A Copa do Mundo de 1982, na Espanha, para muitos brasileiros, saiu da esperança em uma equipe canarinha favorita ao título à frustração após queda nas quartas de final para a Itália, no dia 5 de julho, em derrota em Barcelona, com hat-trick do atacante rival Paolo Rossi. Para Paulo Afonso Fonseca, 64 anos, o acompanhamento do evento esportivo foi peculiar. Nascido em Ervália (MG), mas radicado em Juiz de Fora há 52 anos, o técnico em estradas foi recrutado pela Companhia Mendes Junior, a partir de 1979, para construir a ferrovia no Iraque de 550 quilômetros. Um ano depois de sua chegada, teria início a Guerra Irã-Iraque.
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“Eu trabalhava na Construtora Mendes Júnior, quando ela ganhou esta obra. Na ocasião, foi o maior contrato que uma firma estrangeira pegava em outro país, de $1,25 bilhão. Praticamente toda ela em um deserto. A obra começou no final de 1978. Lá, a construtora tinha a estratégia de tocar os 550 quilômetros de forma simultânea, então ela criou um acampamento central, de família, no km 215 da obra, e outros intermediários como nos km 30, km 56 e km 350, uma pedreira”, relembra Paulo Fonseca.
A ferrovia ligava a capital iraquina Bagdá até Basra, ao Sul do Iraque. Paulo permaneceu no Iraque até 1983, onde também constituiu família. “Fui para lá solteiro, casei, levei a esposa para lá, que teve a minha filha, Alice. Elas moravam no km 215. Como eu era da linha de frente, só encontrava a família neste ponto aos nossos domingos, dias de descanso, que para eles eram na sexta-feira. E no km 215 nós tínhamos toda uma infraestrutura de uma cidade pequena. Moravam umas 6 mil pessoas, tinha hospital, clube, restaurantes, casas, vilas. As pessoas se encontravam à noite mais no clube, onde jogavam uma dama, sinuca, pingue pongue. Quando você terminava o trabalho em um ponto, mudava de quilômetro com toda a sua equipe e estrutura. A água era distribuída ao longo dos 350 quilômetros. Você tinha postos de água dos rios Eufrates e Tigre, além de postos intermediários, piscinas, a cada 60, 80 quilômetros”, conta.
Antes, durante e após a Copa do Mundo, Paulo, seus companheiros de trabalho e familiares tiveram que conviver com a tensão de estar em um país em guerra. “Foi pavorante. Quando começou a guerra tínhamos que pintar as janelas dos acampamentos todas de preto se quiséssemos acender a luz à noite. Não podíamos acender farol se andassem em mais de duas, três pessoas juntas. Das estradas, víamos aviões do Iraque, um barulho ensurdecedor. No km 30, tinha um aeroporto subterrâneo. Só via chegar e sair aviões. Com o zoom de um aparelho de topografia dava pra ver. Uma vez um Caça F-15 saiu e, foi ele sair, e um míssel veio logo atrás dele, o derrubando. Foi impressionante.”
Alegria em meio à tensão do conflito
Neste contexto, segundo Paulo, a Copa do Mundo chegou para trazer um pouco de alegria ao povo brasileiro no acampamento do km 215. “Vivíamos tão tensos, que quando tinha um evento como a Copa ou uma festa, dava uma aliviada legal. Você esquecia um pouco os problemas. Mas na época da guerra, teve um amigo que viu uma bomba cair a 200 metros dele. Eu nunca vi nenhum ataque, apenas o pessoal saindo pra guerra, a turma fazendo festa. Meninos de 14, 15 anos indo, um absurdo. Depois cansei de ver os corpos chegando enrolados em uma bandeira. Cada família iraquiana que tinha um morto recebia um carro. Um Chevrolet, tipo o nosso antigo Opala, muito bonito. Lá não tinha madeira nenhuma, então você via os corpos enrolados na bandeira em cima de carros. A cultura deles é tão diferente que quando minha menina nasceu, em 1982, após a Copa, eu não achava uma boneca no país para comprar para ela”, lamenta.
O cenário influenciou até mesmo a forma como Paulo, família e amigos acompanharam o jogo mais marcante, pela eliminação, para os brasileiros naquele Mundial. “Nos jogos do Brasil íamos para o clube do acampamento assistir na TV. Lotava e parava a obra. Deixavam a gente assistir. Só não era em português. Mas o jogo contra a Itália foi o único em que só ouvimos pelo rádio. O Saddam Hussein (ex-presidente do Iraque) não deixou passar porque o juiz (Abraham Klein) era judeu. Ele era israelita. Por isso tivemos que ouvir pelo rádio”, conta.
A “Tragédia de Olegário”
Waldir Peres; Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Falcão, Toninho Cerezo, Sócrates e Zico; Serginho (Paulo Isidoro) e Éder. Sob comando do saudoso Telê Santana, esta foi a equipe que entrou em campo no dia 5 de julho de 1982 com a vantagem de um empate diante da Itália para conquistar a classificação às semifinais da Copa na Espanha. Antes da fatídica partida, o Brasil havia acumulado quatro vitórias em quatro compromissos, com 13 gols marcados: 2 a 1 sobre a União Soviética, 4 a 1 contra a Escócia, 4 a 0 na Nova Zelândia e, também nas quartas de final, 3 a 1 sobre a Argentina.
O entusiasmo com a Seleção Brasileira existia em todo o mundo. Prova disso é uma aposta feita no Iraque, presenciada e estimulada por Paulo, que relembrou engraçada história à Tribuna. “Eu tinha a esperança do título, conhecia os jogadores. Nunca fui doente por futebol, mas conhecia o Zico, Sócrates, Toninho Cerezo. E realmente o jogo dos caras era de dar inveja nesse time de hoje. E tinha um amigo meu, o Olegário, que nunca fazia a barba. Nós nunca tínhamos visto ele sem a barba. E bebendo, um dia, ele dizia que o Brasil seria finalista. Um de nós discordou, mais pessimista, e o Olegário resolveu apostar. Se o Brasil não chegasse à final, ele tirava a barba. Se fosse à decisão, ganharia 100 dinares, a moeda local. Aí fizemos uma vaquinha e juntamos o valor. Quando o Brasil perdeu da Itália, vimos porque ele não fazia, parecia que não tinha queixo! Ficou muito bravo com a derrota e chegou a socar o espelho quando se viu! Foi muito engraçado na época!”, relembra.
A derrota conhecida como “Tragédia de Sarriá”, por ter sido disputada no Estádio Sarriá, em Barcelona, também poderia ser conhecida, para o amigo de Paulo, como a “Tragédia de Olegário”.
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