Após Pelé, o futebol mundial perdeu, no último domingo (8), o maior ídolo do Vasco da Gama, Roberto Dinamite. Aos 68 anos, o ex-atacante foi vítima de câncer no intestino e teve o corpo velado nesta segunda-feira (9), no estádio de São Januário, casa cruz-maltina e de Bob, como era chamado pelos mais próximos. E assim como o Rei, que chegou a se declarar vascaíno de coração, Dinamite também chegou a marcar gol em Juiz de Fora. Mais que isso, o artilheiro histórico de Campeonatos Brasileiros e Cariocas, e de clássicos do estado fluminense, foi bicampeão da Taça da Cidade de Juiz de Fora, nas edições de 1986 e 1987, ambas realizadas no campo do Sport Club, o Estádio Doutor José Procópio Teixeira.
O primeiro troféu erguido por Dinamite em JF ocorreu após goleada de 4 a 1 sobre o Tupi, na noite de 30 de maio de 1986. O campo do Sport recebeu o embate do Tupi, escalado por Moacir Toledo com Ica (Adílson); Silvano, Elvio, Édson e Sinval; Índio, Gérson e Teófilo; Nequinha, Arildo e Geraldinho, e o Vasco, do delegado Antônio Lopes, com time estrelado composto por Paulo Sérgio; Paulo Roberto, Donato (Morôni), Fernando e Paulo César; Vítor, Geovani, e Mazinho (Santos); Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário.
Como a Tribuna publicou à época, Roberto tentou três cobranças de falta na primeira etapa. O goleiro Ica, na segunda, fez grande defesa e se contundiu, aos 27. “Roberto insistiu até que abriu o placar: outra boa cobrança, aos 43.” Mas o duelo seria equilibrado, apesar do placar. Como relatado na matéria daquele ano, “aos 24 minutos, aproveitando de primeira um rebote, Sinval empatou. O time juizforano não se contentou com o um a um e foi mais à frente, empurrado pela torcida. Aos 28, Teófilo teve uma chance, defendida por Paulo Sérgio. Contudo, foi quando passou a prevalecer a grande categoria de Roberto, Romário, Mauricinho e Vítor. Aproveitando sua rapidez e a má colocação da defesa do Tupi, Romário foi lançado aos 34 e aos 36 minutos e marcou nas duas, uma pela direita; outra pela esquerda. Aos 43, Teófilo mandou uma ‘pedrada’ no travessão; mas no último minuto, em posição duvidosa, Santos fez o quarto e último gol do Vasco.”
Gerson, atleta do Tupi naquela partida, relembrou o duelo à Tribuna e exaltou a capacidade de Dinamite. “O time dos caras era fera, uma seleção, mas o nosso também era um timaço. O jogo começou com o Ica, goleiro, mas teve uma falta da entrada da área, o Roberto Dinamite meteu a bola na gaveta, o Ica foi e pegou, caiu, machucou e teve que sair do jogo. Entrou o Adilson, goleiro reserva. Passou um pouquinho, e outra falta: o Roberto meteu na gaveta, gol. Empatamos no segundo tempo com o Sinval, lembro que na época iríamos ganhar um bicho arrumado se a gente conseguisse vencer. Foi 1 a 1 até o final do segundo tempo, e quando sentimos que dava pra ganhar, fomos com tudo e eles meteram três contra-ataques. O Roberto pegou uma bola no meio, meteu pro Baixinho (Romário), no mano a mano, que foi dentro do gol. E fez outro em seguida. Mas o Roberto era fantástico. Um dos melhores jogadores que vi bater falta, depois do Zico”, elogia o hoje treinador de futsal.
Aquela partida seria comandada, na arbitragem, por Adilson Mattos, em início de carreira, aos 23 anos. “O Roberto era sempre muito cortês com a arbitragem, aconteciam discussões normais, mas sempre educado. Naquele jogo, ele tomou amarelo porque não ficou na distância regulamentar exigida. Solicitei verbalmente, ele não cumpriu o pedido e tive que assinalar com um cartão amarelo. Mas tirando isso, foi sempre um gentleman. E seria mesquinho da nossa parte dizer que o Roberto pertenceu apenas ao Vasco. Na verdade, ele pertenceu ao futebol brasileiro e mundial”, destaca Adilson à reportagem.
