No segundo dia deste ano, Fátima Cristina, de 49 anos, recebeu uma notícia que a fez “perder o chão”, como define: foi diagnosticada com câncer de mama. Ela o tratamento assim que soube da doença, e teve a orientação de seu oncologista para iniciar, o mais rapidamente possível, alguma atividade física. Fátima, então, procurou o projeto “Corrida para Todos”, começou a treinar e, em março, disputou a primeira prova. Até agora, em novembro, são sete medalhas conquistadas. Mais que isso, a moradora do Bairro Vivendas da Serra, Zona Nordeste, adquiriu mais disposição e autoconfiança, que têm ajudado no processo de recuperação.
Pela força de vontade e garra para a prática do esporte, Fátima é personagem da série “Qual é o Seu Corre”, que traz histórias de atletas locais que têm a corrida como ponto central na vida. Ela será uma das 800 participantes da Corrida da Polícia Civil, a nona etapa do 36° Ranking de Corridas de Rua de Juiz de Fora. A prova acontece neste sábado (9), às 16h, com largada na Rua Eudóxio Infante Vieira, nas proximidades da Represa João Penido. A disputa principal conta com dez quilômetros, e haverá, também, uma corrida de cinco quilômetros, além da tradicional caminhada, de 2,5 quilômetros.
Do medo no início às sete medalhas
Natural de Barbacena, a supervisora administrativa de cozinha industrial mora em Juiz de Fora há mais de 20 anos. Nunca foi uma pessoa que praticasse esporte, apesar de seu marido, Marciano, andar de bicicleta. Porém, ao descobrir o câncer de mama e iniciar a quimioterapia e a radioterapia, precisou ingressar nas atividades físicas. “O médico me falou que era uma necessidade, porque o esporte ajuda na renovação das células. Fiquei desesperada, pensando no que iria fazer, porque não fazia nenhuma atividade”, relembra. Poucos dias depois, ela viu nas redes sociais o início do projeto “Corrida para Todos”, uma assessoria especializada para corredores, da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), que oferece treinos na Praça CEU, na Zona Norte.
“Vi que eram cinco dias na semana, três de corrida e dois de funcional. Achava que não ia dar conta, mas logo de cara, gostei muito. Somos dez pessoas que nos encaixamos e criamos uma amizade bem legal. É sempre uma incentivando a outra. Na minha primeira corrida, foi muito legal, porque eu estava para trás, mas as meninas voltaram para me buscar. Fiquei muito emocionada e percebi que estava mais feliz”, conta. Hoje, ela já participou de sete corridas, conseguindo completar todas.
Transformações
Desde que começou a correr, Fátima percebe que adquiriu mais força e disposição. “Descobri que sou capaz. Venço a mim mesma. Mudou até a forma de me olhar, porque agora sei que posso me desafiar e dar conto. É um momento também em que controlo a respiração e a ansiedade, evitando pensar em coisas negativas”. A pedido do médico, Fátima não pode ganhar peso no processo de tratamento do câncer. “Mesmo com a medicação que faz engordar, estou conseguindo manter os quilos por conta da corrida”, afirma.
Além dos benefícios na saúde, ela vibra com a união do grupo Corrida Para Todos. “Cada uma tem alguma história linda, todas são guerreiras. Inspiramos outras pessoas. Amigas minhas do trabalho, que estavam paradas, começaram a correr. Uma, que é nutricionista, até desenvolveu projetos para pessoas com câncer. Uma coisa negativa fez brotar sentimentos positivos nas pessoas”. Nesse tempo, os pais de Fátima, moradores da cidade de Madre de Deus de Minas, vieram para Juiz de Fora. “Essa rede de apoio é fundamental para lidar com esse momento”, se emociona.
Professora e amiga
Em todos os treinos, a atleta é acompanhada pela treinadora Ana Carolina da Silva, de 28 anos, que cursa mestrado em educação física. Como conta a treinadora, Fátima foi uma das primeiras integrantes do projeto. “Percebi que fazer treinos individualizados, como uma assessoria comum, não caberia. Quando as pessoas nos procuram, é para estar em grupo. Eles tiveram uma união muito grande e decidimos fazer os treinos juntos, respeitando a especificidade de cada um, mas mantendo todos unidos”.
A relação entre a aluna e a professora é de companheirismo. “Nos tornamos amigas, nos entendemos, trocamos mensagens e somos um ombro para chorar. Mas, na hora de ser professora, também cobro. Com a Fátima, tenho um cuidado a mais, não é qualquer exercício que vou passar. Adapto alguns exercícios por conta do câncer. Analiso a biomecânica, o tipo de músculo e o volume do treino”, explica. Em oito meses, Fátima não teve nenhuma lesão.
“Não esqueço o que passei”
Com mais entusiasmo e melhor qualidade de vida desde que começou a correr, a mulher se orgulha da própria trajetória. “Tento não esquecer tudo o que já passei, porque com o tempo a gente tende a relativizar. Esses dias mesmo, estava pensando ‘nossa, não fiz nada este ano’. Mas como assim, não fiz?! Fui em sete corridas. Passei por todo um processo, sobrevivi. Aceitando as minhas limitações, porque elas existem, mas estou aqui. A palavra-chave de tudo é gratidão”.
Para outras mulheres com câncer, Fátima aconselha. “Não é fácil esse diagnóstico, mas a gente precisa se cuidar e acreditar. Ter Deus ao lado todos os dias, agradecendo. Em nenhum momento eu perco a fé. Ela, junto à atividade física, nos dá o suporte que precisamos”.
*Sob supervisão do editor Gabriel Silva