Diante dos microfones desde os 17 anos na então Rádio Sociedade de Juiz de Fora, hoje CBN Juiz de Fora, Paulo Cesar Magella trabalhou em derrotas e vitórias do Brasil em Eliminatórias e Copas do Mundo por décadas, seja em transmissões ou pré-jogos. O editor geral da Tribuna, flamenguista de Santos Dumont, narrou tanto títulos do Rubro-Negro carioca quanto conquistas dos rivais. Poucos sabiam, até agora, que a imparcialidade ficava ali. No trabalho. Funções profissionais cumpridas, o espírito de torcedor aflorava.
Enquanto milhões de brasileiros paravam para assistir a seleção canarinha em ação, o torcedor Paulo Cesar fazia o oposto. Se movimentava para evitar o acompanhamento dos embates pelos campeonatos mundiais. “Copa do Mundo é um negócio muito estranho porque fico muito nervoso. Me lembro que na Copa de 1994 não vi o Baggio bater o pênalti. Em 1998 e 2002 também não vi o Brasil ao vivo. Mesmo a gente fazendo pré hora na rádio. Quando começava o jogo já estava na rede, por conta da Rádio Tupi. Eu pegava o meu carro e ia rodar. Já aconteceu um caso de eu estar saindo de Juiz de Fora, por Matias Barbosa, Ewbank da Câmara. Era muito engraçado. Me lembro que, na final da Copa de 2002, quando o Ronaldo fez o segundo gol, eu estava lá perto do Sesc, próximo ao Alto dos Passos, voltando de carro, e olhei um bar no caminho. Todos estavam comemorando.
Porque eu não arriscava nem ligar o rádio. Acabei ligando no final e ouvi os relatos de gol do Brasil e do pentacampeonato. Aí o ‘bonitão’, o ‘covardão’ já liga o rádio, comemora. Lembro que peguei minha família, eu tinha um Monza, e fomos para a passeata. Mas mal sabem eles que fiquei muito nervoso”, relembra.
As buscas eram por saídas a um mundo paralelo, em que não tivesse conhecimento dos lances dos jogos. E não eram apenas do Brasil. “Eram fugas mesmo. Porque se eu ficasse rodando a cidade no carro, automaticamente estaria ouvindo foguetes, gritos. Mas é bem verdade que eu não fugia apenas nos jogos do Brasil. Nos do Flamengo também. Desde quando parei de narrar futebol não acompanho os jogos. Até hoje faço isso. Virou uma superstição e uma tensão a mais. Porque quando eu narrava não tinha problema. Já fiz jogos do Flamengo ganhar ou perder títulos no Maracanã e segurava numa boa. O grande título do Botafogo de 1989, quando quebrou aquele jejum de 21 anos, narrei aquele jogo. E acho que com tanta imparcialidade que os torcedores do Botafogo pegaram a fita daquele jogo e usaram na passeata na Avenida Rio Branco, quando ocuparam o Centro da cidade com carro de som”, explica.
Na Copa da Rússia, o jornalista, da redação, não assistiu os jogos de Neymar e companhia. “Eu saí de carro. Só que fui até a Universidade só e voltei. Mas pode perceber que não fico na frente da televisão. Assisti todos os jogos do Brasil aqui no jornal, mas eu ia até a redação, voltava para a minha sala, escrevia matéria… não sai nada, porque você está focado na reação das pessoas e no que pode estar acontecendo com o jogo. E aqui aconteceu um dado até interessante, porque a redação gritava uma coisa, alguns segundos depois o pessoal do posto de gasolina que fica embaixo da Tribuna tinha a mesma reação, por conta do delay. Eram vários gritos de gols e com eles eu saía para ver.”
Mas, se as partidas de títulos eram assistidas horas depois do término dos confrontos, outras jamais foram acompanhadas. “Nunca assisti o 7 a 1 da Alemanha. Não sei como foram os gols e faço questão de não assistir. O de 2002 eu vi depois. Deixava gravando e assistia sem compromisso depois. Minha grande dificuldade é como torcedor, ao vivo”, revela Paulo Cesar.
Miscigenação, integração e democracia
Mas como explicar o sentimento de um torcedor como o de Paulo Cesar? Muitos fatores podem ser elencados. Em todos, uma frase da moda, mas que se encaixa no relato do jornalista ao avaliar o que faz do evento tão apaixonante. É muito mais que só futebol.
“O futebol é interessante, até escrevi sobre isso no editorial da Tribuna. O que acontece nos gramados, às vezes tem muito mais significado para fora deles do que para dentro. Estamos vendo, por exemplo, esta Copa mostrando como a imigração influenciou na formatação deste novo futebol. Até as seleções que eram puramente nacionais hoje estão sob influência de imigrantes. Você vê um negro, por exemplo, na Seleção Alemã, o que já vimos há algum tempo. Mas também na Seleção Sueca, na Belga. Só em sociedades muito fechadas, como o Japão, que ainda não tem um negro. Nas demais, há uma miscigenação. Há um brasileiro jogando na Rússia. Acho que sociologicamente dá para fazer essa avaliação”, observa.
Soma-se isto ao poder democrático do esporte ao envolver todos os tipos de torcedores, de opostas ideologias, em um contexto que poderia ser replicado em decisões da sociedade. “Antes da Copa do Mundo havia aquela discussão: vou vestir ou não a camisa amarela? Porque ela foi apropriada por alguns segmentos políticos como se fosse uma marca deles. E muita gente disse que não usaria para não dar Ibope para esse grupo ideológico. Quando o jogo começou, olha a rua. Será que todos eram dessa tendência partidária? Claro que não. É porque na hora que a bola começa a rolar, as diferenças somem. E é exatamente isto que eu gostaria que acontecesse. Essas apropriações devem servir de exemplo para que existam certas demandas que são de um país. No Brasil, por exemplo, seja de esquerda ou direita, no fundo todos estão lutando por um país melhor. Que se faça essa disputa democraticamente e sem raiva. Somos adversários, mas não inimigos. Brasileiros querendo um futuro melhor para o país. E o futebol mostra isso, promove essa integração, e econômica e sociologicamente tem um papel fundamental na história da humanidade”, aponta.