“Observava a Luisa em um dos treinos; ela correu para saltar, se projetou, mas caiu para trás. Não conseguiu completar a passagem pelo sarrafo. Foi uma queda feia, por cima do pescoço. Naturalmente, correria para perguntá-la se havia machucado. No entanto, segui para apenas observar a sua reação. Irritada, Luisa se levantou, catou a vara e retornou, brava, para mais um salto”, contou Renato Siqueira, Renatinho, 28 anos, mestrando em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos treinadores do Centro Regional de Iniciação ao Atletismo (Cria). Concluiu Renatinho que somente após o fim do treino perguntou à Luísa se havia se lesionado. Mas Luisa Freire Campos, 14 anos, atual vice-campeã brasileira de salto com vara na categoria sub-16 – estava bem.
Em 2018, no Aberto da Federação Mineira de Atletismo (FMA), ela saltou 2m65; marca que a levou à primeira colocação do ranking mineiro da categoria sub-16 e terceira do ranking brasileiro. No Campeonato Brasileiro de Atletismo (em setembro passado), a marca foi melhorada para 2m70, resultado que deu à Luisa a medalha de prata e a manutenção da liderança do ranking mineiro. “O salto com vara me deixa super tranquila em relação a mim mesma. Hoje, não há modalidade que eu goste mais. Me sinto muito à vontade. Posso estar no meu pior dia, mas vou saltar e me sentir feliz pensando que foi um aprendizado, porque foi uma forma de acertar detalhes do salto”, concluiu Luisa. Ambas foram as suas primeiras competições oficiais na modalidade, pouco praticada nacionalmente. Contou a atleta que, no Aberto de Atletismo (em março de 2018), por exemplo, competiu sozinha na categoria sub-16. “Só tinha eu na prova. Em Minas, na minha categoria, o salto com vara não é muito conhecido, infelizmente. As meninas da categoria sub-18 me incentivaram muito durante a competição. O primeiro contato foi o melhor contato que tive com o salto com vara até hoje.”
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Em 2019, disputará as provas da modalidade na categoria sub-16 pela última vez, já que apenas atletas de 13, 14 e 15 anos são contempladas. Fernanda Cândido, de São Paulo, ouro no salto com vara na categoria com a marca de 2m80, competirá na sub-18. Como Fernando não disputará a prova, Luisa detém o favoritismo. “Quero me explorar ao máximo dentro do salto com vara em 2019”, afirmou Luisa. “Espero bater esses recordes, mas, se não batê-los, continuarei lutando. O recorde mineiro, por exemplo. Ou, então, o brasileiro sub-16, que é bem alto. Vou batalhar até não conseguir mais, porque é um sonho.” Entretanto, o desejo maior de Luisa é não decepcionar os pais; a mãe, sobretudo. “O meu pai já está acostumado por ter vivenciado o esporte. Toda vez que eu chego de uma competição a minha mãe me dá os parabéns, independentemente de vitória ou de derrota. Mas quero chegar com medalhas e bons resultados para mostrar a ela.”
Edson Campos Ferreira, 43 anos, é o pai. É ideia de Edson a haste improvisada como sarrafo que Luisa e Renatinho utilizam durante os treinamentos. “Colocávamos um elástico no poste de salto em altura para a Luísa treinar. Mas, na competição, não é um elástico, é um sarrafo, e, quando o atleta bate no sarrafo, dói um cadinho (risos). Não tínhamos como colocar um sarrafo, porque não tinha um poste”, relatou o treinador. Como o Cria não tem o suporte oficial do salto com vara, os atletas utilizam o suporte do salto em altura. “Olhava para o poste que eles estavam utilizando para o salto com vara e pensava que não era o da modalidade. Faltava a estrutura para colocar o sarrafo. O suporte do sarrafo tem que ter uma certa largura. Juntei umas ferragens e construí o suporte para o sarrafo, que é o que está sendo usado, inclusive”, contou Edson. Ele, Renatinho e Luisa, em razão da utilização da estrutura do salto em altura, achavam que ela saltava 2m45, pois pensavam ser o limite do poste. Entretanto, o limite era 2m65, marca descoberta apenas no Aberto de Atletismo.
Contato com campeã mundial: ‘Chocante!’
