Em meio à paralisação das temporadas esportivas devido à evolução da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), os dirigentes de clubes juiz-foranos estão de mãos atadas, sem fluxo de caixa algum. A suspensão de receitas de bilheteria e patrocínio obrigaram JF Vôlei, Tupynambás e Tupi a remanejar recursos dentro do orçamento e a recorrer a verbas extraordinárias para quitar os compromissos com pessoal. Entretanto, não há perspectiva alguma para a retomada das atividades. Tampouco se sabe como serão retomadas. O cenário de iminente recessão econômica impõe aos clubes locais projeções de reajustes contratuais de patrocínio e queda de captação das leis de incentivo ao esporte.
Às vésperas das quartas de final, a Superliga B foi encerrada pela Confederação Brasileira de Vôlei e ainda não há perspectivas para a temporada 2021. Embora tenha quitado os compromissos junto aos jogadores e comissão técnica, o diretor-técnico do JF Vôlei, Maurício Bara, já admite a redução de receitas para as próximas temporadas. “O cenário esportivo é um reflexo do cenário global. O cenário global tende a ser recessivo, e isso afeta tanto a captação direta (de patrocínios), que vem caindo durante os anos, quanto a captação via leis de incentivo. O cenário já não era dos melhores. Vínhamos há vários anos com o cenário econômico incerto. E, agora, com a pandemia, o cenário não projeta nada bom. E, naturalmente, vai levar um tempo para recuperar. Sempre trabalhamos com restrições, pelo menos aprendemos a trabalhar com isso. E vai haver mais. Mas não estamos parados.” Conforme Bara, o JF Vôlei aproveita a paralisação do calendário para submeter projetos às leis de incentivo ao esporte junto ao Governo federal e ao Governo estadual.
Ao contrário do JF Vôlei, o Tupynambás tem ainda o Campeonato Mineiro – interrompido a duas rodadas do fim da fase classificatória – e o Campeonato Brasileiro da Série D a disputar. No entanto, não há nenhuma sinalização da Federação Mineira de Futebol (FMF) e, tampouco, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) quanto ao futuro dos torneios. “O compromisso de todos os clubes com o Mineiro era até este domingo (26). Passou desta data, acho difícil querer retornar. A FMF pode bater o pé e querer retornar, mas a questão não é não querer cumprir o calendário. É não ter condição mesmo. Os clubes não têm dinheiro. Se tivermos que pagar duas folhas para acabar o Mineiro, gastaremos R$ 300 mil”, pontua o vice-presidente Cláudio Dias. Ele, inclusive, não garante a participação do Baeta na Quarta Divisão do Brasileiro. “Temos que saber primeiro quando a Série D vai começar. Não sabemos se começa daqui a um ou três meses. Como vai ser o formato? O formato atual são chaves com oito clubes e 14 jogos na primeira fase. Está tudo incerto. Não há nada transparente. Hoje, te falo que, do jeito que está, a tendência do Tupynambás é não participar.”
Ajuda de custo
O Módulo II do Campeonato Mineiro era a única competição da temporada para o Tupi, limitada ao primeiro semestre. Os contratos de atletas e comissão técnica, por exemplo, serão encerrados em 30 de maio. Não se sabe se a FMF retomará a competição. “Dentro da nossa própria casa, planejamos o nosso dia a dia de acordo com o nosso dinheiro, com o dinheiro da nossa esposa e com os gastos que nós temos. Mas o Tupi está em meio a uma incerteza, porque não sabemos o que vai acontecer. O campeonato volta? Não volta? Vai jogar quarta? Vai jogar domingo? Vai ser sem público? Esse é o problema. Não tem como negociar e oferecer alguma coisa para patrocinadores se só tem incerteza para passar”, contesta o presidente do Tupi, José Luiz Mauler Júnior, o Juninho. De acordo com o mandatário, os clubes do Módulo II pleiteiam à FMF uma ajuda de custo, mas, até o momento, “não há nada de concreto”, uma vez que a entidade pondera que “depende dos próprios patrocinadores do campeonato e da CBF para viabilizar a ajuda”.
