Quando o assunto é ciclismo de estrada, mountain bike, corrida ou caminhada, a BR-440, a Via São Pedro, é uma das principais referências na cidade para atletas amadores e profissionais. Centenas pessoas usam a via diariamente para seus treinamentos. A divisão de espaço com veículos e a falta de sinalização adequada, contudo, ainda é a principal preocupação dos frequentadores da via. Mas um projeto de lei atualmente em tramitação na Câmara pode mudar um pouco esta situação.
Em setembro, o vereador Marlon Siqueira (PMDB) deu entrada ao projeto 232/2017 que prevê a implementação de Área de Proteção ao Ciclista de Competição (APCC), inicialmente para beneficiar a BR-440. A proposta parte de modelo já existente em cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro (RJ), através de legislação municipal, e foi apresentada pela Associação Juiz-forana de Ciclismo, como explica o diretor jurídico Pablo Gomes. “Na capital fluminense existem hoje três APCCs – no Aterro do Flamengo (Circuito Pedro Nikolay), na Barra da Tijuca (Circuito Cidade das Artes) e no Recreio (Circuito Guilherme de Paiva). A APCC do Aterro do Flamengo, por exemplo, funciona de terça à quinta, e um trecho de 4km é fechado entre 4h e 5h30 da manhã, horário de interdição das vias. O trabalho de fechar as pistas é feito pela Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio (CET-Rio), com o apoio da Guarda Municipal”, diz.
Para Marlon, a via tem uma vocação para o esporte e é uma área que necessita de proteção. “Inclusive tem uma ghost bike onde um ciclista foi atropelado e morto. A intenção é provocar o Executivo para que ele autorize que essas áreas sejam delineadas para que se tornem seguras, e os atletas não precisem competir com os veículos”, considera. Em Juiz de Fora, a Associação Juiz-Forana de Ciclismo pleiteia que trecho de cerca de 3km da Via São Pedro seja fechado ao tráfego de veículos entre 4h e 6h da manhã.
A cidade não tem áreas para ciclistas. Não há regiões arborizadas, com sombra para a prática. E a única ciclovia da cidade, a da UFJF, a meu ver, já está esgotada, com a demanda muito maior do que sua capacidade
Pablo Gomes, diretor da Associação Juiz-Forana de Ciclismo
Parecer
O projeto foi considerado ilegal e inconstitucional pela Procuradoria da Câmara, com pareceres dos vereadores Luiz Otávio Coelho (Pardal, PTC, presidente da Comissão de Legislação), José Márcio (Garotinho, PV) e Adriano Miranda (PHS). A decisão foi embasada nas constituições Federal e Estadual, em que “não existe óbice quanto à competência legislativa do Município sobre a matéria em tela, visto tratar-se de assunto de interesse local”. Logo, o projeto seria de competência do Poder Executivo. No entanto, ele está liberado para ser incluído na pauta de votação na forma de apreciação preliminar, sem prazo para ser acatado.
“Vamos analisar junto à nossa assessoria a possibilidade de defender a matéria em discussão preliminar. Entretanto, também estamos avaliando consultar o Executivo, via requerimento a ser aprovado em Plenário, a viabilidade desta proposição ser apresentada por mensagem ou por simples ato administrativo a ser submetido à pasta competente”, avalia o Marlon Siqueira.
Via cai no gosto de atletas e é palco de eventos
O local recebe, ainda, eventos esportivos como o Duathlon Thiago Machado, marcado para este domingo (10), com organização da Vidativa Consultoria Esportiva. Sócio da empresa, Lucas Leite destaca que “como circuito fechado e plano, a via é o melhor percurso”. “Na Avenida Brasil é impossível pelo alto fluxo de carros e a péssima qualidade do asfalto. Frequentamos a Via no mínimo duas vezes por semana para treinos de ciclismo, da equipe de triathlon, e outras duas vezes com a equipe de corrida”. O empresário e atleta, que também treina na BR-040, vê no projeto uma possibilidade também de lazer.
“Sou a favor da iniciativa. Não sei se ajuda tanto nos treinos, pela distância, mas para lazer e para os iniciantes será uma opção muito boa. Para treinamento precisamos de um percurso bem mais longo. Mas o que temos na Rio Branco já satisfaz essa ideia. Fecham aos domingos um percurso curto, mais para crianças e iniciantes. E vejo isso acontecendo no Rio de Janeiro (RJ) também”, avalia.
