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Promessas de profissionalização e até R$ 4.500 cobrados: atletas denunciam gestão da base do Tupi

tupi fachada
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Nesta quinta-feira (10), o Tupi, por meio de um vídeo divulgado do presidente José Luiz Mauller Júnior publicado nas redes sociais do Alvinegro, oficializou a suspensão de clínicas de futebol até setembro para as categorias de base até o sub-23. O mandatário carijó emendou, ainda, negando quaisquer promessas de profissionalização de jogadores no processo de avaliações. “Se alguém oferecer isso para vocês, não atendam, não aceitem esse tipo de proposta. Só a diretoria do Tupi está autorizada a realizar qualquer tipo de clínica, a colocar qualquer equipe para jogar campeonato ou para serem profissionalizados”, enfatizou Juninho.

No entanto, a Tribuna recebeu e coletou denúncias ao longo das últimas semanas de atletas que passaram pelas avaliações, um pai e até mesmo ex-funcionários do projeto de base da agremiação juiz-forana, de gestão realizada pelo Grupo MultSport, sob a responsabilidade do também vice-presidente financeiro do Tupi, Tiago Ferreira Conte.

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Nos depoimentos, mantidos em sua maioria em anonimato, por pedido das próprias fontes, há pagamentos ao clube de R$ 300 a R$ 4.500 que envolveram avaliações nas clínicas e até mesmo promessas, conforme os relatos, de profissionalização para integrar o elenco alvinegro no Módulo II do Campeonato Mineiro desta temporada. A reportagem também teve acesso a um áudio de um ex-funcionário que confirma, inclusive, o uso de parte do montante adquirido pelas avaliações para a redução de dívidas do clube – o que foi negado pelo Tupi. Houve, ainda, o pedido de reembolso não atendido mesmo após o cancelamento de clínicas e até a denúncia de falta de alimentação adequada aos atletas durante um período de 2021. O posicionamento completo do gestor Tiago Conte e do presidente Juninho pode ser acompanhado ao final da matéria.

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O processo

Desde o ano passado, sob o comando do Grupo MultSport (GM), o Tupi iniciou clínicas em São Lourenço (MG) nas categorias de base. Cada interessado em passar um período de avaliação, que durava entre quatro e cinco dias, deveria fazer um depósito de R$ 300 ou R$ 350 reais. Desta forma, os jovens se hospedavam no Chateau Palace Hotel, com quem os responsáveis pelas análises dos jovens possuem vínculo. Outros atletas foram direto para Juiz de Fora, permanecendo no alojamento do clube, na sede, no Centro da cidade, e treinando no Salles Oliveira, em Santa Terezinha, quase todos os dias.

No andamento dos processos de avaliações, os jovens considerados aprovados permaneciam. Alguns reprovados, no entanto, teriam recebido propostas para retornar mediante o pagamento de novas quantias financeiras. A Tribuna conversou com três deles e todos disseram que precisaram transferir quantias altas pela permanência em Juiz de Fora, sob a justificativa dos custos com alimentação, hospedagem e transporte, entre os gastos. A reportagem obteve, inclusive, um comprovante de transferência destinado ao clube no valor de pouco mais de R$ 1.500.

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O goleiro Vítor Pereira Magalhães, por exemplo, foi cobrado nas duas etapas das avaliações e relatou que o clube recebeu, durante as clínicas, centenas de jovens. “Ficamos fazendo avaliação de uma semana em São Lourenço, no Chateau Palace. Cada atleta pagou R$ 350. Na primeira clínica teve mais de cem pessoas. Na segunda, o mesmo número. Já na terceira, que eu estava, tinha mais de 200 meninos. Nela, passaram para o sub-23 70 jogadores. Cada um que passou teve que pagar R$ 1.500 para poder ficar em Juiz de Fora, no alojamento do Tupi, no Centro. Esse valor era para 45 dias, mas não ficamos todo esse tempo por conta da Covid. Com essa dificuldade da pandemia, eles resolveram colocar avaliações pra concluir depois”, destaca.