Clubes buscam alternativas para a suspensão
Quando o calendário esportivo foi interrompido, JF Vôlei, Tupynambás e Tupi comunicaram aos patrocinadores que, caso fosse da vontade deles, os contratos poderiam ser suspensos, já que a exposição das marcas em uniformes e placas de publicidade, por exemplo, estaria prejudicada. O JF Vôlei recebia, mensalmente, R$ 10 mil diretamente dos patrocinadores, além de permutas como iogurte, água e isotônico para os atletas. A arrecadação mensal do Tupi, por sua vez, era próxima a R$ 80 mil. Por questões de confidencialidade contratual, o Tupynambás não informou à Tribuna as receitas mensais de patrocínio, mas, de acordo com Cláudio, as verbas correspondiam a 20% do orçamento da agremiação.
Além de recursos publicitários – todos suspensos -, o JF Vôlei tem o aporte de leis de incentivo ao esporte estadual e federal. Entretanto, como informa Bara, os aportes do Poder Público serão suspensos temporariamente ao fim deste mês. “Os projetos de lei de incentivo ao esporte serão congelados ao final de abril e retornarão assim que forem liberadas as atividades. É um dinheiro que temos em caixa para dar continuidade quando a temporada iniciar. É um caso à parte. Não vamos poder mais pagar os profissionais, seguindo uma orientação do Governo estadual. Pagamos o último mês e não pagaremos mais para frente, aguardando o retorno das atividades. Todos já foram comunicados deste momento.” O JF Vôlei tem, em caixa, R$ 230 mil do Governo estadual e R$ 143 mil do Governo federal. Contudo, as verbas são rubricadas, isto é, já estão dotadas para determinadas despesas, como a folha salarial da comissão técnica.
Diante da suspensão dos contratos de patrocínio, o Tupynambás conta, ao menos, com as verbas de direito de transmissão do Campeonato Mineiro – avaliadas em, aproximadamente, R$ 800 mil – e com a primeira parcela do mecanismo de solidariedade da Fifa referente à transferência do lateral-direito Danilo do Manchester City, da Inglaterra, para a Juventus, da Itália – cerca de R$ 200 mil – para equacionar momentaneamente as contas. “Temos também pequenos patrocinadores de placas de publicidade que já estavam pagas. Então, conseguimos quitar o que estávamos devendo. Mas, agora, começa a ficar difícil, porque a sede social do Tupynambás está fechada. Para você ter uma ideia, a conta de luz tinha que cair drasticamente, porque a sede não está sendo utilizada. Mas a conta continua o mesmo valor, porque o funcionário da Cemig vai marcar o consumo, mas o clube está fechado. Então, ele apenas marca a média de consumo. A conta de luz, que é de R$ 4 mil, deveria cair para R$ 500, mas continua R$ 4 mil. As nossas despesas de manutenção continuam, fora a construção de um salão de festas, de uma sauna e de uma cozinha que estamos fazendo”, explica Cláudio Dias.
Devendo
Em Santa Terezinha, o quadro financeiro é mais complexo, uma vez que, ao contrário de JF Vôlei e Tupynambás, o Tupi ainda tem débitos em aberto. Conforme Juninho, as verbas publicitárias eram remanejadas integralmente para pagar atletas e comissão técnica. “A receita poderia ser remanejada. Por exemplo, a sede social teria uma arrecadação mensal de X. Eu poderia pegar o dinheiro da sede e colocar no futebol. Quando o futebol voltasse, eu pegaria o dinheiro e devolveria para a sede. O clube é um só. Com o decreto municipal que proíbe os clubes de abrirem, não entra nem R$ 1 na sede. Está fechada. Então, não tem nem como remanejar a verba”, diz o presidente do Carijó. De acordo com Juninho, uma saída será buscada junto aos próprios patrocinadores. “Eles terão que retornar o patrocínio de alguma maneira. Eu não sei qual é a posição da FMF, se o campeonato vai voltar, se vai voltar de portões abertos, se vai voltar de portões fechados etc.”
