Em Juiz de Fora, no último ano, houve a demolição das quadras de futsal do Tupynambás e do Sport Club Mariano Procópio. Em anos anteriores, a Copa Sesc e a Copa Aoa, relevantes competições na cidade, foram interrompidas. A desvalorização do esporte, entretanto, não ocorre somente a nível regional. Na última semana, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) anunciou a retirada da modalidade dos Jogos da Juventude, principal competição escolar para jovens com idades entre 15 e 17 anos de todo o país, programado para acontecer em setembro, na cidade de Ribeirão Preto (SP). Em contrapartida, esgrima, águas abertas, triatlo e tiro com arco entram na programação do torneio. Como justificativa, o COB alega que o futsal não faz parte dos Jogos Olímpicos, ao contrário dos outros esportes. Até o momento, entretanto, não houve uma decisão sobre a continuidade ou não do esporte nas competições estaduais dos colégios, como os Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG).
“O Comitê Olímpico do Brasil reconhece a importância do futsal para o esporte brasileiro. Contudo, os recursos e as estruturas das cidade-sede para a realização dos Jogos da Juventude são limitados. (…) agora, todas as 19 modalidades dos Jogos da Juventude também fazem parte dos Jogos Olímpicos”, afirmou a entidade, em nota. Apesar da justificativa, a decisão rendeu críticas de vários profissionais da modalidade. O argumento preponderante entre eles é que o futsal é o esporte brasileiro mais praticado nas escolas, de acordo com o número de inscrições em competições municipais, estaduais e nacionais. O Brasil é ainda heptacampeão mundial de futsal com as conquistas de 1982 e 1985 – quando a competição ainda era chancelada pela Fifusa – e em 1989, 1992, 1996, 2008 e 2012, com o comando da Fifa.
Em busca de debater e entender as mudanças no cenário da modalidade após a decisão, a Tribuna ouviu o ex-jogador profissional Ramon Pavão, o árbitro Adilson Mattos e o técnico Guilherme Lima, referências no futsal de Juiz de Fora e região, que comentam o assunto.
Prejuízos para além do esporte
O juiz-forano Ramon Pavão é ex-atleta da modalidade e atuou por mais de cinco anos na Tailândia. Para ele, a decisão tomada pelo COB nega a importância da modalidade no Brasil. “Nosso esporte é um dos mais praticados aqui, revela centenas de atletas por ano, mas principalmente forma cidadãos. É importante na preparação de crianças e jovens para a vida em sociedade”, entende.
Por ser uma competição predominante em ambiente escolar, Ramon enxerga que há ainda mais prejuízos para os adolescentes. “Além de afastá-los do mundo do crime e das drogas, o futsal aumenta a capacidade cognitiva e, consequentemente, o desempenho escolar dos estudantes. O esporte educacional pode produzir vários benefícios, como aumentar a cooperação e a socialização e a desenvolver o espírito de liderança e o respeito. Espero que essa decisão seja revista pelas entidades competentes, e que a nossa modalidade seja respeitada da forma que merece.”, declara à Tribuna.
Frustração para adolescentes
O árbitro Adilson Mattos afirma que o futsal mudou sua vida. Ele iniciou na arbitragem aos 15 anos, apitando treinos de futsal nas escolas. Durante sua trajetória, ele pôde apitar diversas competições relevantes. Além de campeonatos municipais e universitários da região e competições da Federação Mineira de Futsal, ele já esteve em torneios promovidos pela Confederação Brasileira de Futsal e na Liga Nacional de Futsal, a principal do país.
No âmbito colegial, Adilson já apitou diversas vezes o Campeonato Brasileiro Escolar, os Jogos Escolares Brasileiros, os Jogos Abertos Brasileiros, e duas vezes o Campeonato Mundial Escolar: o primeiro no Ceará, e o segundo na Itália. “O futsal me proporcionou conhecer o nosso Brasil de ponta a ponta. “Como os jogos escolares de Minas Gerais são realizados em etapas (municipal, microrregional, regional e estadual) e as sedes se modificam ano após ano, já conheci cerca de 550 municípios mineiros”, conta o juiz-forano.
Na sua avaliação, o esporte é um grande motivador para o jovem e traz educação e cultura. “Estando na escola, nós percebemos sentimentos a alegria, a interação e o trabalho que é feito que pelos técnicos de socialização. Temos que ter em mente que o esporte começa no colégio, depois é que surgem as escolinhas específicas. Então os craques nascem ali, são trabalhados na escola. Nessa linha, vários estudantes descobriram ou foram descobertos e chamados pelos clubes para as disputas regulares em seus estados”, argumenta Adilson.
Na visão de Adilson, o fim instantâneo do futsal na competição frustra os adolescentes e inibe investimentos nos jogos estaduais. “O que dizer para os adolescentes que já ganharam a vaga de representar seu estado na competição, ou que ainda iriam disputar a vaga? Os próprios estados ficam sem ter estímulo para fomentar a modalidade, uma vez que não tem segmento a nível nacional. Esperamos que essa medida de retirar o futsal dos Jogos da Juventude seja revista e que a modalidade retorne ainda nesse ano.”
Falta de estímulo para o esporte
O treinador Guilherme Lima participa dos Jogos Escolares de Minas Gerais desde 2010. Ele já foi treinador em Belmiro Braga, Santa Bárbara do Monte Verde, Juiz de Fora e Matias Barbosa, cidade onde se tornou campeão microrregional e regional, além de vice estadual. “Em 2015, chegamos (Matias Barbosa) na final do estadual, perdendo para a equipe de Passos, a qual seguiu para os Jogos da Juventude, que envolve todo o Brasil, e lá também foram campeões. Depois, disputaram o Mundial na Europa e novamente venceram”, relembra o técnico sobre a notoriedade que a competição concedia ao esporte.
Para ele, a importância do futsal nos Jogos Escolares se evidencia em números. “Acredito que seja 1000% a mais em número de atletas em relação aos outros esportes. Quantos estudantes perderão a oportunidade de fazer essa prática, vivenciar o momento de competição? A gente sabe que ajuda muito na questão de disciplina. Eles podem passar uma semana em competição, com um aprendizado muito grande. Voltam diferentes para a sociedade, com mais disciplina, aprendendo a conviver com o outro”, avalia.
No futsal escolar, o professor diz ter conhecido muitos jogadores que seguiram no esporte, se tornando profissionais no futsal ou até no futebol. “Com a a decisão do COB, há a entrega da modalidade somente para as escolas de treinamento. Haverá mais desistência dos alunos, menos apelo ao futsal, porque se tornará uma modalidade com pouca oportunidade de competição entre colégios”, lamenta.