O Tupi teve um déficit de mais de R$ 12 milhões entre 2016 e 2023, conforme consta em documentos que tramitam juntamente ao pedido de recuperação judicial por parte do clube, obtidos pela Tribuna. Esse valor é maior que a metade da dívida total do alvinegro, totalizada em quase R$ 23 milhões. No relatório, não consta o balancete da última temporada. Até o momento, a agremiação já teve a aprovação inicial da Justiça sobre o processo de recuperação judicial e aguarda a resposta dos credores. A negociação é vista como essencial para a transformação do Galo Carijó em Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
A reportagem tentou uma entrevista com o presidente Eloísio Pereira, o “Tiquinho”, sem sucesso. Assim, questionou a assessoria do Tupi sobre os motivos dos déficits, bem como o que a agremiação pretende fazer para superá-los. A resposta veio por meio de nota, a qual diz que “ao longo de nossa trajetória, o clube acumulou um elevado passivo, especialmente relacionado à atividade do futebol, fato que se agrava a cada ano, com os custos crescendo sem a correspondente geração de retorno. […] O processo é transparente e devidamente acompanhado não apenas pelos credores, mas também pelo Administrador Judicial e, claro, pelo Poder Judiciário. Quer-se com isso dizer que o foro adequado para as discussões, respeitados os termos e os limites legais, é o processo, de modo que pretensões enviesadas e/ou que extravasam o âmbito de uma RJ acabam por politizar um assunto que, ao fim e ao cabo, é econômico e jurídico”. O texto completo está no final da matéria.
Déficits ano a ano
Após garantir o acesso para a Série B de 2016, o Tupi chegava ao melhor momento de sua história. Além da elite mineira, pela primeira vez, o clube disputava a Segunda Divisão nacional. Entretanto, encontrou muitas dificuldades e acabou a competição em 18° lugar, sendo rebaixado. Mesmo com viagens longas, que geram mais gasto, o déficit do clube foi de R$ 339.405,16, valor pequeno se comparado ao prejuízo dos anos seguintes.
Em 2017, o Tupi disputou novamente o Módulo I do Mineiro e a Série C do Brasileirão, garantindo vaga nas quartas de final. Mas, nessa fase, o Tupi perdeu para o Fortaleza por 2 a 0 no Castelão e, mesmo com a vitória na partida de volta por 1 a 0, em Juiz de Fora, acabou eliminado da competição sem conseguir vaga para a Série B. O déficit foi mais de três vezes maior que em 2016, em um total de R$ 1.179.271,56.
Já em 2018, o Tupi conquistou seu último título, o Campeonato Mineiro do interior, após um jejum de seis anos desse troféu. O time chegou até as semifinais do Mineiro, quando foi eliminado para o Cruzeiro. Porém, na disputa nacional da Terceira Divisão, o êxito não veio. Com sucessivas derrotas, o Tupi acabou rebaixado para a Série D do Campeonato Brasileiro, com apenas seis vitórias em 18 jogos. O prejuízo em 2018 do período entre 2016 e 2023: R$ 4.907.873,46.
O ano de 2019 foi um dos piores anos para o clube de Juiz de Fora. Na elite mineira, não venceu nenhum jogo e foi rebaixado para o Módulo II em último lugar. A péssima fase continuou na Série D, em que a equipe foi eliminada ainda na primeira fase. Dessa forma, o Carijó ficou sem divisão nacional em 2020, além de um déficit de R$ 1.437.856,12.
Com a pandemia e sem calendário nacional, o 2020 do Tupi foi apagado. A agremiação disputou apenas o Módulo II do Campeonato Mineiro, que chegou a ficar parado por sete meses devido à pandemia. O Galo Carijó, inclusive, solicitou à Federação Mineira de Futebol (FMF) desistência do campeonato, mas o pedido não foi aceito. Assim, a equipe foi até o final da competição, mas ficou em sexto na fase inicial e não avançou para o quadrangular final. Naquele ano, o déficit foi menor: R$ 251.199,28.
Imóveis vendidos
Em 2021, o Tupi terminou o Módulo II do Campeonato Mineiro em nono lugar na tabela de classificação. Mas o resultado esportivo ficou em segundo plano. O ano foi marcado pelas investigações da Polícia Civil sobre a gestão do clube e pela prisão do então presidente José Luiz Mauler Júnior, o Juninho, por posse ilegal de três armas, na ação denominada “Operação Tupi: Jogando limpo”. Houve, ainda, irregularidades em clínicas para as categorias de base e, a partir do avanço das análises, também da administração geral da agremiação.
Ainda em 2019, em entrevista à Tribuna, o então presidente Juninho revelou que o clube iria receber 21 salas, de 40 metros quadrados cada, com garagem, em troca da venda do terreno do parque aquático na sede carijó para a construção de um edifício de salas comerciais pela ACR Empreendimentos.