Embora tenha ingressado no Cria em 2015, o primeiro contato entre Luisa e a modalidade aconteceu em 2017; a coordenação do projeto estimula os atletas a experimentarem todas as provas. Até então, ela praticava frequentemente provas de 1.000m, 80m com barreiras e salto em distância. “Treinei em várias modalidades. Sempre fui muito dispersa. Mas acho que tinham três que praticava no período de competições. O meu porte físico e a minha força não servem para nenhum tipo de arremesso, nem lançamento. Então, treinava de vez em quando, mas só para aprimorar a técnica.” Como as competições, geralmente, limitam os atletas a competir em apenas duas modalidades, a atleta fazia 80m com barreira e salto em distância. “De início, ela foi diretamente para as corridas de fundo, como 1.000m e 800m. Mas, paralelamente, a gente foi trabalhando junto as outras provas. Na categoria sub-16, nós não definimos a modalidade do atleta”, explicou Renatinho.
“O meu foco era a barreira e o salto em distância, então o primeiro treino com salto de vara foi somente uma passagem”, contou Luisa. “Desde o primeiro contato, já gostava muito, sem ter a certeza de que era aquilo que iria fazer. Então, conversei com o meu treinador: ‘Renatinho, não sei como aconteceu tudo tão rápido’. Só sei que, em algum dia, cheguei e pedi a ele para treinar salto com vara.” Entre janeiro e março de 2018, Luisa treinou somente salto com vara para o Aberto de Atletismo. “Eu estava ensinando e aprendendo, porque, para mim, também era muito novo. Aprendemos juntos. A Luisa assiste a muitos vídeos, conversa com as meninas da modalidade com quem fez amizade, e há, também, um treinador de Belo Horizonte que nos ajuda”, revelou Renatinho.
Em 2016, ela não assistiu à conquista do ouro do brasileiro Thiago Braz no salto com vara; segundo ela, “caiu na real” tempos depois. Em 2017, por exemplo, teve contato com Fabiana Murer, ouro nos Mundiais de Doha, em 2010, e Daegu, 2011, além de campeã pan-americana em 2007, no Rio de Janeiro; Fabiana visitou os atletas nos Jogos Escolares da Juventude. “Ela deu uma palestra e, quando falou a sua modalidade, pensei: ‘Ah, é do salto com vara…’ (risos). Eu não tinha contato algum com a modalidade. Eu cheguei a perguntá-la como poderia melhorar o meu desempenho nas provas de barreira. Hoje, vejo fotos da Fabiana e penso: ‘Gente, eu encontrei essa mulher, não é possível’ (risos). Chocante!”
Estímulo desde os três anos de idade
Edson, pai de Luisa, foi ciclista profissional e também se aventurou no duathlon como brincadeira, em 2007. Assim que Luisa e o irmão, Pedro, 11, chegaram aos três anos, começaram a praticar corridas de rua para crianças por influência do pai. “Sempre consultava o Jorge [Perrout, coordenador do Cria e amigo] sobre exercícios complementares para incentivar a vivência motora, a percepção corporal e a coordenação das crianças. Todos os exercícios de uma maneira bem lúdica. Eles têm uma bola suíça (usada no pilates) até hoje em casa. Se for dar algo para a criança, sempre dê uma bola suíça. Dentro de dois dias, ela já não vai mais se machucar (risos)”, contou Edson. Luisa praticou várias modalidades esportivas, além de balé. “Já passei por tantos esportes, mas não me encontrava em nenhum. Já fiz corrida de rua, kung fu, balé, natação – esportes em que os pais gostam de colocar as crianças, mas acaba não dando em nada”, brincou Luisa.
O kung fu é explicado pela influência da cultura chinesa sobre Edson. Ele praticou dois estilos, além de ser instrutor em um terceiro. Conforme ele, o artista marcial trabalha três aspectos: dominar a técnica, pintar e tocar um instrumento. “Consegui passar isso para a Luisa e o Pedro. Eles fazem isso muito bem. São multi-instrumentistas. Luisa canta, o Pedro toca. Desenha muito bem. A Luísa toca flauta transversal, violão, ukulele, piano. Só assistindo para ver. Por conta da minha vivência no esporte, acrescentei mais três aspectos: correr, saltar e lutar. A nossa família não pode deixar de fazer três coisas básicas, fora as outras. Correr, saltar e lutar”, explicou. Para Luisa, a influência dos conceitos chineses a ajudou no atletismo. “Sei coordenar o ritmo da minha passada, saber quantas passadas eu estou dando, a minha frequência etc. Tudo isso me ajudou bastante. Fazemos por necessidade, não é apenas por hobby.”