Outro atleta entrevistado confirmou ter recebido tratamento similar. Ele fez uma semana de avaliação em São Lourenço, em dezembro de 2020, e foi selecionado para o sub-23. “Vim para Juiz de Fora, onde fiquei de fevereiro até dois meses atrás aproximadamente. Disseram que iam pegar 30 atletas (da primeira clínica, em São Lourenço) para o profissional e outros 30 para a base, porque na época o clube ainda não tinha começado com o profissional. Passei, retornei e paguei R$ 1.500 para ficar 45 dias no clube, no Centro de Juiz de Fora. Treinávamos todos os dias e tinha muitos meninos, ao todo 60 pessoas. Falaram que, daqueles selecionados, alguns iam profissionalizar.”

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O terceiro jovem relatou ter somado um prejuízo financeiro ainda maior pela promessa de profissionalização, sem ter ido para São Lourenço, antes de passar semanas na sede alvinegra. “Fiquei lá dois meses e gastei R$ 4.500. Falaram que eu seria profissionalizado e ficaria no clube. Fui direto para Juiz de Fora. Eles não me prometeram quanto tempo eu seria avaliado, só que estaria junto com o elenco. Mas não cheguei a treinar, só com as turmas de clínicas”, explica. O jovem voltou para sua cidade natal, para trabalhar, mas com uma nova esperança. “Saí em dezembro, dispensado pela pandemia. Liberaram todos para voltar para casa, e o retorno seria em janeiro, mas não entraram em contato comigo novamente. Só queria uma parte do reembolso pelo menos.”

Imagem do princípio do projeto do Tupi sub-20 em estadia em São Lourenço (Foto: Divulgação/Tupi FC)

Pagamento de contas do Tupi e ironias aos atletas

A Tribuna também obteve acesso a áudios vazados de um ex-funcionário do clube que garante que a agremiação e o Grupo MultSport estariam utilizando parte do montante recebido das clínicas para reduzir dívidas. “Isso é verdade, eles queriam diminuir a conta do Tupi com o dinheiro de vocês. Estão pedindo esse dinheiro para diminuir a dívida”, confirma o áudio. “Estão devendo os caras ainda (do hotel em São Lourenço). Eu saí, tá saindo mais gente da comissão. A camisa é grande pra caramba, mas estão metendo os pés pelas mãos, fazendo muitas coisas erradas que não dá”, reforça o profissional.

O ex-membro de comissão técnica do Galo ainda lamentou o pagamento dos R$ 1.500 do atleta com quem conversou. “Se você me fala, daquela vez, que pagou os R$ 1.500 para ir, eu diria pra não pagar. Muita gente que pagou esses R$ 1.500 não está na lista pra ficar. Só vai terminar e dane-se. Mas vocês metem os pés pelas mãos. Tudo bem, a gente acha que vai dar certo, mas da primeira vez já dá pra sentir a situação, se vai dar certo ou não.”

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A reportagem também confirmou que o clube mantém débitos com integrantes de antigas comissões técnicas do projeto com o GM. “Não fiquei lá por pilantragem do Tiago, que não paga ninguém. Armou contra mim, me tirou da equipe e me chateou muito. São R$ 5 mil, cinco meses sem receber. É complicado. Tá saindo todo mundo”, afirma um dos profissionais, em outro áudio vazado.

Carta-convite aos atletas sub-23 afirma que equipe seria “responsável pela montagem do elenco
profissional do clube”

Pai busca reembolso

Outra insatisfação recorrente é a do pedido de reembolso feito por atletas e responsáveis. O pai de um dos jovens inscritos para uma das próximas clínicas do Tupi, que também preferiu não se identificar, explicou que busca o ressarcimento há semanas, após ter realizado o pagamento de R$ 350 há cerca de cinco meses.

