As cobranças a partir de R$ 300 aos atletas que participaram e querem ser avaliados em clínicas para as categorias de base e sub-23 do Tupi não são permitidas conforme a Lei Pelé, segundo o advogado Lucas Silva, especialista em direito desportivo, ouvido pela Tribuna em entrevista nesta semana. No artigo 29 da lei que gere o desporto no Brasil, alínea g, é destacada a obrigação de “ser a formação do atleta gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva”.
“Temos que fazer um recorte. Pelo que estou acompanhando de notícias, é uma coisa que já vimos em outros lugares do Brasil. Tem uma situação para categoria de base e outra para profissional. Por que desse recorte? A primeira coisa é que na categoria de base você não pode cobrar valor nenhum, e a legislação é muito clara em relação a isso. Se você pegar o artigo 29 da Lei Pelé, na alínea g, ela fala que na formação esportiva, que é quando você está preparando o menino nas categorias de base, o clube tem que fornecer alimentação, transporte e educação de forma gratuita. Não pode haver nenhum tipo de cobrança”, assegura o advogado.
Ainda conforme Lucas, a ilegalidade dos valores pedidos, recorrentes no país, se enquadra às clínicas promovidas pelo Tupi por meio do gestor da base, o Grupo MultSport. “A lei é um pouco falha nisso, não tem uma especificidade se é clínica ou não. Mas se formos pegar como funciona no mundo do futebol, não existe cobrar o atleta para ele treinar no clube. E falo porque se formos analisar todo o sistema da questão da categoria de base, quando o menino passa a integrar um grupo de uma equipe, se ele tiver destaque no cenário nacional, ou futuramente venha a se destacar, o clube recebe por isso, se ele for registrado. Seja como clube formador ou no mecanismo de solidariedade. O que isso nos leva a entender? Que esse período em que está avaliando o menino é um investimento do clube. Porque se ali, de cem meninos, saem dois, três que dão um retorno ao clube… não tem motivo para se cobrar esse valor na clínica.”
Questionado sobre este entendimento, o presidente do Tupi e também advogado, José Luiz Mauller Júnior, rechaçou a interpretação de irregularidade. “É óbvio que não é ilegal porque não estamos trabalhando com a formação de atletas, mas com a seleção. O atleta paga para ficar alojado e para a própria alimentação. Agora, se passar a ser jogador do clube e eu formá-lo, não posso cobrar dele. Mas não estou formando, e sim selecionando.”
O advogado salienta, ainda, que a categoria sub-23 já é profissional. “A formação vai até 20 anos, passou disso tem que ter um contrato de trabalho. Se vai disputar um Brasileiro de Aspirantes sub-23, todos têm contrato profissional com o clube. Aí você vai fazer uma avaliação profissional cobrando desses atletas? Nunca vi isso também. Já houve casos que já teve condenações, com as equipes que fazem essas cobranças sendo obrigadas a fazer a devolução de valores.”
Juninho, no entanto, enxerga de forma diferente. “Acima de 20 anos não é formação, mas não é profissional. Só se for contratado. O cara pode ter 25 anos e não ser profissional. Se for disputar o sub-23, vai ter o contrato. Mas se ele fosse profissional, já teria um contrato. Exemplo claro é do Bruno Henrique, do Flamengo. Era da várzea. Aí foi fazer um treino e acabou aprovado. Só porque tinha 24 anos era profissional?”
Promessas de profissionalização
Em relação à carta-convite enviada aos atletas que se interessaram nas avaliações para o sub-23, Lucas Silva entende que o texto configura, de fato, uma promessa de profissionalização. O documento diz que “o objetivo desta avaliação é a criação do sub-23, equipe essa responsável pela montagem do elenco profissional do clube, os atletas selecionados serão devidamente registrados no clube tendo sua transferência paga, e caso selecionado para as competições será (sic) devidamente registrado seguindo os protocolos trabalhistas com remuneração mínima de R$ 1.045,00 reais.” O trecho ainda é finalizado com o relato de que as avaliações possuíam “o objetivo de selecionar atletas para o módulo 2 do campeonato mineiro de 2020.”
O advogado reitera que “se configura uma promessa de profissionalização você ter um documento falando que, se você for aprovado, vai ter o registro na carteira de um salário mínimo e vai disputar o Campeonato Mineiro. São coisas que fogem de uma lógica normal. A gente não vê nenhum elenco sendo montado dessa forma. E sabemos como funciona o futebol. Estamos no meio há muito tempo. Sabemos que os clubes do interior às vezes abrem um período de avaliação para dar oportunidade a jovens, mas cobrar? Sinceramente já vi acontecer, mas não é correto. E caracteriza, de fato, uma promessa de profissionalização do atleta.”
O mandatário alvinegro, por sua vez, reforça que não possuiu tal entendimento pelo descrito na carta-convite. “Não tem promessa de profissionalização. O único cara que pode profissionalizar alguém no clube sou eu. Se alguém prometesse, estaria errado. Eu não entendi isso no documento. Também sou advogado e não entendi isso.”
Segundo ele, há uma diferenciação entre os atletas da clínica, que pagaram para ser avaliados, e outros adultos, analisados diretamente pelo técnico do time que irá disputar o Módulo II. “Do time principal, não estou chamando para serem avaliados, mas sim contratados. O Douglas, o Emerson, Rafael, Palhinha são contratados.” Juninho garante que todos os atletas avaliados na equipe principal, como Maciel, por exemplo, recebem do clube no período em que ficam à disposição nos treinamentos. “O clube pagou ele (Maciel). O tempo que ficou, recebeu. Tenho recibo aqui, assinado por mim. É com todos. Se o cara ficar dez, 12 dias aqui, vou deixar ele plantado? Agora, chamamos jogadores que têm potencial para ficar no elenco. Mas o caso do sub-23, não. São jogadores desconhecidos que toparam fazer essa avaliação por conta deles, pagaram hospedagem, alimentação. Se, por acaso, se destacassem dentro do sub-23, levamos para o treinador do profissional avaliar. Mas não é porque tem 23 anos que é profissional. Isso não existe.”
A Tribuna também tentou contato com o vice-presidente financeiro do Tupi e responsável pelo Grupo MultSport, Thiago Conte, mas não obteve retorno.
Reembolsos
Houve atletas que fizeram o pagamento da clínica, mas não foram avaliados até o momento. Naturalmente, estes possuem o direito de pedir o estorno do valor gasto. Já aqueles que se sentiram lesados mesmo com a realização dos treinos e período nas estruturas fornecidas pelo Tupi, também podem procurar receber o valor de volta, segundo Lucas.
“Entendo que podem buscar o reembolso do valor. Quem não participou da clínica, é claro, e quem participou, e aí temos que ver as condições da clínica, mas também podem buscar no judiciário o reembolso. Se você parar pra raciocinar, um exemplo, o jogador que veio por um período de observação, o que tem em todos os clubes, está treinando no grupo e não atingiu o nível (desejado pelo time). Será que foi cobrado alguma coisa dele? É o mesmo raciocínio. Por que cobraram desses meninos?”, explica o advogado.