O primeiro lugar no pódio, emoldurado pelo céu azul do Rio de Janeiro, é o retrato de uma série de vitórias na vida do paraciclista Eduardo Santana. Uma delas, a primeira colocação na categoria C5 de paratletas, da Copa Rio de Ciclismo, disputada por ele no final de abril. Porém, a medalha é resultado de um caminho muito mais longo que os 30 quilômetros percorridos na disputa. O trajeto que levou o paraciclista até ali começou há quatro anos, quando, segundo Eduardo, ele renasceu para uma nova vida.
Natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, desde cedo Eduardo começou a viajar. O pai, metalúrgico, trabalhava montando empresas, e foi assim que a família percorreu todo o estado de Minas Gerais. A bicicleta, afirma o paratleta, sempre esteve presente, mas, como na vida de muitas crianças e adolescentes, apenas como uma diversão.
“Foi quando eu morava em Belo Horizonte que eu conheci o ciclismo. Lá eu comecei a pedalar, mas sem a intenção de ser profissional”, conta Eduardo. Com a companhia de amigos, ele pedalava nos fins de semana pela cidade, ainda de forma amadora, mas já nutrindo gosto pelo esporte. Porém, aos 27 anos, depois de um divórcio, ele decidiu deixar a capital e voltar para perto do pai, que havia escolhido a cidade de Santos Dumont, cerca de 40 quilômetros distante de Juiz de Fora, para descansar na aposentadoria.
“Quando eu voltei para Santos Dumont eu tive minha bicicleta roubada, aí eu desanimei a continuar pedalando”. Foi nesse período que Eduardo passou a fase mais difícil da sua vida. Com depressão, ele buscou no álcool e nas drogas um refúgio para seu sofrimento. “Eu cheguei no fundo do poço, me tornei um drogado, um alcoólatra. Cheguei a ser usuário de crack, de cocaína, fui aquelas pessoas que ficavam na beira de esquina o dia inteiro por conta do alcoolismo. Perdi minha família, meu emprego…”.
Felizmente, há quatro anos, este foi apenas um capítulo triste na história de Eduardo. Foi ao entrar para a igreja evangélica que sua vida mudou de rumo. “Eu não digo que foi a religião que me salvou, mas Deus. Existem várias religiões e Deus é um só. A base de tudo o que eu conquistei hoje foi a minha salvação. Deus me proporcionou essa mudança de vida, largar os vícios, e encontrar o esporte”.
E foi após este momento difícil que a bicicleta retornou para a sua vida. “Conheci um senhor em Santos Dumont, um ciclista que é chamado de Chico ‘GPS’, por conhecer todos os lugares da cidade. Foi ele o primeiro a me dizer que eu tinha o dom para andar de bicicleta”. Foram esses incentivos, de amigos próximos e de atletas experientes da cidade, como o hexacampeão brasileiro de Mountain Bike, Willian Antônio, que motivaram Eduardo a se dedicar e encarar o ciclismo como um esporte e estilo de vida.
Bem-estar e superação
“Quem já andou de bicicleta sabe como é uma delícia, um ventinho no rosto… E se você um dia pegar e der uma pedalada de dez quilômetros vai sentir as pernas doendo no dia seguinte, mas vai ver que prazer, que gostoso que é”. É o que conta Eduardo sobre pedalar. Um esporte que, para ele, traz um misto de prazer e superação.
Eduardo nasceu com o braço esquerdo mais curto e, por isso, possui menos força nele. A deficiência, que durante a vida representou dificuldades, em cima da bike é motivo de resiliência. “Na hora de pedalar, a posição de segurar o guidão da bicicleta é diferente, pelo braço ser mais curto. Isso faz com que eu tenha menos apoio, sendo uma dificuldade a mais quando tem um tranco, ou algo assim. E por ter pouca força, uso mais o freio de trás, que é na minha mão direita”.