“Demoraram para entrar em contato, apesar de que tivemos boas recomendações do clube. E começamos a ter dor de cabeça. O cara enrola, não dá resposta, eu falo com o Tiago, que fica na enrolação, diz que vai pagar o dinheiro de volta, mas nada ainda”, conta.

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À Tribuna, Tiago Conte, do GM, afirmou que nenhuma clínica nova será agendada até que sejam resolvidas pendências como a citada acima. “Daremos duas opções: ou a pessoa quer o dinheiro de volta ou vamos remarcar as clínicas para zerar o processo e, depois, reiniciar as avaliações.”

Corte de van e alimentação insuficiente

Um dos atletas avaliados pelo clube apontou outra denúncia à Tribuna em relação à alimentação do grupo. Rotineiramente, a princípio, os atletas selecionados nas clínicas que estavam no alojamento carijó, no Centro, possuíam o suporte de uma van disponibilizada pelo Grupo Multsport para levar os jogadores até o Salles Oliveira, em Santa Terezinha. No entanto, uma mudança repentina teria elevado as dificuldades dos meninos. Um deles disse ter passado fome no clube.

“A gente passava até fome lá. Tiraram até nossa van que nos levava pra treinar. Tínhamos que acordar 6h, 7h pra estar no estádio às 8h e parar o treino ao meio-dia. Almoçávamos, ficávamos na arquibancada deitados ou sentados até 19h esperando a janta. Se não fizéssemos isso, passávamos fome. E às vezes não tinha nem carne, só arroz, feijão e repolho. Diziam que não era obrigação dar carne.”

‘Brincaram com nossos sonhos’

Para Vitor, a experiência se tornou decisiva em seu futuro. “Me desanimou mais porque faço 23 anos agora e estava com a esperança de disputar o Brasileirão de Aspirantes, já que eles falaram que iríamos, e de poder estar no profissional. Eu tinha essa esperança. Mas vieram esses problemas e, por já ter família, isso pesou muito. Só nessas idas e voltas gastei mais ou menos R$ 5 mil. Acaba com a gente. Parei com o futebol e vou trabalhar, como estou fazendo agora. Quantos moleques não sonham em ser jogador? E isso acontece e acabam entrando no mundo errado depois. É complicado”, desabafa.

O goleiro conta que teve que se virar para conseguir o valor pedido para a avaliação em Juiz de Fora. “Comecei a suspeitar desde o início, mas como é o sonho da gente, você acaba correndo atrás. Eu mesmo não tinha dinheiro e tive que pedir emprestado. E lá, eles diziam que os aprovados iam pro sub-23 e, com destaque, poderiam ir para o profissional. Mas muitos treinadores começaram a sair do clube. Quando comecei a conversar com eles pessoalmente, me diziam que um estava há um ano sem receber, outro tinha dois. Teve um tempo que até a cozinheira parou de ir. A comida que eles postavam no status do Tupi era, na verdade, com o dinheiro dos atletas. Quem bancava era a gente.”

Já o outro atleta também motivou sua desistência às percepções na vivência em JF. “Tava acontecendo muita coisa errada. Eu tinha capacidade de estar lá no profissional, sei que eu tinha, até a época do Wandercley (ex-treinador do clube), eu estava entre os selecionados. Mas com a queda dele, só selecionaram alguns e jogadores que nem eram da posição original. Dispensavam os laterais e usavam volantes na função”, relata. “Eu até queria o dinheiro de volta, mas disseram que não iam devolver e que se entrássemos na justiça nós não ganharíamos.”

 

Tupi e grupo gestor da base se posicionam

A Tribuna conversou tanto com o presidente do Tupi, Juninho, quanto com o VP financeiro e gestor do GM, Tiago Conte. Sobre os valores cobrados, entre R$ 300 e R$ 4 mil relatados pelos atletas, o mandatário carijó afirmou desconhecer as quantias mais altas. “O que eu sei é que a clínica cobrava de R$ 350 a R$ 500. Vinham para Juiz de Fora, ficavam hospedados e tinham quatro alimentações diárias. O valor era para isso e cobrado pelo pessoal da base. O Tupi nunca recebeu esse dinheiro, que ficava com o MultSport.

