É de conhecimento geral que a prática de atividade física regular gera benefícios em relação à prevenção de doenças e ao combate caso o indivíduo venha a contraí-las. Manter o corpo ativo, inclusive, é uma recomendação comum de profissionais da saúde diante da necessidade do isolamento social em função da pandemia do novo coronavírus. No entanto, exercícios de alta intensidade, acima de 30 a 40 minutos, e realizados com grande sobrecarga, devem ser evitados. É o que explica à Tribuna o educador físico e especialista em saúde do adulto pelo Hospital Universitário da UFJF, Daniel Netto.
“Temos que ter em mente que é um consenso, na literatura científica, os benefícios da atividade física para prevenção de doenças e, principalmente, não agravar algumas sintomatologias”, reforça inicialmente o profissional, antes do alerta. “A gente observa que as atividades físicas intensas reduzem a imunidade a curto prazo. Ou seja, uma pessoa que pratica exercícios de esforço acentuado tem a imunidade um pouco debilitada em pequeno período”, explica
Conforme o educador físico Ricardo Zacaron, as especificidades das pessoas devem ser respeitadas durante a análise do que será uma atividade intensa para cada esportista. “Essa questão do ritmo na execução dos exercícios tem muito a ver com o nível de condicionamento físico da pessoa, a idade e o objetivo ao executar as atividades. Então, hoje, no lugar de um treino hiit, executado em alta intensidade e curto período de tempo, os exercícios leves e moderados serão indicados primeiramente para pessoas de mais idade ou que estão iniciando os exercícios. Primeiro para executar de forma correta, ter um aproveitamento melhor na qualidade. Tem que respeitar a individualidade biológica de cada pessoa.”
Segundo Daniel, a melhor maneira de evitar esta baixa na imunidade é manter a rotina de uma vida saudável. Como também reitera Zacaron, pessoas ativas fisicamente têm menores chances de apresentar diversas doenças, como diabetes, hipertensão e outros problemas cardiovasculares, patologias crônico-degenerativas que levam seus portadores a serem considerados do grupo de maior risco para a infecção de Covid-19.
Além da opção pela prática de exercícios em carga moderada, de até 30 minutos, como atividades aeróbicas, a alimentação considerada ruim – não balanceada, com o consumo reduzido de vitaminas, frutas e minerais, e o aumento exagerado de gordura saturada e industrializados -, além de noites mal dormidas e a preocupação com a pandemia somadas aos exercícios intensos, podem ser fatores agravantes para a queda da imunidade.
“Se combinarmos uma alimentação inadequada, poucas horas de sono, o estresse da pandemia, que é a sobrecarga da saúde mental, com a atividade física intensa, a imunidade tende a cair. Isso geralmente é uma combinação que temos em praticantes de esporte principalmente de longa duração, como treinos de corrida e futebol. Tenho falado com meus alunos de evitar marcar aquela pelada, porque é uma fonte de contaminação”, esclarece Daniel.
Maior descanso e cautela ao iniciar atividades
Seguindo órgãos como a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde, a recomendação dos educadores físicos é a de evitar locais fechados, onde o vírus circula com maior facilidade, bem como as atividades coletivas. Pessoas que estão acostumadas ao ritmos de treinos intensos carecem de tomar algumas medidas. Ainda conforme Daniel Netto, os praticantes de atividades aeróbicas devem aumentar os dias de descanso. No caso de musculação (anaeróbica), estender o intervalo entre uma série e outra.
O profissional também reforça a orientação àqueles que buscam, neste momento de crise, iniciar uma atividade física sem conhecimento prévio ou instruções de especialistas. “Tenho observado muitas pessoas que não realizavam exercício buscando, agora, com a quarentena, os treinos longos de corrida, por exemplo. Não é indicado que seja de uma forma brusca. Às vezes isso ocorre por um pensamento de que vai se prevenir. Isso pode acabar debilitando o sistema imunológico dela. Caso ela contraia o coronavírus, os sintomas irão surgir mais rápidos do que em uma pessoa que não tenha essas práticas”, analisa.
Alternativas on-line e recomendações de exercícios
Academias locais como a Fibratech, a Dynamo e a Mega Academia, fechadas antes mesmo da obrigação decretada pela Prefeitura na última quarta-feira (18), com a situação de emergência em saúde pública, passaram a disponibilizar conteúdo on-line, pelas redes sociais, para que as pessoas continuem as suas atividades. Os vídeos em plataformas como o YouTube, para se exercitar em casa, sem a necessidade de aparelhos, por exemplo, têm sido alternativas às pessoas que buscam seguir ativas fisicamente.
Entre os exercícios, há treinos de diferentes dificuldades, entre funcionais e até aulas de dança. Os conteúdos são disponibilizados aos interessados tanto ao vivo, como permanecem abertos nas redes sociais para que possam ser acompanhados a qualquer hora do dia.
Os personal trainers também têm mantido contato com os alunos e encaminhado atividades tanto específicas quanto gerais, com orientações para a realização dos exercícios em casa. O educador físico Ricardo Zacaron autorizou à Tribuna a divulgação de um dos conteúdos que o profissional disponibilizou aos seus alunos neste período de isolamento social.
‘Sua corrida hoje pode diminuir uma pessoa doente amanhã’
À Tribuna, o médico infectologista Marcos Moura, também judoca faixa preta, reforça que as atividades intensas ainda podem gerar lesões graves pelo maior impacto, tratadas com mais dificuldade em função da sobrecarga nos hospitais. Ainda segundo o profissional, o pensamento dos atletas, em meio à ansiedade sem a prática normal das atividades, deve ser em prol de um coletivo, como de todas as pessoas, praticantes ou não de esporte. O isolamento é essencial.
“Recomendo que as pessoas fiquem o maior tempo possível em domicílio e a pensarem no coletivo. Sua corrida hoje pode diminuir uma pessoa doente amanhã. As pessoas têm que compreender e ajudar os profissionais da Educação Física, negociando com eles as orientações, cada um dentro da sua possibilidade. Depois da doença propriamente dita, têm os problemas sociais e econômicos. Esses seis meses de isolamento, a princípio, porque podem se estender, acabam sendo muito mais tempo e aí não teremos academia, praça, nenhum lugar”, analisa.
Neste contexto, Moura busca auxiliar também no direcionamento dos pensamentos dos atletas ao cogitarem a saída de casa para correr ou realizar outras atividades. “Acho que a cada dia você deve se perguntar sobre o que pode evitar. O que não preciso fazer hoje? Será que necessito correr todo dia? E amanhã é um novo dia. E assim tem que trabalhar. A ideia, como a gente divulga na mídia, de ficar pelo menos seis meses sem fazer nada, pode ocasionar um pânico, uma ansiedade de fazer tudo agora. E isso é um problema porque não se faz um isolamento. Não adianta também você se isolar e todo mundo estar correndo. Mesmo que individualmente, se torna coletivo. O entra e sai nos prédios, você tem mais contato com superfícies. Então acho que as pessoas têm que priorizar. Se vou sair uma vez por dia, vou fazer o que?”, discorre.
*Estagiário sob a supervisão do editor Bruno Kaehler