Imagine o seguinte cenário: manhã de domingo, e as avenidas Itamar Franco (antiga Independência) e Barão do Rio Branco estão tomadas por milhares de pessoas que assistem a uma prova de ciclismo. Dezenas de crianças acompanhadas dos pais – e das primeiras bicicletas – admiradas com a velocidade de alguns dos maiores atletas do país sobre duas rodas. O cenário é real e ocorreu no final da década de 1980 e início dos anos 1990, período que marcou época no ciclismo juiz-forano. O que para muitos foi o auge da modalidade no município, pode ter início de retomada neste domingo (10), quando a Avenida Brasil recebe o Desafio Juiz de Fora de Ciclismo, prova de speed que vale pontos nos rankings da Federação Mineira de Ciclismo (FMC) e Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC) e conta com apoio da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). O evento tem início às 7h, com primeira largada de bateria às 7h45, em frente ao Clube Dom Pedro, no Bairro Mariano Procópio.
São esperados mais de cem ciclistas para as provas que terão como circuito aproximadamente 2 km de distância entre as pontes do Manoel Honório e de Santa Terezinha, ambas na Avenida Brasil, com largadas e chegadas ao lado do Clube Dom Pedro. As inscrições vão até este sábado (9) e podem ser feitas ao custo de R$ 90, pelos sites fmc.org.br e bikelight.com.br. As participações na categoria feminina, segundo regulamento, são gratuitas. No dia do evento, o lote passa para R$ 110, com inscrição realizada apenas presencialmente no local das provas. Ao todo, R$ 6 mil serão divididos nas premiações.
Segundo o organizador do evento, Felipe Gomes, o “Mamão”, da Bike Light, diz que tudo começou através do Secretário de Esportes, Júlio Gasparette, que o chamou e disse que, quando era pequeno, via muito essas corridas e queria realizá-las como antigamente.
“A iniciativa de retomar o evento é justamente para relembrar os velhos tempos, como ocorria nos bairros, na Av. Rio Branco. Isso na Europa é muito tradicional e queríamos reatar essa ligação. Trazer público, patrocinadores para conhecerem a modalidade do ciclismo, indoor, um circuito, tipo Fórmula 1, onde quem chegar primeiro ganha. E vale lembrar que é esporte olímpico”, ressalta.
Gasparette reforçou a intenção de reviver aquela época. “Hoje, à frente da SEL, fico muito feliz porque a cada dia que passa a Secretaria tem procurado participar de todos os esportes especializados da cidade. E agora, por uma surpresa nossa, fomos procurados para que apoiássemos a corrida de bicicleta. Fiquei muito satisfeito não apenas por participarmos de mais uma movimentação esportiva, como também me lembrou da época do Dilermando Cruz na cidade. Corridas na Avenida Rio Branco, no Bom Pastor, e, na época, ainda moleque, ia para a rua. Eram muitos ciclistas que vinham competir em Juiz de Fora, de vários lugares do país, e nós tínhamos um grande campeão, que era o Dilermando. Vamos torcer para que seja um grande acontecimento no domingo”, diz o secretário.
Como será a corrida
O Desafio de Ciclismo será dividido em cinco baterias, com início entre 7h45 e 11h30, em dez categorias diferentes. A elite, principal delas, possui prova de 1h30 mais uma volta no circuito, a partir das 11h30. Cada faixa possui prova diferente, sempre no percurso de 2 km. Para a realização do 1º Desafio de Ciclismo JF, o trânsito da margem direita da Avenida Brasil, entre Avenida Rui Barbosa e Avenida Barão do Rio Branco, Travessa Nestor Vieira de Magalhães, Rua Oscar Surerus, entre Praça Mariano Procópio e Avenida Brasil, Rua Senador Feliciano Pena, ruas Doutor Duarte de Abreu e Doutor Henrique Burnier, entre Avenida Rui Barbosa e Rua Doutor Duarte de Abreu serão interditadas totalmente a partir das 6h. A liberação do tráfego está prevista para às 13h, podendo sofrer mudanças de acordo com a avaliação da autoridade responsável.
Com largada prevista para as 7h30, na Avenida Brasil, próximo ao Clube Dom Pedro II, o trajeto do ciclismo seguirá pela Avenida Brasil (margem direita), tanto na ida quanto na volta. Os veículos que estiverem circulando no sentido Zona Norte/Centro deverão se deslocar pelas ruas Henrique Burnier, Tereza Cristina, Coronel Vidal e Mariano Procópio. Em função da prova, o transporte coletivo também sofre alteração de itinerário de linhas que passam pelo trajeto do desafio. A mudança pode ser conferida no site www.pjf.mg.gov.br.
Cidade já foi palco da Volta Internacional de Ciclismo
A Tribuna conversou com alguns personagens que presenciaram, de diferentes maneiras, a força desse esporte no passado recente da cidade. Além de ciclista, Paulo Silva, o popular Beiçola, 55 anos, auxiliava na organização de etapas do Ranking de Ciclismo do município.
“Entre 1988 e 1993 havia um Ranking de Ciclismo nos bairros da cidade com o apoio do Cesporte. Depois de 1994 a organização mudou para o Clube do Pedal. Era muito bom, ajudei bastante no que pude. Me lembro que o pessoal do Cesporte sempre trazia um caminhão com som, fechava as ruas e isso foi mantido com o Clube do Pedal”, relembra.
Os campeonatos costumavam ser integrados por quatro provas também em circuitos de aproximados 2 km. Vias dos bairros Barbosa Lage e Poço Rico, além do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Avenida Barão do Rio Branco – local de encerramento – recebiam as etapas sempre abraçadas pelos moradores das comunidades próximas e interessados pelo esporte. A força da modalidade era tão grande que Juiz de Fora recebeu em dois anos a Volta Internacional de Ciclismo, marco para a cidade.