Para ele, evoluir no esporte é sinônimo de se sentir capaz. “Nós, que somos paraciclistas, nos sentimos mais completos em cima da bike. A pessoa, quando é deficiente física, a própria sociedade a limita. Pensam que por serem deficientes, não vão dar conta. E quando a gente sobe na bicicleta e consegue fazer as mesmas coisas que uma pessoa que não tem deficiência faz, isso é de extremo prazer pra gente. E isso se torna uma forma de inclusão social e no esporte”, relata.
Eduardo afirma que vem se integrando ao movimento dos paraciclistas, buscando constante estudo para saber como representar a categoria. “Entrei em um grupo no Whatsapp do paraciclismo brasileiro, participei de um curso on-line, que tem me ajudado a descobrir o que fazer, o que não fazer, como se preparar”. Para ele, os deficientes no Brasil ainda precisam abrir muitas portas e lutar para quebrar preconceitos até mesmo dentro do esporte, mostrando que, ao contrário do que muitos pensam, não são pessoas frágeis, mas atletas capazes de conquistar e superar seus objetivos.
Um trajeto que se inicia com determinação
Ao ser questionado, Eduardo afirma que se considera um atleta profissional há pouco menos de um ano. O paraciclista é enfático ao dizer que, apesar do prazer proporcionado pelo esporte, nem sempre manter a rotina de treinos é fácil. Há oito meses, Eduardo treina seis vezes por semana, com chuva ou com sol. “Às vezes é difícil levantar cedo, com frio para treinar, é uma rotina pesada. Mas não podemos deixar o corpo sem o preparo, que é essencial na competição”.
A Copa Rio de Ciclismo, no qual Eduardo venceu a primeira etapa, ainda terá duas fases antes da grande final. A sua categoria é a C5, que engloba ciclistas que não necessitam de bicicletas modificadas. Mas se engana quem pensa que o ciclista vai parar por aí. Apenas neste ano, Eduardo também se inscreveu nos campeonatos Mineiro e Paulista de ciclismo, além do grande sonho, a Copa Brasil.
A próxima disputa de Eduardo acontece no mês de junho, em Montes Claros, nos dias 5 e 6, quando tem início o Campeonato Mineiro de Ciclismo. As datas das outras competições foram alteradas por conta da pandemia da Covid-19.
Treinos, emprego e busca por apoio
Conciliando os treinos com emprego de servente em obras, ele conta com ajuda de amigos e patrocínio para bancar o esporte e a viagem. “Muitas pessoas se mobilizaram com a minha história. Eu, pai de família, com dois filhos pequenos, um de 3 e um de 8 anos, é difícil bancar ciclismo, que é um esporte caro. Tanto a manutenção da bicicleta quanto o uniforme, suplemento nutricional, tudo eu ganho como colaboração. Eu tenho um treinador, Alex Diniz, que me acompanha nos treinos de graça, monitorando meu desempenho através da internet lá de São José dos Campos (SP), onde ele mora. Mas ainda preciso de muita ajuda para conseguir viajar e disputar essas competições”.
Para os interessados em ajudar Eduardo nas viagens, ele afirma que basta fazer contato pelo seu celular (32) 98420-0457, ou nas redes sociais (@eqssantana35). “A próxima competição que tenho é em Montes Claros. São mais de 600 quilômetros, e sem a ajuda tenho que bancar a passagem e hospedagem do meu bolso, o que fica inviável”.
E com muita esperança ele pretende repetir o pódio que conseguiu em sua primeira competição. “Se Deus quiser ainda vou dar muita pedalada para chegar onde eu quero, meu sonho é ser campeão brasileiro”, afirma. O sentimento que perpetua é o de vitória. Ao atravessar a linha de chegada, o fim de um caminho percorrido com muita luta. “Eu, que cheguei a pesar 40kg, hoje em dia recuperado de um vício, tendo forças para percorrer tantos quilômetros, é uma vitória que merece ser comemorada todo dia. A bicicleta pra mim é isso, não só um sonho realizado, mas um sonho que está começando”.