Em relação à possível inserção da APCC, a Secretaria de Esporte e Lazer da Prefeitura de Juiz de Fora afirmou à Tribuna “estar sempre disposta a dialogar com a sociedade em prol de melhorias na prática esportiva do município. Prova disso, segundo a Pasta, foi o apoio dado no último dia 10 de setembro ao Desafio do Ciclismo, que contou com cerca de cem competidores de vários lugares do Brasil. Além disso, a Pasta trabalha junto à Settra em várias situações para melhor avaliar questões ligadas às duas secretarias que beneficiem os atletas de Juiz de Fora. Em relação ao projeto de lei citado, a SEL ainda não foi notificada sobre o mesmo e aguardará a tramitação para que possa de fato avaliar o que for aprovado pela Câmara e, então, se posicionar de forma mais concreta em relação ao projeto.
Rodovia é obra inacabada e paralisada desde 2012
A rodovia BR-440 é uma obra inacabada do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), planejada ainda na década de 1990 como um acesso entre a rodovia BR-040, paralela à Cidade Alta, e a BR-267, na Avenida Brasil, no Bairro Mariano Procópio. No entanto, a construção está paralisada desde 2012, depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) viu graves indícios de irregularidades no contrato assinado entre o Governo federal e a empreiteira responsável. Embora um novo processo licitatórios tenha sido feito em 2013, até o momento a Justiça não autorizou a retomada dos trabalhos. Hoje, a via, que literalmente liga o nada a lugar algum, desperta o interesse da população para municipalizar e finalizar o traçado, com todos os procedimentos possíveis de segurança. A polêmica foi discutida na Câmara Municipal, pela última vez, no mês de setembro, mas desde então não houve avanços no pleito da comunidade.
Usuários relatam insegurança e alta velocidade dos carros
Atualmente, mesmo com menor fluxo de veículos em relação a avenidas como a Brasil, a insegurança é apontada como a maior preocupação dos esportistas. Um dos episódios recentes mais graves foi o motivou a instalação de uma bicicleta branca, a “ghost bike”, como homenagem e protesto (foto acima). Em maio de 2016, o ciclista Carlos Alberto de Andrade, 63 anos, foi atropelado na Via São Pedro por um veículo e morto.
A enfermeira Adelaide Oliveira, 46 anos, corre e pedala na BR-440 desde 2012 pelo menos quatro vezes por semana. Ela parte da via para seus treinamentos na BR-040 ou UFJF.
Em julho eu estava correndo na contramão, o que costumo fazer justamente na esperança de aumentar a segurança por ver os veículos que se aproximam. E essa foi a minha sorte. Embora estivesse na beira da calçada, uma mulher veio dirigindo em alta velocidade, mas encostou como se fosse estacionar, sem parar. Se houvesse uma demarcação de acostamento, ela estaria dirigindo nele. Veio na minha direção como se não tivesse me visto. Instintivamente, pulei na calçada, e o retrovisor do carro bateu no meu braço. Ela chegou a parar, mas sequer olhou para trás e seguiu dirigindo. Corredor e ciclista não têm lugar. Todos os dias corremos esse risco lá
Adelaide Oliveira, enfermeira
Acompanhante de atletas da equipe de mountain bike Raas, Roberta Boechat critica que a via “não oferece segurança nenhuma”. “Não tem posto policial, sinalização, poucos quebra-molas. As pessoas não respeitam. Passa gente a 80 km/h do nosso lado, acelerando. Há muita irresponsabilidade dos motoristas”, reclama.
A imprudência dos motoristas faz com que Roberta agende treino com os alunos em outros locais. “Para o uso da Raas não temos problemas em relação às trilhas. Privilegiamos o uso das vias paralelas e adjacentes à Via São Pedro porque ela não é segura. Particularmente marco com nossos alunos mais para a frente, porque a via é canal de passagem e não para as pessoas ficarem de vai e vem.”
Para o vendedor e ciclista Renato Campos, 33 anos, os quebra-molas são um obstáculo da prática do ciclismo, principalmente para quem tem uma speed. “Toda quarta à noite há treinamento na Via São Pedro, por ser plana. Muitos novatos pegam dicas e as manhas com a gente. Mas os quebra-molas atrapalham. Na época em que Juiz de Fora recebeu delegações olímpicas, os obstáculos foram retirados. No período, chegamos a ter umas cem pessoas treinando na via. Depois disso recolocaram os obstáculos, mas com o dobro da altura, aí ficou perigoso.” Para ele, uma alternativa seria a inserção de radares para controlar a velocidade dos veículos.