O calendário marcava 13 de julho de 2018 na cidade de Tempere, na Finlândia. O Estádio Ratina vivia uma noite digna de Olimpíada, mas sediava, na verdade, o Mundial Sub-20 de Atletismo. Enquanto os maiores atletas jovens do mundo tentavam um lugar na final do lançamento de dardo, as arquibancadas estavam cheias e os quase 17 mil pares de olhos acompanhavam, vidrados, a estreia de um juiz-forano em competições internacionais. “Eu nunca tive uma experiência como a que eu tive na Finlândia no Mundial; no estádio, (a torcida) era como se fosse de futebol”, relembra o jovem Luiz Maurício da Silva, 19, um ano após o torneio. Agora, o atleta do Cria UFJF está em fase final de preparação às vésperas da sua terceira empreitada fora do território brasileiro.
Na próxima sexta-feira (19), começa o Pan-Americano Sub-20 na cidade de San José, na Costa Rica, e Luiz Maurício é um dos principais candidatos ao pódio na competição que reúne as nações do continente americano. Não é por menos. Há duas semanas, o atleta alcançou o top-10 no ranking mundial sub-20 em sua especialidade com o dardo voando a 74,32 metros, terceira melhor marca entre os atletas pan-americanos da faixa etária e a melhor entre todos os lançadores brasileiros, mesmo os adultos. “Com a marca de 74 (metros), eu estou em terceiro no ranking Pan-Americano, então eu acho que dá para buscar uma medalha”, projeta a promessa juiz-forana durante uma breve pausa em seus treinamentos diários.
Manter a performance e controlar os nervos
De malas prontas e passagem comprada para embarcar rumo a São Paulo na segunda-feira (15) e, de lá, seguir para o país da América Central, o atleta tenta conter a ansiedade praticando dentro das próprias dependências da Faculdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da UFJF, local em que realiza os treinos visando o torneio internacional. “Estamos agora alternando a carga de treino, entrando na fase de potência para melhorar a força explosiva e, com isso, buscar manter a performance que ele está registrando neste momento”, explica o técnico do lançador, Jefferson Verbena. ‘Manter a performance’ é o segredo para trazer a sonhada medalha para o Brasil.
Para isso, vai ser necessário conter o nervosismo, adversário tão grande quanto os atletas estrangeiros naquele Mundial Sub-20 de 2018, os quais, como se impressionou Luiz Maurício, alcançavam os 70 metros nos lançamentos com facilidade. Naquela oportunidade, o juiz-forano alcançou a marca de 60,74 metros, não suficiente para ser a vencedora da competição (74,38 metros, registrada pelo australiano Nash Lowis) e também distante do seu recorde pessoal à época (70,20 metros). “Acho que evoluí bastante com o Mundial. A competição foi boa para servir de exemplo do que pode e do que não pode fazer em um torneio internacional. É levar o que aprendi para o Pan e transformar isso em resultado”, analisa Luiz Maurício.
Em forte ritmo de treinamentos desde janeiro deste ano, foi em 2019 que o atleta disputou a sua segunda competição internacional: o Sul-Americano Sub-20, na cidade colombiana de Cali. Alcançou, então, o posto de melhor lançador de dardo da América do Sul. Além das marcas individuais, os torneios são importantes também para Luiz Maurício adquirir prática no manuseio do equipamento primário dos lançadores. O dardo utilizado nas principais disputas é diferente aos que o atleta tem disponíveis para os treinamentos, fabricados para voar de 55 a 60 metros. Ainda assim, saindo das mãos do juiz-forano, ultrapassa em quase 15 metros a distância prevista. “No Mundial e no Sul-Americano já tinha esse dardo e acho que estou bem adaptado para usá-lo no Pan”, avalia o atleta.
Evolução meteórica
Campeão mineiro, brasileiro, sul-americano. Terceiro melhor no Ranking Pan-Americano Sub-20 e detentor da décima melhor marca do mundo dentro da sua faixa etária. Todo este currículo foi preenchido entre 2018 e 2019, com sequenciais evoluções a cada participação em competições oficiais. Após marcar pouco mais de 60 metros no Mundial Sub-20, em um ano, Luiz adicionou 14 metros na conta, alcançando marca digna de campeão mundial entre os sub-20. A receita para o recente crescimento é complexa, como explica o treinador Jefferson Verbena. “Desde o processo da genética dele, que favorece muito, até o treinamento, a gente tende a buscar as melhores organizações dos exercícios para essa evolução. Além, é claro, do comportamento dele, a disciplina, o comprometimento. A gente fala que ele é um atleta de verdade, porque ele sabe do que precisa para crescer cada vez mais. Sabe que tem que renunciar a diversas coisas”, diz Verbena.
O comprometimento se personifica na resistência a um rival conhecido por todo atleta: o refrigerante. Com alimentação regrada pelo nutricionista Dhiego Torga, a bebida é estritamente proibida em seu cardápio, mas sua mãe, Claudia Cristina Dias, insiste em tentar convencer o filho-atleta a tomá-la. Todas as tentativas, no entanto, são frustradas pelo recordista mineiro. “O atletismo cobra muito disso também, se você tomar o refrigerante, já vai estar um pouco atrás do seu adversário. Se você fizer uma coisa errada, o seu rival não vai fazer errado e vai ganhar de você”, diz o atleta, que sintetiza a necessidade da resistência às populares “junk foods”, os alimentos pouco nutritivos: “Se você quer ser um campeão, tem que viver como um campeão”.
Sem grandes referências dentro do circuito brasileiro de lançamento de dardo, outra solução encontrada pelo próprio atleta para seguir evoluindo foi a internet. Diariamente o juiz-forano procura vídeos em plataformas digitais, observando outros lançadores para aperfeiçoar os movimentos. “Eu fazia 70 metros praticamente não sabendo nada sobre o lançamento. Era correr e sentar o braço. Com vídeos educativos, vendo outros treinadores e com atletas no Mundial também aprendi muito”.
Passo importante na trajetória
No dia a dia, o pensamento que fica para a equipe que acompanha seus treinamentos é o potencial para alcançar voos ainda maiores na carreira. Para quem trabalha com o atleta há anos, fica a certeza de que a trajetória de Luiz Maurício pode ser ainda mais rica. “A gente percebe que ainda tem uma lacuna grande de evolução, tanto de parte física, quanto técnica. Sempre a gente ouve: ‘Será que vai ter uma Olimpíada algum dia?’ Talvez, quem sabe, 2025 em Paris”, projeta o treinador Jefferson, que ainda analisa. “A gente sabe que chegar a uma Olimpíada requer diversos fatores no entorno, não só simplesmente o físico e o treinamento. Ele tem que ter todo um suporte que ainda buscamos. Um apoio financeiro para que ele se sustente e viva da modalidade, porque ele é um adulto e já tem suas preocupações financeiras”.
Mais maduro após duas aventuras longes do Brasil, Luiz Maurício se sente mais preparado para entrar no Pan-Americano em um momento crucial da sua carreira. Com 19 anos, vai ser a última competição na categoria sub-20 e o profissionalismo bate à porta na medida em que o tempo passa. “Esse campeonato é o meu último sub-20, então as próximas serão só no nível adulto. É aprender, se divertir, e ver se é isso mesmo que vou fazer daqui para frente. Eu tenho que fazer tudo certo para seguir carreira no atletismo”, finaliza o recordista mineiro, convicto como um campeão.