JF Vôlei e Baeta conseguem quitar folha salarial
As verbas extraordinárias captadas por JF Vôlei e Tupynambás ao menos lhes garantiram o pagamento integral da folha salarial de atletas e comissão técnica referente aos meses de trabalho desta temporada. Especificamente sobre o JF Vôlei, não há mais atletas com contratos em vigor, apenas os membros da comissão técnica, cujo pagamento está garantido em razão dos recursos oriundos de leis de incentivo. O Baeta, por sua vez, se viu obrigado a paralisar os contratos em vigência, que se encerrarão na próxima quinta-feira (30), mas as despesas entre janeiro e março foram quitadas. O Tupi é um caso à parte. Apenas os meses de janeiro e fevereiro foram pagos, e a diretoria busca angariar recursos junto à construtora Rezende Roriz, com a qual tem um acordo para a construção de um centro de treinamento, para zerar as dívidas pessoal.
Conforme detalha Maurício Bara, os contratos dos atletas do JF Vôlei encerraram-se em 30 de março, e, caso a equipe avançasse para as semifinais final da Superliga B, os dias trabalhados após o fim do prazo seriam pagos individualmente. “Pagamos todas as folhas salariais. Pagamos o (último) salário em abril. Um ou outro atleta que tinha mais uma parcela por questões de divisões, de parcelamento do contrato, já recebeu também. Estamos zerados com os jogadores. Só a comissão técnica que continuamos pagando até agora. Nesta semana mesmo, executamos um pagamento. E, aí, os profissionais tinham sido comunicados há um mês que esta seria a última parcela em função da determinação de congelamento do projeto. O pagamento da comissão técnica é todo feito por lei de incentivo. Todo ele. Sem exceção. Entrou o último mês, no final de abril, e estamos à espera de retornar aos trabalhos para que eles tenham mais seis meses de cumprimento de contrato.” De acordo com Bara, ao menos em termos de dívidas, o JF Vôlei conseguirá iniciar a próxima temporada da “estaca zero”.
No Poço Rico, conforme Cláudio Dias, os salários eram pagos antecipadamente aos atletas e à comissão técnica. A última folha salarial fora quitada ainda antes da interrupção do Campeonato Mineiro em meados de março. “Entramos em acordo com os atletas que, se o Mineiro voltasse antes de 30 de março, eles voltariam para Juiz de Fora, já que a gente já tinha pagado o mês de março. A primeira fase do Módulo I acabaria dia 30. Depois, a Taça Inconfidência e as finais aconteceriam até o dia 26 de abril. Era o compromisso que tínhamos com os jogadores e com a FMF. Agora, daqui para frente, teremos que rever tudo. Todos os contratos estão paralisados.” O vice-presidente do Tupynambás está ainda preocupado com as despesas que viriam em caso de eventual retomada do Módulo I. “Se o campeonato voltar, vai ter que ter uma pré-temporada novamente, porque os jogadores estão parados há um mês e meio. Perderíamos o mês de maio inteiro, o que já é uma folha salarial. Quem paga? E aí jogaríamos ao menos por mais duas semanas para frente da pré-temporada, o que representa, no total, uma folha salarial e meia. Isso tem um custo de mais de R$ 250 mil.”
