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Comerciantes de Juiz de Fora aliam o antigo e o novo em busca de negócios prósperos

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DROGARIA
Entre balcões e prateleiras antigos, Glauco cresceu na Drogaria Silva aprendendo o negócio do pai. Agora, junto com a irmã, aposta na modernização do estabelecimento, sem abrir mão do ambiente acolhedor (Foto: Felipe Couri)
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Basta andar pelas ruas de Juiz de Fora para perceber que o comércio de rua já não é mais o mesmo. A característica de “shopping a céu aberto” permanece enchendo de orgulho os juiz-foranos e encantando visitantes. Muitas fachadas históricas de lojas tradicionais também estão lá, reavivando memórias afetivas de um tempo que não volta mais. A importância econômica e social do varejo persiste, ultrapassa os anos e continua mostrando a sua força. Mas há pessoas diferentes atrás dos balcões – ou dos computadores.

Como um processo natural, os filhos e, em alguns casos, os netos chegam para trabalhar, todas as manhãs, com a importante missão de dar continuidade aos negócios familiares, mas instigados a enfrentar os desafios impostos às suas gerações: conquistar novos públicos, fidelizar os já existentes e não apenas sobreviver, mas crescer e fazer diferença em tempos de mudanças cada vez mais rápidas e intensas. Nesse cenário, as inovações e as tecnologias aparecem como aliadas a quem está disposto a direcionar o olhar (e a investir) para atender as demandas que a clientela apresenta, já que ela também vive um processo de transformação.

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Entrar na Drogaria Silva, que mantém as portas abertas há mais de 90 anos, é fazer uma viagem ao passado. Até para quem não viveu a época das “boticas” tradicionais, ter a oportunidade de se debruçar sobre os enormes balcões de madeira para fazer o pedido e ver os atendentes escalarem as escadas que vão até o teto, alcançando o produto nas intermináveis prateleiras fechadas com vidro, desperta sensação de saudosismo até do que não foi efetivamente vivido. Do chão ao teto, mais relíquias. O piso e os lustres antigos reforçam o cenário de acolhimento. Só falta a salinha separada por uma cortina, onde, nas antigas drogarias, os serviços médicos eram realizados, desde a aferição da pressão até a aplicação da temida benzetacil.

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Renovação

Foi nesse ambiente que o diretor comercial da Drogaria Silva, Glauco Iverson Batista Fabre, cresceu. “Quando criança, achava que lá era um lugar para se brincar.” Ele começou a trabalhar efetivamente aos 14 ou 15 anos. O pai era o patrão. Naquela época, eram comercializados chás, unguentos (essências para perfumar o corpo) e tinturas de plantas. Ainda sem balcões, os produtos eram vendidos em cima dos engradados de madeira nos quais eram transportados. Era uma época em que o número de “telephone” era composto de apenas quatro dígitos: 1590.

Com o falecimento do pai, há cerca de 14 anos, Glauco assumiu a diretoria junto com a irmã caçula. Hoje, as funções de liderança são distribuídas entre quatro diretores, membros da família, e dois gestores.
Apesar de toda a atmosfera secular cuidadosamente mantida na loja da Avenida Getúlio Vargas (desde a época em que ainda era chamada de Avenida 15 de Novembro) e a releitura feita nas duas filiais, o diretor afirma que sempre houve a preocupação de não associar a empresa à imagem exclusiva de um negócio antigo.

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Para auxiliar nessa tarefa, a drogaria conta com os serviços de uma consultoria de gestão, na busca pelo melhoramento constante dos processos e dos relacionamentos interpessoais, e de uma agência de publicidade. “Os resultados são nossa inserção nas mídias sociais, a abertura de uma nova unidade na Rua Oscar Vidal e uma renovação de nossa imagem institucional.” Além disso, a empresa trabalha com tecnologia farmacêutica de ponta em relação a insumos e conta com o suporte de uma consultoria no segmento de processos farmacêuticos e maquinário para manipulação.

Conforme Glauco, estar nas redes sociais tornou-se uma necessidade. Além do site, em que é possível fazer compras, a marca está presente no Facebook e no Instagram, com postagens regulares. “Estamos apenas fazendo nosso dever de casa ao nos adaptarmos a esse ‘novo’ panorama mercadológico. Não há contradição entre ser uma empresa antiga e estar antenado ao mundo virtual.” O diretor afirma que, na Drogaria Silva, não se vendem remédios, simplesmente. “Promovemos saúde e qualidade de vida. É muito importante que o cliente se sinta à vontade e confie na empresa para que a eficácia terapêutica se dê.” Na sua opinião, a imagem da botica tradicional é uma forma de estimular o ambiente acolhedor e de credibilidade. “Além do mais, é charmoso, não acha?”

