“Eu me preocupo com o meu futuro. Penso nisso todo dia, em como vou ser tratado. Aqui me tratam muito bem. Isso me faz sentir que vai ser melhor.” Vinda de um garoto de 16 anos, essa frase pode expressar insegurança por vários motivos. Um sentimento comum à maioria dos adolescentes. Mas J.S. não é um jovem qualquer. Há seis meses acautelado no Centro Socioeducativo de Juiz de Fora, ele quer voltar ao convívio da sociedade. Porta que vai se abrindo através do futebol, após ganhar uma oportunidade nas divisões de base do Tupynambás.
As razões que levaram J.S. ao Centro Socioeducativo Santa Lúcia são segredo de Justiça. Mas agora isso não vem ao caso: como todo bom atleta, o importante é focar na evolução e alcançar resultados positivos. No esporte e na vida. “É muito bom retomar meu sonho de virar jogador. É uma chance diferente para minha vida. Me deixa animado”, afirma o garoto, preparado para defender o Baeta na Copa Bahamas. Ele ainda terá pela frente mais seis meses no Centro, refletindo sobre o futuro e a própria vida.
Trabalho duro
Os jovens acautelados vivem uma rotina puxada, com atividades que ocupam todo o dia. Desde o horário de acordar, às 6h, os 71 jovens entre 14 e 21 anos atendidos pelo Centro Socioeducativo já sabem os compromissos. Além do ensino regular na escola dentro da unidade, todos têm que participar de oficinas e cursos profissionalizantes, como jardinagem, manutenção elétrica, pintura, informática. Um dos momentos mais aguardados é o da prática esportiva.
“A medida socioeducativa, como o próprio nome já diz, é educar para o social, para voltarem à sociedade”, observa Eliana Silva Cunha, diretora-geral do Centro Santa Lúcia. “Nós temos como eixos a família, o trabalho, a profissionalização e a religião, resgatando o hábito de ir para a escola. E tem também o esporte como oportunidade. Eles estão vendo isso de maneira muito positiva.”
A diretora se preocupa com a estigmatização dos jovens que passam pelo processo de acautelamento. “É como se estivessem marcados. A sociedade não ajuda muito nesse ponto. Nem todos dão oportunidade, infelizmente. Eles estão lá por terem cometido um erro, mas estão respondendo por isso de forma severa, cerceados da liberdade. Erraram, mas vão voltar ao convívio. E se a sociedade trabalhar em torno disso, recebendo esses meninos de volta, as oportunidades deles serão bem maiores.”
Tradição do Baeta
A história de J.S. não é a primeira com essas características que se encontra com a tradição do Baeta. Há três semanas o clube centenário selecionou também S.L. Aos 18 anos, ele não vê a hora de ser relacionado para a Copa Zona da Mata Sub-20, torneio no qual o Tupynambás está sendo representado por duas equipes diferentes.
“Estou ansioso. Se Deus quiser, vou ter logo uma chance. O futebol é um sonho para mim. Acho que, pela idade, fica mais difícil, mas ainda tenho oportunidade. Se não conseguir no futebol, vou arrumar um serviço, alguma coisa”, planeja S.L., que passou um ano e meio acautelado no Centro Santa Lúcia, mas desde o início do mês já vive reintegrado à sociedade.
Recuperação através do esporte
Tímido para conversar, S.L. muda com a bola nos pés. Dentro de campo demonstra estar mais à vontade do que na entrevista. Nem parece o garoto que vive tardiamente a primeira oportunidade no futebol. Antes, só em peladas na praça ou no Centro Socioeducativo. “Ele é tímido, mas começa a se soltar. Está entendendo que está vivendo em um ambiente saudável. Foi acolhido de braços abertos não só pela comissão, mas também pelos colegas”, afirma Zé Luis, técnico do Tupynambás. “Vejo evolução do dia em que ele chegou para hoje, na confiança que tem com os companheiros. É um processo que leva tempo. A cada dia tem que mostrar que está recuperado, que quer uma nova vida. Não só ele, mas todos nós. Na vida, a cada dia somos surpreendidos por um obstáculo.”
Com décadas de dedicação ao futebol, Zé Luís foi goleiro e treinador do Tupi, além de vários outros clubes. Nesse ano, iniciou o comando na base do Tupynambás disputando a Taça BH Sub-17, e agora atua também com o grupo Sub-20. E é a experiência que faz o profissional confiar em uma técnica específica para lidar com jovens atletas em geral. “Procuro agir naturalmente. O garoto fica à vontade quando sente que não está sendo discriminado por alguma situação que viveu. Sempre que posso, chamo individualmente no canto para um bate-papo. Pergunto como está a vida, o dia a dia, a família. Isso é um trabalho que eu já fazia no profissional. Os técnicos se preocupam muito com a parte tática, física, mas estamos trabalhando com seres humanos. O esporte é um caminho bacana, não só para ele, mas também para pessoas que não têm oportunidades. Elas conseguem se agarrar a alguma coisa e ter esperança de dias melhores.”
Mão amiga
A técnica para melhorar o desempenho de atletas se mostra capaz de desenvolver o homem. Uma sintonia que mostra o papel do esporte na transformação social. “O pessoal me recebeu muito bem. Me tratam normal, ninguém está preocupado se eu passei pelo Centro. Depois que você sai de lá, sua vida é outra. Não seria justo (discriminar). Todo mundo erra. É bom trabalhar com o Zé Luis. Ele me ajuda muito. Tenho amizade com todo mundo. Entrosar não vai ser problema”, comemora S.L, sem demonstrar dúvidas sobre o poder que mãos estendidas podem ter na vida de alguém.
“(Passar pelo Centro) foi um período importante. Aprendi muita coisa lá dentro. Agradeço também à Eliana. O Centro me ajudou também a chegar onde estou. O esporte fez diferença na minha vida e abriu portas. Agora, essa experiência (no Tupynambás) já me deu muita coisa boa. Estou pensando mais um pouco na minha vida. Se tiver uma oportunidade, quero poder pegar essa chance”, projeta S.L. Sobre a vida daqui a um tempo? “Espero que esteja bem. Se possível, no futebol. Tomara.”