Seis anos após travar a luta contra a doença que acomete cerca de 300 juiz-foranas por ano, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde, Adriene celebra não só a vitória contra o carcinoma ductal infiltrante como o registro de muitos quilômetros de treinos e provas, além de medalhas, troféus e premiações gerais e por faixa etária. Desde 2015, ano em que começou a disputar o calendário local, acumula o tetracampeonato por faixa etária (40 a 44 anos e depois 45 a 49 anos). Em 2018, além da premiação na categoria, aos 46, encerrou a temporada na nona colocação geral do campeonato. Em 2019, a atleta amadora, que soma aproximadamente 70 provas disputadas, obteve sua melhor colocação geral em uma etapa do calendário oficial, com o sexto lugar na Corrida Duque de Caxias. Nas outras sete provas, esteve sempre entre as 20 melhores, exceto na Meia Maratona, quando se sentiu mal e terminou em 32º. Na semana passada, esteve no pódio da Corrida da Primavera, ao cruzar a linha de chegada em quarto lugar.
“Você tem pouco tempo”
Em agosto de 2013, pouco tempo depois de festejar o aniversário de 40 anos, Adriene resolveu presentear-se com uma cirurgia plástica de implante de silicone nos seios. O que ela não imaginava, no entanto, era que, dos exames protocolares necessários para o procedimento estético, seria encontrado um nódulo em sua mama que mudaria completamente o rumo de sua vida. “Quando fui colocar o silicone, que era o meu sonho, depois de ter juntado uma grana, calhou de eu estar com um carocinho no peito. Ele era redondinho, bonitinho, e o mastologista disse que havia pouca chance de ele ser maligno. Se eu fosse colocar o silicone, eu poderia escolher em não tirar ou tirar (o nódulo) e enviar para biópsia. Aí fui, coloquei o silicone e tirei. Só que o exame não foi para o mastologista. Ele ficou no hospital. Só três meses depois, quando eu fui pegar a alta total (do procedimento estético), é que fiquei sabendo que estava com câncer”, relata.
A partir daí, viriam 25 sessões de radioterapia, chegada à Ascomcer muitas vezes por volta das 15h e saída bem mais tarde, já pela madrugada. Tudo para eliminar o carcinoma, grau 2, com nódulo superior a um centímetro.
“Essa palavra câncer traz uma energia muito pesada para quem fala. Até na minha casa, os mais antigos não pronunciavam. Ninguém sabia lidar com isso. Todas as vezes que ouvíamos ‘fulano está com câncer’, a pessoa morria. A primeira coisa era perguntar por que foi comigo. Imagina você, está tudo bem, aí abre um exame e tem uma coisa de câncer. Aí você imagina a morte”.
Do convívio com as novas colegas, também acometidas pela doença, que dividiam o mesmo espaço de tratamento com ela, no entanto, viria parte da força que ela precisava. “Fui vendo que o meu caso era menos pior. Lá eu vi uma mulher que tinha um tumor na cabeça, que ficava para fora, e todo dia ela ia fazer a radioterapia feliz da vida. Ia sozinha, pois os filhos eram casados, e o marido estava trabalhando. Atravessava a cidade, saia de Grama, ia lá para a Ascomcer, mas feliz da vida. A maioria não era de pacientes mais jovens. A história delas era diferente da minha. A maioria não precisava tomar o tamoxefeno, por causa da expetativa de vida, ou porque tiraram a mama”. Mesmo assim, Adriene buscava casos que lhe pudessem ser exemplo para prosseguir no tratamento. A mais interessante, conforme ela, era a do ciclista Lance Armstrong, sete vezes vencedor do famoso Tour de France, que superou um câncer nos testículos. “Não encontrei história nenhuma, exceto a dele, que teve câncer e voltou, embora seja um atleta de alta performance. Tirando ele, não achava ninguém”.
Debilitada física e mentalmente, embora tentasse mostrar-se forte diante dos familiares e dos médicos, nem sempre a situação ficava sob controle: “Eu enganava a minha família dizendo que estava tudo bem. E eles também me enganavam dizendo que estavam todos firmes. Mas quando a gente separava, era aquele chororô. Quando eu fui no médico sozinha, porque eu ia na maioria sozinha, tentando não passar nada para o meu marido, que já tinha tido algumas perdas, e ele (mastologista) começou a procurar na minha barriga, nas minhas costas, o material para enxerto para a reconstrução, aí eu não aguentei e desabei a chorar. O médico achava que tava tudo bem, mas na hora eu não aguentei, comecei a chorar. Ele, bravo, questionou a presença da minha família, do meu marido. Enxuguei a lágrima, disse que estava tudo bem e que foi só um momento”.
Se sentindo viva
Em dezembro, aproximadamente quatro meses após o implante do silicone, Adriene esteve novamente em centro cirúrgico, desta vez para retirada do nódulo. Com boa musculatura na região da mama, o enxerto não foi necessário, bem como a retirada do seio. Em abril do ano seguinte, a avaliação médica dava por encerrada aquela fase da luta. O tratamento, no entanto, seguiria, com o uso contínuo de tamoxefeno – inibidor do crescimento de células tumorais – pelos próximos 10 anos, até 2023.