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A loja tradicional, na Rua Marechal, atende uma clientela mais conservadora da Fábrica de Doces Brasil …
… já a loja automatizada, na Avenida Rio Branco, visa à clientela jovem (Fotos: Olavo Prazeres)

O balcão e o autosserviço

Na Fábrica de Doces Brasil, o cliente pode disputar uma brecha no balcão para pedir uma coxinha de frango com catupiry e um minirrefrigerante gelado – anotados na comanda de papel – e comer em pé mesmo, na tradicional loja da Rua Marechal. Há, ainda, a alternativa de escolher os salgadinhos com o toque nas telas computadorizadas, contar com a praticidade do autosserviço de bebidas e doces e só pagar o valor computado na comanda eletrônica após degustar o lanche, sentado nas mesas disponíveis na loja automatizada da Avenida Rio Branco. Apesar de os produtos comercializados serem os mesmos, a forma de vivenciar a experiência varia em cada uma das sete lojas mantidas pela marca na cidade.

O sócio Diogo Rebouças Estiguer divide com o primo Igor Pinto Estiguer a direção do negócio fundado pelo avô João Jaime há 73 anos, criador da conhecida “fatia rosa”. Ele comenta que, enquanto o avô, o pai e o tio estavam à frente da empresa (o avô é falecido, e os dois últimos estão aposentados), o modelo era bem tradicional, “nem computador tinha”. Os primos começaram a trabalhar no negócio há 22 anos, sendo nos último cinco, sozinhos. O início foi no balcão da loja da Marechal, época em que tudo, inclusive o fechamento do caixa, era feito à mão. O computador, diz, só chegou 12 anos depois, na primeira filial, aberta pela – e sob o comando – terceira geração de comerciantes.

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Uma das primeiras inovações, relembra Diogo, foi a aquisição de uma máquina de minisalgado, importada do Japão, com capacidade para produzir 3.600 unidades por hora. O equipamento está em uso até hoje. “Vimos que a demanda era muito grande e que não conseguíamos atender com a produção manual. Às 17h, não havia mais produto para vender. Conseguimos convencê-los a comprar”, lembra.

O segundo grande passo, disse, foi a abertura da segunda loja na Rua Marechal – já com mesinhas para sentar e balcão de encomendas separado – mediante a identificação de necessidade de expandir, aumentar o faturamento e ampliar a clientela. “As mudanças maiores foram implementadas nas lojas que a gente foi montando dentro da sociedade”, completa Igor. “Nossos pais eram abertos a novidades, diziam que deveríamos experimentar mesmo, mas na loja da Marechal, não”, disse, entre risos, para depois confessar que até hoje ele e o primo têm certo receio de “mexer” na primeira unidade da rede. Os sócios têm o projeto de reformar e expandir a loja mais antiga, sem, no entanto, desconfigurar o formato tradicional. “Muitos clientes têm memória afetiva associada à loja, e queremos preservar isso”, reforça Diogo.

Dos mais jovens aos mais antigos

Enquanto a pioneira permanece praticamente “intacta”, as outras unidades da Fábrica de Doces Brasil vão ganhando em tecnologia e conforto. Conforme os sócios, Juiz de Fora comporta lojas com diversos perfis. Enquanto as mais tecnológicas contribuem para atrair os mais jovens, que realizam o próprio atendimento de forma intuitiva, também há a preocupação que o pessoal mais tradicional reviva a experiência de 30 anos atrás, em termos de sabor e de ambiente.

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Há, ainda, os que transitam entre os dois polos, como o grupo de senhores que pega a comanda eletrônica na chegada da loja situada no Calçadão da Rua Halfeld, faz o pedido no balcão e passa boa parte das manhãs sentado, batendo papo e saboreando um café. A Fábrica de Doces Brasil está presente nas redes sociais e estuda a participação em aplicativos de delivery, uma cobrança de parte da clientela. Os sócios avaliam um formato que inclua logística de entrega em horários estendidos, para atender esse público, sem comprometer a qualidade dos produtos comercializados.

No Retiro, Paulo de Tarso Giovanoni vende na caderneta, pelo cartão de crédito e ainda atende pedidos pelo WhatsApp, com a certeza de que a proximidade é a melhor forma de fidelizar o cliente

Redes sociais influenciam a escolha de 67% dos clientes

Pesquisa divulgada esta semana pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio MG) aponta que a presença das empresas nas redes sociais deve ser explorada com mais atenção. O tema foi inserido, pela primeira vez, na pesquisa com os empresários mineiros, a fim de medir o posicionamento das corporações diante das novas tendências de mercado, como o uso comercial de Facebook, Instagram, WhatsApp, Linkedin e Twitter. “Percebemos que esses meios são utilizados, principalmente, para ações de marketing e oferta de produtos. São poucos aqueles que aproveitam a oportunidade para estreitar relacionamento, apresentar sua filosofia e oferecer apoio ao consumidor. Isso é um gap”, avalia o economista Guilherme Almeida.

