A reação do mercado ao anúncio do pacote de gastos do Governo federal e aumento da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil fez com que o dólar chegasse à marca de R$ 6 pela primeira vez desde o início de sua circulação, nesta quinta-feira (28).
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, junto de outros ministros do Governo, detalhou na manhã desta quinta-feira as medidas tomadas para cumprir as regras do arcabouço fiscal. Economistas ouvidos pela Tribuna associam a disparada da moeda americana a uma resposta negativa dos setores do mercado a esse anúncio.
Para Gabriela Martins da Fecomércio MG, essa medida de isenção pode gerar impacto fiscal que inviabiliza, de certa maneira, a redução de gastos que o Governo previa nas outras medidas, gerando ainda mais cautela sobre o futuro fiscal do país.
Já Lourival Batista, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), enxerga a reação negativa do mercado como uma campanha da “Faria Lima”, acerca da contenção de gastos públicos proposta pelo Governo. “Existe uma pressão velada para que esse corte de gastos seja realizado justamente nas áreas mais frágeis da população, como educação, saúde, previdência e direitos previdenciários”, aponta.
Lourival também defende que os cortes deveriam ser feitos em áreas como benefícios fiscais para grandes empresas e emendas parlamentares. “A manutenção de uma taxa de juros elevada, como o Banco Central vem insistindo, só piora essa situação de desequilíbrio na dívida pública e impacta negativamente o consumidor. E, com isso, o Governo perde o apoio de um órgão que deveria fazer operações para diminuir o impacto sobre a pressão do dólar, o que já foi feito anteriormente.”
O aumento chega ao bolso do consumidor?
Se a frustração do mercado é justa ou não, o fato é que a desvalorização do Real possui impactos significativos na economia brasileira e pode pesar no bolso do consumidor ainda neste fim de ano.
Panetone mais caro
O presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria de Juiz de Fora (Sindipan/JF), Heveraldo Castro, alerta que os produtos típicos do Natal podem chegar mais caros às prateleiras neste ano. A recente alta do dólar, impulsionada por declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, intensifica o impacto dos aumentos que o setor já vinha enfrentando ao longo de 2024.
Um dos principais insumos, o trigo, registrou alta de 5% neste mês, e a previsão é que, em dezembro, o aumento alcance de 8% a 10%. O óleo de soja, outro produto fundamental, também sofreu elevações significativas. “O litro custava cerca de R$ 5,39 a R$ 5,49 e agora está em R$ 8,50. Embora sejam produtos nacionais, são cotados em dólar”, explica Heveraldo.
Itens tradicionais das ceias, como frutas cristalizadas e uvas-passas, também enfrentaram altas expressivas. Importados majoritariamente da Argentina, esses produtos refletem a pressão cambial. “As frutas cristalizadas, por exemplo, tiveram aumento de 35% neste ano”, destaca o presidente do Sindipan/JF.
Em coletiva, também nesta quinta, o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, afirmou que o aumento do dólar não deve impactar no preço dos supermercados imediatamente, visto que as encomendas para o fim de ano já foram realizadas, e a tabela de preços, definida. O cenário pode mudar caso essa alta persista. “Existe tendência de alta, como o café, que atingiu quase 30% de aumento este ano. Por outro lado, eu não vejo que o consumo vai sofrer impacto, pois vemos a entrada de recurso do 13º salário nos próximos meses.”
Presente importado
Quem estava planejando comprar produtos importados como presente de Natal pode respirar um pouco mais aliviado. Segundo os comerciantes do setor, as encomendas já foram feitas, e os reajustes devem impactar as prateleiras somente no próximo ano. Antônio Nolasco, proprietário da rede de perfumaria Essenciale, garante que as promoções da Black Friday e os preços para o Natal estão mantidos. “Mas, certamente, em janeiro sentiremos o impacto, pois as importadoras já começaram a anunciar aumentos para 2025”, afirma.
Ele estima que os preços podem subir cerca de 6%. No entanto, devido às particularidades do mercado de perfumes importados, Nolasco acredita que essa alta não deverá afetar significativamente o comportamento dos consumidores. “Eu acho que as pessoas vão continuar comprando igual. Quem tem a sua preferência de perfume não vai trocar por causa disso. O que vai acontecer é que, provavelmente, ela vai economizar mais no uso. Ou aproveitar para comprar agora.”
Passagens aéreas
Caso a alta do dólar continue, o mercado de passagens aéreas pode ser diretamente impactado. Segundo Celso Martins, responsável pela coluna Tudo Viagem, cerca de 40% dos custos das companhias aéreas estão relacionados ao combustível. “Se houver um reajuste no preço do querosene de aviação, é provável que as tarifas das passagens aumentem”, explica.
Martins também destaca outros custos atrelados à variação cambial, como peças de reposição e motores, que são precificados em dólar. Esses fatores podem pressionar ainda mais os preços para os consumidores.
Gasolina e combustíveis
O Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Minas Gerais (MinasPetro) alertou que, se o dólar se mantiver na casa dos R$ 6, os preços dos combustíveis podem subir para o consumidor final, uma vez que o valor do barril de petróleo é cotado na moeda americana. No entanto, a entidade ressalta que não é possível fazer previsões precisas, já que a definição dos preços é responsabilidade da Petrobras, que não segue mais os critérios do Preço de Paridade de Importação (PPI). Essa mudança, de acordo com eles, dificulta a previsibilidade de custos para os comerciantes.