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Nos ringues da Europa

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Cada golpe fazia parecer que o saco de areia iria se desprender da parede. Não era um treino, apenas uma sessão de fotos, mas a força de cada soco mostrava a energia que vinha das luvas. Uma agressividade que contrastava com a vaidade no uso da maquiagem. No calção, o apelido “Golden Girl” (“Garota de Ouro”) resume o caminho trilhado pela boxeadora brasileira Viviane Obenauf, que, aos 28 anos, ostenta um cartel invicto pela Europa e tem quebrado barreiras em um cenário predominantemente masculino. E sem deixar a feminilidade de lado.

“Quero mostrar para as mulheres que elas podem guiar suas vidas. Muitas se deixam levar pelos homens, são tão dependentes que não fazem o que querem. Conheci muitas mulheres jovens que acham tudo muito difícil na vida. Às vezes não querem fazer uma faculdade por demorar quatro, cinco anos, como se fosse uma eternidade, mas não é. Esses cinco anos vão passar, mas estão aqui. O tempo não para. As pessoas não entendem isso e têm a sensação de que vão viver para sempre”, afirma Viviane, que é casada e mãe de um filho.

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Há sete anos vivendo na Suíça, a boxeadora nasceu em Três Rios, mas veio para Juiz de Fora ainda pequena, aos 5 anos. Começava ali uma história de 16 anos na cidade que adotou como sua. Não por acaso, Viviane escolheu a Princesa de Minas para passar alguns dos nove dias que teve para matar saudades do Brasil. Período que aproveitou para promover uma palestra focada em transmitir como o esporte foi capaz de mudar sua vida.

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“Meu início no boxe foi em Juiz de Fora. Na época, me faltava a maturidade para o esporte. Aquele medo de jovem se dedicar ao esporte e não poder fazer as outras atividades típicas da idade. Depois que tive meu filho, aos 24 anos, ganhei 30kg. Isso ninguém te explica, mas a fase da gravidez é muito difícil para a mulher. É difícil para as mulheres se olharem no espelho e se aceitarem. Quando meu filho parou de amamentar, aos sete meses, voltei a treinar boxe. Foi um tempo muito curto em que me dediquei de corpo e alma.”

Meteórica

Dos cuidados com a saúde e a autoestima para a preparação física de alto rendimento foi um passo. Àquela altura, bastou o olhar apurado dos treinadores para Viviane Obenauf ser vista como uma boxeadora em potencial. “Depois de um mês, me perguntaram se eu gostaria de lutar. As primeiras lutas foram em uma competição na Hungria. Meu treinador disse ‘você vai lá, mas se acontecer alguma coisa, não fique triste’, mas eu nem pensava em perder, ia meter a porrada nessas mulheres da Hungria (risos). Foi um torneio muito difícil, mas eu ganhei. Em oito meses, tive 12 lutas e venci todas. Fui para o Campeonato Suíço e também ganhei. Ali meu treinador viu que havia algo especial em mim.”

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Um cenário bastante surreal para uma garota que, aos 21 anos, não foi para a Europa com o objetivo de lutar. A motivação era um trabalho tradicional na área de turismo e hotelaria. Conforme as oportunidades foram aparecendo, Viviane ia abrindo as portas. Em abril de 2014, a boxeadora atravessou a estreita passagem para o profissionalismo. “Como profissional tem sido muito bom. Foram seis lutas e seis vitórias, sendo três por nocaute. E eu enfrento húngaras, russas, gregas. Pessoas que muitas vezes passaram fome, vivem uma vida muito difícil. Elas vêm para outros países para ganhar. Sobem no ringue e não caem, é terrível (risos).”

Machismo x xenofobia

Quando o assunto é o machismo que enfrenta por ser uma boxeadora, Viviane Obenauf sequer usa a esquiva. O golpe é direto. “Sempre fui muito feminina. As pessoas me veem de outra forma também. Até no ringue, antes da luta, chego perto das minhas adversárias, converso, aperto a mão. Todas estão sempre com cara de raiva. Até policiais femininas a gente vê na rua, acho tão lindo. As mulheres estão deixando de ficar em casa cozinhando. Vai demorar um pouco, mas vamos conseguir. Até com a nossa presidenta já é um passo muito grande”, diz Viviane, referindo-se a Dilma Rousseff e destacando a importância de mulheres como Ronda Rousey, campeã peso-galo do UFC, quebrarem barreiras colocadas entre os gêneros.

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“Como brasileira, sofro muito mais preconceito do que como atleta. O início da vida fora, aprendendo outra língua, é muito difícil. Você tem que decidir se quer ou não fazer isso. Há brasileiros que vão para a Suíça com o objetivo de não trabalhar, viver com ajuda do Governo, e isso é muito triste, envergonha”, afirma a boxeadora, que planeja a criação de uma academia na Suíça para ensinar o boxe olímpico para brasileiros.

Social

Perto de voltar à rotina europeia, Viviane Obenauf teve ontem um último compromisso na região. A boxeadora esteve ontem no Asilo São Vicente de Paula, na cidade de São Geraldo, para a entrega dos alimentos arrecadados no evento promovido nessa semana, além de visitar as crianças atendidas pelo programa municipal Esporte é Vida. “Creio que posso ser um exemplo para as crianças do projeto, que podem dizer ‘uau! Ela mora no exterior e luta boxe’. Acho que isso é uma coisa positiva. O esporte é uma esperança muito boa. Tenho sempre no coração o lugar que cresci. Algumas coisas podem mudar, mas o pensamento está sempre onde você nasceu. Não tem como esquecer. Juiz de Fora está sempre no meu coração.”

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