostava muito de picolé de coco. Passei a ganhar um monte! Chegava no estádio e ganhava picolé toda hora. O torcedor chegava e falava: ‘te trouxe um picolé de coco, Regininha!’”.
Os auxílios também eram diversos. “Uma vez, no Mineirão, quando eu era a primeira mulher a fazer a cobertura em campo do jogo, fui informada de que não podia usar bermuda.” No aperto, Regininha teve que pedir emprestado para o staff do Flamengo, e conseguiu uma calça vermelha. “Saiu na imprensa de BH, virou o assunto, até me entrevistaram para a rádio de lá.”
‘Não sabia o que era, mas sempre fui feminista’
“Em nenhum momento eu tinha um outro olhar sobre o machismo. Muitas coisas naquela época, que eram machistas, eu não enxergava”, reforça Regina, que ainda conta que esse olhar mais apurado começou a ser desenvolvido quando sua filha virou adolescente e foi compartilhando ensinamentos em casa. “Fico tão invocada com isso que às vezes eu troco ideia com ela: ‘você acha que eu estou errada em acreditar que não sofri machismo.'”
Por meio de sua alegria em trabalhar, Regina representou e representa cada mulher que busca a igualdade com os homens nas mais diversas áreas que envolvem o esporte. “Não sabia o que eu era feminismo, mas eu já era feminista. Sempre quis o que era proibido.”
Ela conta que seu pai falava que campeonato não era lugar de mulher, então, na sua primeira ida em um campo, o surpreendeu. “Disse a ele: ‘não vou no campo de futebol assistir não, eu vou para trabalhar lá’, e meu pai riu, mas foi risada de orgulho, sabe?”.