Juiz de Fora acumulou, durante o ano de 2020, saldo negativo de 4.393 postos de trabalho perdidos. O desempenho é o pior da série história do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), iniciada em 2003. Até então, o maior estoque negativo fora registrado ao fim de 2015, quando os setores produtivos da cidade, entre admissões e demissões, registraram o encerramento de 3.806 empregos formais. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (28), pelo Ministério da Economia.
O desempenho negativo foi fiado, sobretudo, pelos setores de serviços e comércio, que fecharam, ao longo de 2020, respectivamente, 2.192 e 1.808 vagas celetistas. Além disso, atividades econômicas ligadas à indústria e à agropecuária também encerraram o ano com mais desempregados do que empregados. Ao passo que o primeiro encerrou 450 postos de trabalho, o segundo registrou 21 empregos a menos. O professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Fernando Perobelli acredita que o cenário se estende aos demais municípios. “Estamos num momento de ruptura na economia mundial. Se o Governo federal sinalizasse credibilidade na formulação e na condução da política econômica, os impactos seriam menores e a recuperação, mais rápida. Porém, o cenário é o oposto.”
Conforme Perobelli, o acumulado de 4.393 postos de trabalho perdidos expõe tanto os impactos da pandemia de Covid-19 quanto a estrutura produtiva na cidade. “Juiz de Fora tem uma característica forte de oferta de bens nos setores de comércio e serviços. Hipoteticamente, se nós estivéssemos em um município com 90% da atividade produtiva baseada na cadeia da saúde, desde o fornecimento de insumos e a fabricação de remédios até os serviços médicos, a pandemia não teria afetado tanto Juiz de Fora, porque esse é um setor que teve crescimento ao longo da pandemia. Em âmbito local, temos na estrutura produtiva setores que foram altamente afetados pela pandemia e que empregam muitas pessoas.”
O saldo anual negativo se concentrou, sobretudo, no segundo trimestre do ano passado, logo após os primeiros impactos sanitários e econômicos da pandemia. Os meses de abril, maio e junho somaram um acumulado de 5.511 empregos fechados. Apenas o terceiro e o quarto trimestres registraram saldo positivo de empregabilidade, 578 e 1.771, respectivamente, o que, para Perobelli, foi apenas uma oscilação, já que não compensaram as perdas anteriores. “Estamos em um momento de incerteza no lado sanitário, o que impacta a economia. Os balanços positivos dos terceiro e quarto trimestres são chamados por nós de inerciais. Houve um momento em que parecia que a pandemia estava arrefecendo, e a vacinação estava à vista. Mas, no Brasil, a vacina não se coadunou até o presente momento. Ainda estamos na incerteza de quantas doses vamos conseguir. E, na verdade, há um retrocesso na questão sanitária.”
Portas fechadas impactaram o mercado
O presidente do Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio/JF), Emerson Beloti, atribui o saldo de 1.808 demissões acumulado pelo setor ao longo de 2020 aos dias em que os estabelecimentos permaneceram fechados em razão das restrições de funcionamento impostas pela pandemia. “O comércio de Juiz de Fora ficou praticamente 140 dias fechados entre março de 2020 e janeiro de 2021, e isso tem um reflexo direto nos empregos. 90% das empresas têm até dez funcionários. Então, os estabelecimentos não têm gordura para segurar 140 dias fechados. Isso, evidentemente, acabou tendo consequências. Além disso, o empresário do comércio está um pouco receoso de ter que fechar novamente, então tem medo de contratar porque não sabe o que vem pela frente.”
Beloti acrescentou, ainda, que os empresários enfrentaram dificuldades junto às instituições financeiras para viabilizar os empréstimos. “A rede bancária foi muito restritiva em muitos contratos que poderiam ser firmados. Se alguém pede um empréstimo, é porque precisa do dinheiro, não é porque está saudável.”
No que diz respeito ao setor de serviços, Perobelli acredita que as mais de duas mil vagas extintas são explicadas pelas especificidades do setor em Juiz de Fora. “Temos uma parcela de serviços cujos funcionários puderam ir para o home office, como serviços de advocacia e tecnologia da informação. Mas os serviços que chamamos de menor qualificação, como o setor de beleza, por exemplo, não puderam fazer a transposição para o home office. Juiz de Fora tem um setor híbrido, desde aqueles com grande qualificação de mão de obra até os de serviços menos qualificados. Foi essa parcela que sofreu e resultou no grande número de perda de postos.”
Construção civil
O único segmento a apresentar performance positiva de admissões e demissões ao longo do último ano foi a construção civil. Entretanto, mesmo assim, com números tímidos: apenas 78 postos de trabalho abertos. “A recuperação do setor está relacionada a duas questões: não é muito impactado pela pandemia e ainda foi beneficiado, porque se criou uma oferta muito grande num momento em que a demanda estava diminuindo. Além disso, a construção civil tem uma questão de temporalidade. Nenhum empreendimento realizado hoje foi pensado hoje, mas há um ano, um ano e meio. Se a gente estivesse num momento normal, a construção civil poderia nos indicar uma aproximação de crescimento econômico, mas não estamos.”
‘Semestre de cautela’
Embora o terceiro e o quarto trimestres tenham apresentado balanços positivos de empregabilidade em Juiz de Fora, o mês de dezembro, assim como nos anos anteriores, voltou a registrar perdas, com 190 postos de trabalho fechados, o que aponta para perspectivas ruins em 202. Além do crítico quadro sanitário do país, o fim do auxílio emergencial deve influenciar diretamente na demanda aos setores produtivos. Inclusive, Fernando Perobelli atribui, em parte, à renda emergencial os saldos positivos de emprego registrados por Juiz de Fora no segundo semestre do ano passado.
O economista desacredita em qualquer recuperação econômica no primeiro semestre deste ano. “Continua sendo uma semestre de cautela. Os panoramas nacional e internacional não mudaram muito. Outros países têm vacinado mais, mas temos uma nova cepa do vírus. O Brasil, atrás neste processo de recuperação sanitária, não acompanha a velocidade do mundo na vacinação, o que traz incerteza para o investidor e para os empresários que querem retomar o negócio. O momento é de muita cautela pelo lado da oferta. Pelo lado da demanda, temos o fim do auxílio emergencial. Nós não temos perspectiva de crescimento da economia brasileira em curtíssimo prazo. Já o segundo semestre vai depender muito do comportamento na pandemia.”
Além disso, incertezas em relação à condução da política internacional também são ponderadas por Perobelli ao projetar a empregabilidade em 2021. “Estamos vivendo um cenário forte de incertezas no Brasil e um cenário ainda não delineado no que se refere aos principais players do cenário internacional, como os Estados Unidos e a União Europeia. Temos que olhar o cenário internacional, porque rebate na nossa economia. No cenário nacional, é ainda mais delicado, pela nebulosidade que ronda o Governo federal.”