Em outubro de 2020, Talita Antunes foi infectada pelo novo coronavírus, doença que já tirou mais de 260 mil vidas no Brasil. Após um treino de bicicleta, a triatleta relata que sentiu uma fadiga excessiva e uma dor no peito. Três dias depois, veio o resultado. “Percebi um cansaço diferente e uma dor no peito que nunca havia sentido. Interrompi o treino e fui pra casa. À noite observei outros sintomas, como falta de paladar e olfato. A partir daí, já me isolei e, três dias depois, realizei o teste que confirmou o diagnóstico”, recorda à Tribuna.
A corredora e professora de Educação Física, que já subiu duas vezes no pódio como top 5 do Ironman 70.3, uma das principais provas de triathlon do continente, conta que o período após o diagnóstico também não foi nada fácil. O cansaço e as dores no corpo impossibilitaram Talita a realizar atividades básicas de lazer. “As dores de cabeça me impediam de ler um livro ou assistir filmes para passar o tempo. Ficava deitada a maior parte do dia, só levantava para comer.”
Complicação cardiovascular e volta gradual
Talita, que começou a se interessar por esportes ainda quando criança, e passou a correr na faculdade, necessitou de um retorno gradual aos treinos. De acordo com a gravidade da infecção do coronavírus, a comunidade científica recomenda cerca de 14 a 21 dias para o retorno à prática de exercícios físicos após a alta. Assim, logo que se recuperou da infecção, em novembro, a atleta retornou aos exercícios antes rotineiros. Contudo, ela sentiu que algo não estava normal: o cansaço e a dor no peito continuavam. Talita procurou um cardiologista e o diagnóstico foi certeiro: pericardite, um processo inflamatório da membrana que envolve o coração. A doença impediu que a volta às atividades fosse realizada com intensidade.
Em dezembro, ainda se recuperando das sequelas da doença, a juiz-forana realizou também uma cirurgia de hérnia, processo que acrescentou mais dois meses de repouso no seu tempo de recuperação.
Retomada precoce e carga elevada devem ser evitadas
O professor de Educação Física e doutorando em Ciência do Esporte, Ronaldo Angelo Dias, explica que o retorno aos treinos para quem teve Covid-19 deve ser feito em etapas. É importante que o atleta passe por uma avaliação médica, após a recuperação da doença, para avaliar a saúde cardiorrespiratória. “A principal preocupação é o acometimento de miocardite, que pode evoluir para insuficiência cardíaca, quando o coração perde força e não consegue bombear o sangue de maneira adequada para todo o corpo.”
Ronaldo Angelo alerta também para os riscos do retorno precoce ou com alta carga de exigência após o período de recuperação, e ressalta, ainda, a importância do acompanhamento de um profissional de Educação Física que dose o ritmo de treino. Uma retomada desassistida pode causar uma baixa no sistema imunológico, o que deixa o atleta suscetível a infecções. “O retorno precoce ou com carga de treinamento acima da capacidade do atleta pode causar imunossupressão, e apresentar um risco para a saúde cardiovascular do atleta, acelerando o processo de desenvolvimento de insuficiência cardíaca e, em último caso, levar ao óbito.”
Segundo Ronaldo Angelo, o exercício físico pode prevenir e atuar como tratamento coadjuvante em doenças crônicas não transmissíveis, que estão associadas a casos graves da Covid-19, como diabetes, hipertensão e obesidade. A atividade física não reduz o risco de hospitalização, mas auxilia na redução de chances de internações.
Ele ainda reforça que as recomendações de segurança são alteradas durante a prática do exercício físico, uma vez que os 2 metros de distanciamento, recomendados habitualmente, são para atividades que exigem menos movimentos; já durante os exercícios, a distância pode chegar a dez metros em uma caminhada, a 20 metros em uma corrida e até a 40 metros durante uma volta de bicicleta. “Isso porque a dinâmica de deslocamento do ar e a frequência respiratória aumentam bastante durante a prática de exercício físico”, explica Ronaldo. “Evite também ambientes fechados e use a máscara sempre”, reitera.
Para aqueles que pretendem começar a se exercitar, o professor recomenda que a atividade praticada seja aquela que traz prazer para o praticante, pois, assim, a chance da adesão da prática à rotina é maior.
“Agora eu não paro mais”
Talita já se consagrou em uma das provas mais difíceis do planeta e agora se prepara para a próxima edição do IronMan 70.3 que, inicialmente, está programado para ocorrer em maio, na cidade de Florianópolis (SC). O evento de triathlon faz parte de um circuito com mais de dez provas pelo mundo. Em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram no último mês, a atleta conta sobre o retorno aos treinos e comemora seus primeiros 4 quilômetros de corrida desde a infecção. “Hoje eu estou superfeliz, porque eu consegui correr 4 quilômetros! Agora eu não paro mais, tenho um IronMan para fazer em maio e não vou desistir”.
Com sorriso no rosto e evolução constante na volta ao esporte, Talita deu a largada para enfrentar as distâncias do triathlon que, além dos 21,1 km de corrida, conta também com 1,9 km de natação e 90,1 km de ciclismo.
A triatleta, que acredita em um retorno gradativo das competições, à medida que a população for vacinada, deixa um conselho para aqueles que estão passando pela mesma situação que ela vivenciou: “O mais importante de tudo é respeitar seu corpo e seus limites. Qualquer sintoma, por menor que seja, deve ser considerado e investigado antes de continuar a prática de exercícios físicos.”