Já Tiago confirmou apenas os valores de R$ 300 para quatro dias de avaliações no sub-20 e de R$ 350 para cinco dias no sub-23. “De avaliação não chegou ao valor de R$ 4 mil. O que eles estão confundindo, e está claro que é uma maneira de enfraquecer o nosso trabalho, é que quando o sub-23 realizou a primeira etapa e não tínhamos número nenhum de atletas aprovados, fizemos um pacote de 40 dias a R$ 1.500 de avaliações com o custeio de alimentação e hospedagem”, explica.

O Grupo MultSport não utilizou, conforme Tiago, nenhuma parte do valor das inscrições para abater dívidas do Tupi. “Analisa bem. As clínicas começaram em setembro de 2020. Já havíamos feito todo o investimento de infraestrutura. Como é que as clínicas vão pagar dívidas do hotel, uma vez que o hotel que é mantenedor da GM? Tem que ter lógica. Quando o grupo MultSport fechou parceria com o Tupi, já tínhamos o hotel há três anos. Os valores de R$ 300 e R$ 350 para quatro refeições ao dia mais acomodações, acho que estamos é fora do mercado pela inflação que está hoje.”

Promessas, transporte e alimentação

Questionado se houve promessa de profissionalização, Juninho negou. “Quem assina contrato de jogador no Tupi sou só eu. Ninguém mais. Nenhum atleta foi profissionalizado por mim que não estivesse sendo avaliado pelo time de profissionais. Se ele (Tiago) fez a promessa, não sei, mas é indevida porque o Tupi profissionaliza jogadores aptos a isso e que vão integrar a equipe profissional, como está acontecendo agora. Tem vários jogadores do sub-23 que fizeram um jogo-treino contra o profissional, o treinador achou quatro atletas interessantes que estão sendo avaliados. Se o treinador entender que servem para o Módulo II, porque têm uma idade boa, aí serão profissionalizados.”

Já Tiago afirmou que “a profissionalização, que inclusive está na carta-convite da primeira chamada do sub-23, é que o atleta aprovado automaticamente seria registrado junto ao clube para as competições desta faixa. Os aprovados iriam para a equipe desta categoria.”

A van para transporte dos atletas, segundo o gestor da base carijó, era apenas uma cortesia, mas os atletas não teriam ficado, em momento algum, sem esta ajuda. “Na carta-convite não conta que eu era obrigado a fazer o transporte deles da sede para Santa Terezinha. Por isso que vejo que tem muita maldade nessas informações que chegam. O Tupi não tem van, não tem transporte próprio. Mas o ônibus que é da nossa empresa sempre esteve disponível aos atletas. Modéstia à parte, estou na bola há 19 anos e há mais maldades do que denúncias.”

Também houve negativa quanto à denúncia da alimentação inadequada para os atletas. “O cardápio sempre teve (carne) e tenho imagens para provar. É mais uma denúncia safada e mentirosa. Oferecíamos carboidrato de dia e à noite um complemento, mas de excelência.”

Por fim, Tiago destacou: “Nenhum atleta passou para vocês (imprensa) como era o nível, a parte técnica deles. As pessoas têm que aceitar perder, não podem só ganhar.”

Vínculo ameaçado?

A reportagem ainda interrogou o presidente do Tupi, Juninho, sobre a possibilidade de rompimento de vínculo com o GM em função das denúncias. “Se for apurada alguma irregularidade, não tenho a menor dúvida disso. Como alguém pode prometer profissionalizar um jogador se só eu posso assinar contrato pelo clube? Vou profissionalizar no Tupi quem for de interesse do time principal do Tupi, que é avaliado pelo treinador.”

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