Frequentadora de academia e atenta à boa alimentação, fatores que, segundo os médicos, foram primordiais para sua boa recuperação, a corrida seria inserida à sua rotina ainda no fim de 2014. E a partir daí, segundo ela, o termo sobrevida, muitas vezes utilizado por pessoas que vencem o câncer, mas que ficam com alguma limitação, daria lugar à palavra vida. “Naquele momento você não sabe se vai ficar sem peito, sem cabelo, se vai fazer uma quimioterapia pesada, se ela vai matar muito as suas células. Fiquei com meu peito, meu cabelo. Depois disso me senti muito mais viva. Quis fazer muito mais”, emociona-se ao dizer.
De corretora a corredora
Neste domingo, a ex-paciente da Ascomcer faz parte do universo das 1.600 pessoas inscritas na prova cujo objetivo é chamar a atenção para o cuidado com a saúde e a prevenção contra o câncer. Hoje entre as 20 melhores corredoras da cidade, Adriene recorda-se das primeiras aventuras com um tênis de corrida. “Sempre gostei de correr, mas na esteira. A primeira Corrida da Ascomcer eu não sabia de nada, de inscrição, nada. Mas fui e gostei. E aí fui estabelecimento metas. Em 2016 eu já entrei no Ranking, mas sem saber que estava na elite. Fui primeiro lugar na faixa em 2015, 2016, 2017, mas eu queria mais. Queria estar entre as 10. Aí troquei de academia, fui para a Profit, e conquistei o 9º lugar geral”, pontua ela, que treina cinco vezes por semana, entre funcional e rua.
Para conciliar trabalho e esporte, a corretora não se importa em encaixar treinamentos nos mais variados locais e horários do dia. “Às vezes treino sozinha, às vezes acompanhada. Alguns dias na UFJF, outros em morros, perto de casa mesmo (no Bairro São Bernardo). Tem dia que de tarde, outro ao meio-dia; às vezes mais curtos, outros mais longos”.
Da prova deste domingo, a atleta relembra com carinho da premiação por equipes em 2016, que, por um erro na cerimônia de pódio, foi feita posteriormente na unidade hospitalar. “Neste dia falei um pouco da minha trajetória. Foi muito emocionante. Eu sempre acreditei, mas às vezes saía desanimada, amuada, cansada e cheia de incertezas. E naquele dia eu estava lá para receber um troféu. Foi muito emocionante. A Ascomcer faz parte da minha vida”, conta ela, que todo mês vai até o local buscar o remédio que toma diariamente.
“Esta é a minha pílula da realidade. Todos os dias quando eu tomo este medicamento, lembro de como foi minha trajetória até aqui”.
Outra recordação prazerosa citada por Adriene é a festa de encerramento do Ranking 2018, ano em que conquistou o troféu de nona melhor atleta da cidade. “Isso é o resultado de uma batalha que eu travei, desde 2014, quando entrei nas corridas. Via as mulheres que estavam na elite e as admirava – e as admiro até hoje, claro. Eu as achava surreais e queria muito estar próxima delas. E eu nem sabia que a cada passo ia acontecer. Esse troféu simboliza toda a minha luta até 2018”, diz Adriene que, com 1,70m e 65kg, também apresenta outra característica particular – a de não se encaixar no tradicional biótipo de corredoras. “Principalmente em um ranking tão apertado, com meninas tão mais novas. Eu nem era muito nova para chegar em um ranking tão apertado e estar entre as dez. É uma vitória muito grande. Eu sonhei, tive um pesadelo, lutando com um inimigo que tinha nome e sobrenome, que é carcinoma ductal infiltrante. E aí, de repente, estava em um palco, com umas mulheres voadoras, e as pessoas me chamavam de atleta. Em uma hora eu era doente, paciente oncológica, e no outro eu era uma atleta, premiada entre as dez do ranking”.
“Há vida depois da doença. Há vida até melhor”
Hoje, sempre acompanhada pelo esposo e ciclista Alexandre Menigatti, que não corre, mas a acompanha de bicicleta nas provas, Adriene segue em busca de bons resultados, mas se diz grata pelo que já conquistou. A meta, conforme ela, é seguir entre as dez melhores da cidade. Mas a maior conquista vem das pequenas sutilezas observadas durante as provas. “A corrida é vida. Você tá brigando para respirar e correr ao mesmo tempo, isso mostra que você tá viva. Isso não é sensação de sofrimento, mas de vida. Quando você tá subindo o morro e o ar te falta, você sente esse cansaço nas pernas, mas é um exercício de estar viva”.
Diante da dificuldade em encontrar a história que precisava para se inspirar, Adriene diz ter feito a sua própria.
“Eu criei a minha história. Não conheci ninguém que, além da vida normal, foi para o esporte e venceu. Até hoje não consegui achar ninguém tão perto de mim. Alguém que está mais lá na frente, mais famoso, que tenha um poder aquisitivo maior, aí pode até ser que tenha. Mas aqui não encontrei ninguém”.
Ao fazer uma avaliação de sua vida e das coisas que considera importante, Adriene se diz melhor hoje. “Sinto muito melhor, até do que antes que tive câncer. Consegui vencer uma luta árdua e melhorar. Me sinto melhor hoje, do que quando eu tinha 20 anos. Acho que é um divisor de águas. Você nunca mais vai chorar porque alguém roubou o seu celular, porque terminou um relacionamento. Isso tudo é muito pequeno”, enfatiza. “É um processo muito doloroso, muito triste, mas muito legal quando você vence”.