De acordo com o estudo, o WhatsApp é a rede social mais utilizada pelas empresas (59,3%), seguido pelo Facebook (56,7%) e pelo Instagram (46,7%). Cerca de 90% das lojas fazem postagens nesses canais para divulgação da marca e dos seus produtos. No entanto, somente 11% oferecem materiais de apoio ou educativos aos compradores. Ao mesmo tempo, as redes sociais influenciam a escolha de mais de 67% dos clientes com acesso à internet, atestou a pesquisa.

No Mercado Giovanoni, localizado no Retiro, é possível encontrar de tudo um pouco: da cesta básica ao material elétrico e hidráulico, passando por produtos de higiene e limpeza. Tem até ração para cachorro, para alegria do Thor, o labrador que gosta de deitar em cima do pé dos clientes. Quem chega à venda pode comprar arroz e querosene a granel e escolher entre anotar na caderneta ou pagar no cartão de crédito. Pelo menos 90% da clientela prefere a caderneta. O Paulo de Tarso Giovanoni, filho do José que abriu o negócio há 54 anos, está acostumado a receber, com a mesma atenção, o menino que chega com as mãos cheias de moedas, precisando levar para casa a massa de tomate pedida pela mãe, e o vizinho que fez o pedido pelo WhatsApp. A entrega em casa é feita pelo próprio Paulo, em sua moto, a cada início de tarde.

Todo mundo conhecia o José (falecido há sete anos) e agora todo mundo conhece o Paulo, tem o número de celular dele e sabe onde encontrá-lo mediante qualquer necessidade. E a necessidade não consiste apenas na falta de produtos no despensa, mas também o dinheiro emprestado para pagar o gás, o remédio ou o médico no final do mês, quando a grana fica mais curta. Com a experiência de trabalhar há 20 anos no mercado, Paulo avalia que a proximidade é a melhor forma de fidelizar o cliente. “Herdei do meu pai o carinho pelo cliente. Ele era um cara muito bom, com coração enorme. Quem compra aqui acaba virando nosso amigo.” Segundo a mãe, Leda Alcina da Silva, o filho é tranquilo e “trata todo mundo bem”, diz, sem esconder a emoção e o orgulho de ver o filho seguindo os passos do pai.

Comércio de bairro

Como diferença, ele aponta o fato de ser mais aberto à tecnologia. Dentro das limitações do pequeno negócio e do perfil de comércio de bairro, Paulo comenta que está atento às demandas apresentadas pelo seu público, como a oferta de autosserviço. A ideia dele é, aos poucos, criar uma ilha em que os consumidores possam visualizar melhor os produtos acondicionados nos refrigeradores. “As inovações são pedidas pelos consumidores, mas precisam ser implementadas aos poucos, em função do custo.” A aquisição de equipamentos mais modernos também está nos planos. A fachada original, com imponentes portas em madeira, fechadas no trinco, uma a uma, a cada fim de expediente, não deve mudar tão cedo.

Comércio vive renovação, mas há resistência

Constituído, prioritariamente, por negócios de pequeno e médio porte, o comércio varejista reúne mais de cinco mil estabelecimentos e mantém cerca de 33 mil empregos diretos na cidade, segundo dados do Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio-JF). Pelas contas do presidente Emerson Beloti, 90% das empresas são familiares, nascidas da vocação, da visão e do trabalho de famílias nascidas aqui ou que escolheram a cidade para viver. Como um curso natural, explica, os filhos desses empresários pioneiros, naturalmente “antenados” às novas tecnologias, começam a assumir os negócios, preocupados com a manutenção, mas também atentos à necessidade de inovação, como forma de diferenciar o negócio e ganhar competitividade. “Tudo caminha para a evolução da tecnologia no varejo”, aposta.

O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Marcos Tadeu Andrade Casarin, concorda. Segundo ele, é possível perceber um momento de transição no comércio juiz-forano. Casarin observa que os pioneiros do comércio que continuam em atividade, via de regra, estão acostumados com o modelo antigo do negócio e têm certa dificuldade para aceitar mudanças. Há, no entanto, a presença cada vez mais forte de filhos e até netos, que chegam para garantir continuidade ao negócio da família e percebem, naturalmente, a necessidade de investir em inovações. As ações concretas, avalia, dependem de cada negócio e do seu perfil. “Muitos ainda acham que a tecnologia é custo, mas, na realidade, significa investimento.”