Adiantamento
Juninho pleiteia uma verba da construtora Rezende Roriz, que construirá um CT para o clube em troca do terreno onde hoje está o Estádio Salles Oliveira, para quitar o compromisso dos atletas referente ao mês de março. Contudo, os contratos estarão em vigor até 30 de maio, e, até o momento, o presidente do Tupi não sabe o que fazer para pagar os meses de abril e maio. “A Rezende Roriz daria uma verba para o Tupi quitar algumas dívidas e fazer algumas coisas. Só que isso também mudou, porque eles perderam vários clientes, há várias obras paradas, então nem o dinheiro de financiamento a empresa está recebendo. Estamos negociando. E com os próprios patrocinadores também temos a receber. Estamos entrando em contato e tentando colocar tudo nos eixos, mas está complicado, porque, nesta época, todo mundo que tem um pouco de dinheiro está segurando por causa da incerteza do futuro.” A exemplo de Cláudio, Juninho também mostra preocupação quanto às dificuldades que teria para montar o elenco em uma eventual retomada do Módulo II. “Tenho dez atletas que já tinham compromissos firmados para a disputa das séries C e D do Campeonato Brasileiro com outros clubes. E é óbvio que eles não vão querer estender os contratos com o Tupi por mais dois meses e perder seis meses para disputar o Brasileiro. Vamos perder muitos atletas que são, teoricamente, melhores na reta final do Módulo II.”
‘Receitas através de mídias sociais’
Apesar da ausência de receitas oriundas de bilheteria e patrocínios, além do pagamento já realizado de verbas referentes a direitos de transmissão, Fábio Wolff, professor no curso de MBA em Gestão de Marketing Esportivo na Trevisan Escola de Negócios, aponta a geração de conteúdo em mídias sociais para engajamento de torcedores como alternativa a clubes em situação financeira delicada. “De fato, as receitas neste momento estão zeradas ou estão muito próximas disso, porque o esporte está parado. Muitos clubes já têm custos e folha de pagamento para efetuar, mas não têm caixa para fazê-lo. Eu procuraria opções de tentar fazer receita através das mídias sociais. Quem sabe fazer um campeonato de e-Sports entre os atletas, com o patrocínio dos próprios patrocinadores ou de outras empresas, ou, de repente, estes atletas possam jogar com torcedores etc. Quando falamos de esporte, o céu é o limite, porque envolve paixão e emoção. E as pessoas estão em casa de quarentena, o que acaba gerando ociosidade. Então, elas procuram conteúdo através da TV e da internet.”
Diante das dificuldades financeiras, Wolff defende que as entidades esportivas já projetem cenários possíveis e estratégicos a fim de implementá-los tão logo as atividades esportivas sejam autorizadas pelos entes públicos. “O esporte precisa voltar o quanto antes, porque o sinal já está vermelho, mas, logicamente, de portões fechados. É difícil falar em eventos com público neste ano ainda. Acho que o fato de o esporte voltar já é algo muito positivo. No Campeonato Alemão, estima-se a volta das partidas em 8 de maio. Lógico, a Alemanha foi um país que trabalhou muito bem a gestão da pandemia e estrategicamente definiu alguns cenários e está fazendo de tudo para trabalhar para voltar em uma data. É difícil cravar uma data para o Brasil, mas espero que em breve os esportes possam voltar com portões fechados.”
Desistência
O especialista em marketing esportivo cita, por exemplo, o São Caetano (SP), que, em virtude de dificuldades orçamentárias, já anunciou a desistência em disputar a Série D do Campeonato Brasileiro – possibilidade considerada pelo Tupynambás. “Também tenho conhecimento de times que já desistiram do Novo Basquete Brasil (NBB). É importante os clubes voltarem o quanto antes a treinar, logicamente, com segurança, para que não tenhamos situações como esta. Esse é um risco sério, à medida que muitos não têm caixa e têm ainda compromissos a honrar.” Questionado se as entidades esportivas não deveriam ajudar os clubes, Wolff afirma que deve haver uma análise do caixa da CBF, da relação entre valores e custos dos clubes e quantos e como os clubes podem ser auxiliados. “A CBF, até onde sei, tem um caixa bem positivo, mas é muito difícil falar a respeito disso, porque não é exatamente a minha especialidade. Não adianta, por exemplo, soltar um pacote de ajuda no mercado se não existem pessoas responsáveis em acompanhar se o dinheiro chegará no lugar certo ou será utilizado devidamente.”