“É o melhor negócio que o Tupi fez nos últimos 30, 40 anos. Será em uma área em que o melhor investimento é o de salas. O novo fórum está sendo construído ao lado, então a demanda será enorme. O Tupi pretende alugar essas salas e creio que teria de R$ 30 a R$ 40 mil de aluguel por mês, ou seja, a sede do Tupi estaria totalmente autônoma, independente, fora os outros recursos que a sede gera”, disse, à época.
Porém, nos documentos aos quais a Tribuna teve acesso, o Tupi, em 2021, tinha apenas nove imóveis. Já no ano seguinte, ainda conforme o mesmo ofício, este número caiu para somente três. Ou seja, seis imóveis foram vendidos, no valor de R$ 1.050.000, conforme consta no balancete do clube referente a 2022. O relatório não detalha para quem foi feita a venda e nem o valor unitário dos espaços.
Ao todo, 2021 gerou um déficit de R$ 222.553,13, valor muito menor do que os outros anos que não foram paralisados pela pandemia.
Indiciamento de Juninho e mais dívidas
Em 2022, o ex-presidente Juninho foi indiciado pela Polícia Civil por falsidade ideológica e estelionato nas investigações sobre a peneira com suspeitas de irregularidades. Já comandado pelo atual presidente, Tiquinho (antes vice), o clube deu início aos treinos faltando três semanas para o Módulo II. Nessa temporada, o Tupi brigou até o último jogo para ir ao hexagonal final e tentar voltar ao Módulo II, mas acabou em sétimo e não conseguiu avançar. O prejuízo, ao final do ano, foi de R$2.574.771,12.
Já em 2023, o Tupi terminou o Módulo II do Campeonato Mineiro em décimo e acumulou mais R$ 1.404.470,81 em déficit. Nos documentos que tramitam com o pedido de recuperação judicial, não consta o balanço de 2024, quando o clube foi rebaixado para a Terceira Divisão Estadual pela primeira vez na história.
Somado todos os anos, de 2016 a 2023, o Tupi teve um déficit de R$ 12.317.400,64.
Veja a nota divulgada pelo Tupi
“A Diretoria do Tupi Foot Ball Club vem, por meio deste comunicado, esclarecer à imprensa, aos torcedores, credores e demais parceiros que, após uma longa e criteriosa análise de sua situação financeira, optou por ingressar com pedido de recuperação judicial.
Esta medida, embora difícil, foi a única forma viável encontrada para que o clube possa equacionar o seu passivo, manter-se ativo e buscar a sustentabilidade de suas atividades, preservando a rica e centenária história que sempre orgulhou nossa torcida.
Ao longo de nossa trajetória, o clube acumulou um elevado passivo, especialmente relacionado à atividade do futebol, fato que se agrava a cada ano, com os custos crescendo sem a correspondente geração de retorno. Nesse contexto, a adoção da recuperação judicial se mostra como uma estratégia indispensável para restaurar a saúde financeira e assegurar que os compromissos assumidos ao longo dos anos sejam honrados.
Cientes de que, naturalmente, alguns credores possam manifestar reservas, considerando seus próprios interesses, reiteramos que esta decisão foi tomada unicamente com o objetivo de preservar a continuidade do clube. A intenção de nossa gestão nunca foi prejudicar nenhum credor, principalmente aqueles que sempre acreditaram e depositaram confiança em nossa instituição. Ao contrário, este processo visa assegurar que os compromissos assumidos possam ser honrados e que o Tupi possa emergir desta fase com renovada força e capacidade de proporcionar momentos inesquecíveis aos seus torcedores.
O processo é transparente e devidamente acompanhado não apenas pelos credores, mas também pelo Administrador Judicial e, claro, pelo Poder Judiciário. Quer-se com isso dizer que o foro adequado para as discussões, respeitados os termos e os limites legais, é o processo, de modo que pretensões enviesadas e/ou que extravasam o âmbito de uma RJ acabam por politizar um assunto que, ao fim e ao cabo, é econômico e jurídico.
A atual administração está firmemente comprometida não somente com o sucesso da recuperação judicial, mas também com o soerguimento integral do clube. Nosso objetivo é garantir que, mesmo diante dos desafios atuais, a essência e a paixão que movem nossa história continuem vivas, e que possamos, juntos, construir um futuro sólido e promissor para o futebol e para toda a nossa comunidade.
Contamos com a compreensão e o apoio de todos os envolvidos neste momento desafiador, certos de que, por meio da recuperação, construiremos juntos um futuro promissor para o Tupi”.
*Sob supervisão do editor Gabriel Silva