“Eu estava começando a sedimentar minha carreira no apito e, de início, foi um impacto ser escolhido pra apitar aquela final. O Roberto marcou um golaço de falta em um estádio lotado, porque o Vasco, assim como os outros times do Rio, sempre teve apoio da torcida juiz-forana. Foi um jogo muito legal. Ficamos tristes porque ele partiu, mas permanecem as recordações. Nunca vi o Roberto envolvido com coisas alheias ao futebol quando jogador, polêmicas ou provocações”, reitera Adilson.
Bicampeonato em 1987
Um ano depois, também no aniversário de Juiz de Fora, o Vasco, de Dinamite, retornaria ao campo do Sport, desta vez diante dos donos da casa. O Verdão da Avenida, treinado por Geraldo Magela, atuou com Osmany; Manoel, Barra, Pereira e Zé Maria; Jorge Lima (Wilson), Guto e Deca; Ailton, Zebu e Ronaldo. Já o Cruz-Maltino, de Joel Santana no comando, teve Acácio; Milton Mendes, Donato, Moroni e Pedrinho; Henrique, Geovani e Tita; Mauricinho, Roberto Dinamite e Luis Carlos (Vivinho). Tita, aos 15 minutos do segundo tempo, marcaria o único tento do duelo equilibrado. Conforme o noticiário da época, a atuação do Periquito foi destacada por jornalistas locais e do Rio de Janeiro.
Da idolatria aos cruzamentos e às folhas de eucalipto
O são-joanense Marco Aurélio Ayupe, ex-jogador do Vasco, também relembrou à Tribuna momentos ao lado de Roberto Dinamite, com quem teve a oportunidade de treinar, atuar do mesmo lado e em times opostos na carreira. “Desde quando eu subi para o profissional, minha estreia no Brasileiro, em 1989, foi contra o Roberto já na Portuguesa. Sempre tivemos ele como uma referência, desde a base. Ficávamos após o treino assistindo ele bater falta e a admiração foi só crescendo. Depois tive a oportunidade de jogar com ele. Lembro que, após alguns treinamentos, ele pegava eu e o Cássio e pedia que eu cruzasse bolas pra ele. Ficava uma ou duas horas treinando as finalizações”, conta Ayupe, que viu o ex-colega de time pela última vez ainda em 2022.
“Encontrei o Roberto pela última vez no ano passado, em um jogo do master do Vasco. Ele viajou com o time, sempre nos tratando bem. Estava até marcado, antes de ele adoecer, que viesse em São João Nepomuceno com o time master do Vasco para estar com a gente em um jogo em que iríamos inaugurar um vestiário. É um exemplo de ídolo e sempre passou isso pra gente”, reforça. “Senti muito a perda dele e não pude ir no velório por conta das chuvas, fica muito difícil de viajar nesse período. Mas eu queria ter ido me despedir dele, vai fazer muita falta. Sempre nos tratou com simplicidade e muito respeito”, complementa.
Na época em que atuava no Vasco, Ayupe relembra uma história curiosa de tentativa do pai ajudar Dinamite. “Lembro de uma passagem dele que vivia um tempo em que machucava muito a panturrilha. Meu pai, que ia muito em São Januário, uma vez chegou com um saco que parecia cheio de arroz nas costas. O segurança foi no campo e me gritou: ‘ô mineiro, seu pai tá lá fora com um saco nas costas querendo entrar!’ e acabou que ele estava cheio de folhas de eucalipto para que o Dinamite pudesse usar pra um tratamento na batata da perna. Aquilo fervia no caldeirão pra fazer o tratamento, na época, e o Roberto levou o eucalipto para casa. Só não sei se usou!”, brinca Ayupe.
Ayupe conta, ainda, com o prazer de ter guardado duas camisas do maior ídolo vascaíno. “São de número 10 dele, oficiais de jogo. Pedi e me deu as duas. Estão com minha tia, que guarda essas relíquias pra mim até hoje.”