Ícone do site Tribuna de Minas

‘Tarifaço’ levanta temor de alta no preço da carne no mercado doméstico

Acougue Foto Leonardo Costa
WhatsApp Image 2025 08 07 at 12.33.56
Consumidor pode encontrar preços elevados. Entretanto, motivo não é apenas o tarifaço. (Foto: Leonardo Costa)
PUBLICIDADE

Para reequilibrar as exportações após a tarifa de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil busca alternativas internas enquanto tenta avançar no diálogo com os norte-americanos. Uma das medidas adotadas é a compra de produtos pelo próprio Governo, como forma de reduzir os impactos sobre as empresas com foco em exportação. A iniciativa integra o Plano Brasil Soberano e beneficia exclusivamente produtores e exportadores brasileiros afetados pelas tarifas adicionais, oferecendo também uma saída para o escoamento da produção.

Com a nova regra, estados, municípios e o Distrito Federal poderão adquirir alimentos perecíveis atingidos pelas taxas. Entre os produtos contemplados estão açaí, água de coco, castanhas de caju e do Pará, manga, mel, pescados e uva.

Os itens serão destinados à merenda escolar, às Forças Armadas, a hospitais e a programas de segurança alimentar. As compras ficarão sob responsabilidade exclusiva dos órgãos e entidades da administração pública contratantes. No entanto, produtos de maior peso na pauta exportadora brasileira, como café, suco de laranja e carne bovina, não foram incluídos.

PUBLICIDADE

A tarifa de 50% entrou em vigor no último dia 6 e atinge 35,9% das mercadorias enviadas ao mercado norte-americano, o que corresponde a 4% das exportações brasileiras. Apesar do impacto, cerca de 700 itens ficaram isentos da medida — mas café, suco de laranja e carne bovina não estão nessa lista.

Segundo maior mercado de carne bovina

Os Estados Unidos são o segundo maior mercado da carne bovina brasileira. Em 2024, o Brasil exportou 532 mil toneladas do produto, com receita de US$ 1,6 bilhão. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), a nova tarifa, somada à alíquota já existente de 26,4%, eleva a carga tributária total para mais de 76%, o que pode comprometer a viabilidade econômica das exportações.

Antes da entrada em vigor do ‘tarifaço’, as exportações brasileiras de carne bovina in natura alcançaram um recorde histórico. De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), em julho foram embarcadas 310,2 mil toneladas, aumento de 15,3% em relação a junho e 4% acima do recorde anterior registrado em outubro de 2024, que somava 298,24 mil toneladas (considerando carne in natura e processada).

PUBLICIDADE

A receita obtida com as exportações também foi a maior já registrada, totalizando R$ 9,2 bilhões. Para os Estados Unidos, o volume exportado se manteve praticamente estável, com 18.235 toneladas – duas toneladas a mais que em junho. No entanto, a participação do país nas vendas totais caiu de 6,8% para 5,9%, segundo o sistema Agrostat, do Ministério da Agricultura.

A elevada demanda internacional, especialmente por parte da China, Chile e México, foi um dos principais fatores que sustentaram o desempenho positivo do setor.

PUBLICIDADE

Preço da carne deve seguir em alta no segundo semestre

Apesar dos números positivos, produtores e consumidores demonstram preocupação quanto aos impactos internos da tarifa. De acordo com o coordenador de pecuária do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Thiago Bernardino, 70% da produção bovina permanece no mercado interno, o que reduz o risco de impacto duradouro. Segundo ele, eventuais aumentos de preços tendem a estar mais ligados à elevação das exportações e à recuperação do consumo doméstico.

O coordenador destaca que o valor da carne bovina no Brasil costuma subir no segundo semestre por fatores climáticos e de oferta. Com o chamado “final de safra”, a redução do pasto entre junho e julho leva pecuaristas a optarem pelo abate ou por manter os animais com suplementação alimentar. Isso influencia na dinâmica de preços no segundo semestre, independentemente da nova tarifa.

O cenário global também contribui para a sustentação de preços. A oferta de carne bovina é uma das menores dos últimos 20 anos devido à queda da produção em outros países, o que posiciona o Brasil de forma estratégica no mercado internacional. “A expectativa do setor é de manutenção ou valorização dos preços, com eventuais oscilações em agosto influenciadas por datas comerciais, como o Dia dos Pais e fim de férias escolares.”

PUBLICIDADE

A possível elevação de tributos e o repasse aos consumidores pode afetar a demanda interna. Bernardino observa que carnes mais baratas, como frango e suína, ganham espaço quando os preços da carne bovina sobem. “Ainda assim, a expectativa é de preços firmes no segundo semestre, sustentados pela demanda interna e pelo bom desempenho nas exportações.”

Questionado sobre o impacto direto da tarifa no mercado interno, o coordenador avalia que, no curto prazo, a medida pode até ampliar a oferta interna e pressionar os preços para baixo. No entanto, no longo prazo, essa oferta pode cair à medida que a demanda externa se estabilize ou cresça.

De acordo com o acumulado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 12 meses, o preço da carne sofreu aumento de 23,63%. Entre as partes bovinas que mais apresentaram aumento estão acém (28,65%), patinho (25,50%) e alcatra (24,13%). 

PUBLICIDADE

Tarifa afeta exportações, mas pode conter inflação

O economista e professor da Faculdade de Economia da UFJF, Weslem Faria, explica que a tarifa prejudica a competitividade dos produtos brasileiros no mercado americano. Segundo ele, a carne e o café brasileiros passam a competir com produtos de outros países que não foram afetados, o que reduz o apelo dos produtos nacionais nos Estados Unidos.

Faria também avalia que a medida pode provocar maior disponibilidade de produtos no mercado interno, o que tende a reduzir os preços e aliviar a inflação. Por outro lado, alerta para possíveis efeitos negativos nas atividades exportadoras, como queda na produção, desemprego e redução de renda em setores afetados. “Sem renda, o consumo também é afetado. Por esse lado, é possível haver pequenas recessões nos segmentos mais voltados à exportação”, analisa. 

Apesar dos riscos, o economista destaca que o Brasil não é altamente dependente das exportações em termos gerais. “Há, sim, setores específicos com maior exposição, e o Governo tem demonstrado atenção a esses casos. Ainda assim, para o consumidor médio brasileiro, a tendência é de que esse tarifário contribua para a redução da inflação.”

De acordo com Bernardino, as projeções indicam aumento nos preços da carne no curto prazo para os consumidores finais que compram a proteína para o consumo diário ou para eventos como churrascos. Inicialmente, houve aumento na oferta no mercado interno devido a fatores sazonais e especulações sobre a nova tarifa. No entanto, a previsão atual aponta para um aumento nos preços, seguindo a tendência habitual do mercado pecuário no segundo semestre.

“Segundo a análise, esse movimento é independente do “tarifaço” e está mais relacionado ao comportamento histórico do setor. O Brasil, por deter o maior rebanho comercial do mundo, ser o maior exportador e o segundo maior produtor de carne bovina, mantém posição estratégica na produção e no escoamento para o mercado internacional. Com um cenário de consumo doméstico aquecido e exportações em alta, a tendência é que o consumidor encontre preços mais elevados.”

*estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa

Sair da versão mobile