“Não sei qual a média de público nessas provas regionais, mas sempre tinha muita gente que e ia ver. Além de chamar a atenção das pessoas nos bairros. Mas me lembro que a Volta Internacional, que passou pelas avenidas Independência (hoje Itamar Franco) e Rio Branco nos anos de 1987 e1988 reuniam mais de 10 mil pessoas na cidade. Os ciclistas e outras pessoas vinham do Rio de Janeiro. Juiz de Fora sempre fez parte de grandes eventos de ciclismo, teve um Petrópolis-Rio, que chegava no Cascatinha, Rio-Juiz de Fora também”, cita Beiçola.
Bons tempos
Cleber Guedes, o “Clebim”, 57 anos, era figura certa no pelotão dos líderes das provas e pódios. Seu início foi marcado também pelo incentivo local em meio às dificuldades de ter uma bicicleta na época. “Comecei a me interessar por bicicleta desde criança, e na minha infância não tinha muitas. Apenas as pessoas com maior poder aquisitivo que tinham bicicletas. Em 1976 participei de uma Olimpíada Intercolegial em Juiz de Fora, uma promoção da Coca-Cola na época. E depois teve um evento que a Prefeitura fez, Olimpíada Interbairro. Depois, no Exército, comecei a ganhar corridas, porque adquiri preparo físico. Em atividade hoje em Juiz de Fora sou o cara mais antigo que compete nas bikes”, garante.
Os treinos de antigamente também foram relembrados. “O lugar que a maioria das pessoas vai andar é na BR-040, além da Via São Pedro. Antigamente eu andava muito na Universidade, porque não tinha quebra-mola nem o trânsito de hoje, então era muito legal. Treinava até à noite lá, era muito bom”, conta o ciclista que irá participar do Desafio de JF.
“Minha primeira vitória foi em Valença (RJ), em 1979. Andava com bicicletas sem marcha e passei a pedalar uma com marcha. Em todo esse tempo de ciclismo já ganhei muitas corridas. Já tive mais de 500 troféus e hoje devo ter guardado cerca de 300. Era legal demais. Como as provas aconteciam nos bairros, envolviam os moradores e outros interessados. Eram cerca de cem ciclistas, pouca gente, mas que mexia com todos. Mas hoje as bicicletas estão em evidência, os ricos as descobriram. Tenho uma que vale mais que meu carro, eletrônica. Ela vale mais de R$ 20 mil.”
Da admiração às provas
Os irmãos juiz-foranos Giuliano e Giulio Caruso, ciclistas, foram e são movidos por lembranças sobre bicicletas. A idolatria ao pai, Mário Caruso, ciclista italiano, e as competições em Juiz de Fora construíram a paixão da dupla pelas bikes. “Quem começou tudo foi o pai (Mário Caruso). Você vê fotos de reportagens de jornais que mostram que em 1964 ele já corria, com 18 anos. E nós tínhamos duas bicicletas guardadas em casa, que é uma Legnano de 1974 e uma Íbis, francesa, mais antiga ainda. Quando nós viramos adolescentes é que ele começou a nos incentivar. E coincidiu que na época, em 1987 e 1988, a Volta Internacional de Ciclismo passou por Juiz de Fora. Isso aflorou o interesse em muitos juiz-foranos, e foi quando a gente começou também. Na época eu tinha 14 anos e o Giulio, 10”, rememora o irmão mais velho, advogado, hoje com 43 anos, e vencedor de prova do antigo Ranking na UFJF em 1989, pela categoria estreante, equivalente à júnior dos dias atuais.
A Legnano citada é guardada com carinho na residência de Giuliano. Seu irmão, comerciante, 39 anos, a relembra com o mesmo carinho que mostra ao rever as fotografias de competições e notícias da época. “Meu tio corria na Itália de bicicleta e trouxe para cá. Temos até hoje. Meu irmão andou nela, então a família está ligada ao esporte”, conta o ciclista. A emoção com as competições, ao lado do pai, foi exemplificada pelo advogado.
“Guardadas as proporções, o mesmo sentimento que surge nos brasileiros na época de Copa do Mundo, em que a criançada vê um jogo na televisão e corre para a rua para bater bola, o pessoal quando via esse movimento de bicicletas tinha. Todos andando, a criançada pegava bikes e fazia corridas em volta do quarteirão. Era um sentimento muito legal e algo que tenho visto hoje. Pegamos um momento em que era até proibido importar, mas com a abertura das importações, ficou mais fácil”, conta Giuliano.
Otimismo
A iniciativa do Desafio de Ciclismo é vista com otimismo pela dupla. “Tenho certeza que, pela repercussão que está tendo e divulgação, esse período vai voltar para ficar. Vai fazer parte da temporada de ciclismo da nossa região. Em volta de Juiz de Fora, em Ubá, temos o Giro do Interior, pessoal que faz provas que trazem atletas do Brasil inteiro. E a Federação Mineira parece que está renascendo e voltando aos poucos com eventos que eram muito populares em Minas Gerais”, opina Giulio.
Certo é que não faltam personagens para incentivar jovens e adultos à prática e disputas sobre duas rodas em Juiz de Fora, berço de ícones do ciclismo. “Como o esporte se popularizou um pouco, houve uma abertura em Juiz de Fora. Nosso relevo também favorece o mountain bike. E tivemos ciclistas como o Miguel Giovannini, que foi campeão mundial e chamou muito a atenção para o mountain bike. Hoje em dia se você sai para pedalar em um sábado encontra centenas de ciclistas pelas trilhas e na estrada. Mas provas de speed ainda são raras aqui em Juiz de Fora”, pondera Giuliano.