Na avaliação do consultor do Sebrae Minas, Bruno Rodrigues Faria, no geral, os empresários tendem a ser resistentes a mudanças. “Percebo que há empresas mais jovens que estão muito abertas, o que não acontece muito com as mais tradicionais, por falta de conhecimento das oportunidades ou, até mesmo, pela falta de comportamento inovador.” O fato, observa o consultor, é que o mercado cobra avanços. “Hoje há muitas tecnologias acessíveis.” Além da divulgação via redes sociais, Bruno cita produtos da linha empresarial com custo controlável, como os sistemas de gerenciamento financeiro e de pesquisa de satisfação, que possibilitam ao empresário conhecer e organizar o negócio. “Com pequeno investimento é possível perceber os primeiros resultados.” Para ele, o mais importante é o empresário nutrir a mentalidade de renovação e se atualizar durante a caminhada, para que seja possível crescer e se desenvolver sem muitas dificuldades.

A importância da experiência de compra

Conforme a Fecomércio MG, os micros e pequenos negócios representam 99% dos estabelecimentos do setor mineiro, empregam 77% da mão de obra formal e são responsáveis por 72% da massa salarial paga pelo segmento, segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho. “Apenas com esses dados, já percebemos a importância do comércio varejista de pequeno porte. Juntos, esses negócios promovem, de forma direta e indireta, o desenvolvimento econômico e geram oportunidades”, avalia o economista Guilherme Almeida. Segundo ele, via de regra, são empresas familiares com baixo aparato tecnológico e menor exigência de qualificação da mão de obra.

De olho nessas características e consciente de que muitas inovações tecnológicas recentes não são acessíveis a este público, o economista considera que inovar no varejo vai muito além de aparatos caros e sofisticados. Na sua opinião, o pequeno varejo precisa investir em formas de atrair a atenção do cliente, atendendo às suas expectativas. “Se, para o pequeno varejista, a atuação no e-commerce é inviável, ele deveria, ao menos, ter uma atuação on-line para propagar sua marca.” Além da utilização das redes sociais, é importante investir no atendimento diferenciado, cuidar da vitrine da loja e do mix de produtos oferecido ao consumidor. Promoções e liquidações, bem como ações que permitam maior comodidade ao cliente, também têm potencial atrativo. “O cerne da questão está relacionado à experiência do consumidor”, avalia.

Para o diretor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Aldo Gonçalves, o comércio precisa se reinventar, não apenas vendendo produtos, mas oferecendo serviços associados e, principalmente, valorizando a experiência de compra. “Se o cliente comprar uma camisa, um mês depois já esqueceu o produto, mas vai se lembrar da experiência de compra, seja ela boa ou ruim.” No pacote, comenta, importam o atendimento, o oferecimento (quando possível) de vários canais de venda e a preocupação em inovar e agregar serviços. Conforme Aldo, é possível inovar sem usar tecnologia de ponta, lançando mão da gestão eficiente e criativa. “Os caminhos são vários. O importante é não ficar estático.”

Ciclo de mudanças cairá para cinco anos em 2020

Em palestra que abriu o segundo dia do Movimento para Inovação em Comércio e Serviços (MovIN 2018), realizado por CNC e Sebrae no mês passado, o consultor do Sebrae e instrutor líder do Empretec no Brasil, Cláudio Forner, falou da inovação como diferenciação de mercado. Para ele, grande parte do varejo brasileiro nos últimos quatro ou cinco anos está acometido por “certa miopia”. “Fala-se muito em crise econômica. Claro que seria utópico dizer algo contrário. Mas que tipo de crise é essa? Para mim, a grande crise que precisa ser combatida é a de envelhecimento dos negócios. É preciso perceber que grande parte do varejo brasileiro nasce envelhecido.”

Segundo Forner, o ciclo de mudanças que era de 30 anos passou para sete e até 2020 cairá para cinco anos. “A volatilidade está muito maior. Os negócios estão em transformação num mundo em movimento.” O especialista em empreendedorismo destacou, ainda, que o consumidor de hoje está mais capacitado e consciente. Na sua opinião, o varejo precisa buscar caminhos e soluções, que muitas vezes podem ser simples, como visual limpo e iluminação adequada, para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento em um mundo cada vez mais dinâmico. A digitalização e a conectividade também são consideradas fundamentais para a pequena empresa. O Empretec, do qual o consultor é líder, é um seminário desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU) promovido em 34 países, inclusive no Brasil.

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