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Cinco mil têm transporte por aplicativo como renda

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Após três anos da chegada das plataformas de deslocamento por aplicativo em Juiz de Fora, a necessidade de repensar e planejar o setor de transporte de acordo com esta nova realidade tornou-se urgente. Com usuários cada vez mais conectados, outros serviços alegam queda significativa na demanda. A análise é de que o sistema de transporte deve ser reformulado como um todo, a partir de investimentos em qualidade e da compreensão das questões econômicas, sociais, culturais e de mobilidade urbana que englobam a atividade.

O sistema de transporte é responsável por gerar cerca de 9.500 ocupações, considerando aplicativos, ônibus e táxis. Deste total, em torno de cinco mil são motoristas parceiros ativos das três plataformas presentes na cidade – Uber, 99Pop e Para Elas Mobilidade -, o que corresponde a mais da metade (52%) deste universo. A consolidação desta atividade ocorreu em meio ao cenário de crise econômica e alto índice de desemprego e representou a oportunidade de geração de renda para muitos profissionais. De acordo com a estimativa da Associação dos Motoristas de Aplicativos de Juiz de Fora (AmoAplic/JF), cerca de 1.500 motoristas atuam de forma exclusiva nesta função. “São trabalhadores que sustentam suas famílias com esta fonte de renda. Para isso, trabalham muito, de dez a 12 horas por dia”, afirma o presidente da associação, Júlio César Peixe.

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Segundo AmoAplic,  cerca de 1.500 motoristas  parceiros têm a atividade como  única fonte de renda (Foto: Fernando Priamo)

Os demais motoristas, avalia, têm o objetivo de complementar a renda. “Temos muitos aposentados e estudantes que trabalham nos aplicativos. É uma forma de conseguir um dinheiro extra para ajudar em casa, pagar os estudos e ter uma vida mais digna. A nossa atividade tem importância econômica e social”, avalia Peixe. “A nossa renda movimenta outros setores da economia. É um impacto positivo para postos de gasolina, comércio e construção civil. Temos histórias de motoristas que começaram trabalhando com veículo alugado e hoje têm o próprio carro e, também, de quem está pagando apartamento.”
O número exato de juiz-foranos que usam as plataformas é desconhecido, mas a adesão é grande. Em poucos meses de operação, o aplicativo Para Elas Mobilidade contabilizou 2.030 passageiras cadastradas. “A nossa proposta é fomentar o universo do gênero feminino. Desde o lançamento, em junho, atendemos mais de mil corridas”, explica a CEO do aplicativo, Hyamanna Souza.

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A empresa 99 não informou os dados locais, mas destacou o trabalho realizado na cidade. “Estamos em Juiz de Fora há mais de um ano com as categorias 99Pop, para carros particulares, e 99Táxi. Defendemos a integração com outros modos de transporte e políticas públicas eficientes para a construção de cidades mais inteligentes.” Procurada pela Tribuna, a assessoria da Uber não se manifestou sobre o assunto.

Regulamentação

Apesar do grande número de profissionais e usuários, a atividade ainda não foi regulamentada em Juiz de Fora. Em audiência pública, realizada na última quarta-feira (20) na Câmara Municipal, o secretário de Transporte e Trânsito, Eduardo Facio, informou a intenção de encaminhar, na próxima semana, o projeto de lei para a regulamentação do serviço à Casa. A tramitação da matéria foi suspensa em maio deste ano após o entendimento de que o texto original deveria se readequar às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. Em nota enviada à Tribuna, na quinta-feira (21), a assessoria da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) declarou que “a pasta irá realizar as alterações necessárias no documento para que ele seja reencaminhado ao Legislativo” e que “a proposta deve atender à Regulamentação exigida na Lei Federal 12.587, de 3 de janeiro de 2012, alterada pela Lei Federal 13.640/2018, artigos 11A e 11B.”

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Trabalhadores de ônibus e táxis estão apreensivos

Settra planeja reestruturação da oferta de ônibus e medidas para melhorar experiência em táxis (Foto: Fernando Priamo)

Se, por um lado, há cerca de cinco mil profissionais que encontraram alternativa de renda em tempos de crise por meio dos aplicativos, do outro há quase 4.500 apreensivos com a possibilidade de desemprego. A migração dos passageiros de ônibus e táxis para as plataformas trouxe desequilíbrio da demanda entre esses meios de transporte e expôs a urgência de o Município repensar todo o sistema, de forma que ele se mantenha sustentável para os próximos anos.

Dados do Sindicato dos Taxistas apontaram redução de 56% nas corridas de táxis este ano. “A média do nosso faturamento bruto por mês era R$ 7.033 no ano passado. Este ano passou para R$ 6.200. É com esse dinheiro que pagamos combustível e as outras despesas, que aumentaram nesse período. A margem de lucro só está caindo e, por isso, tem sido difícil encontrar motoristas que queiram trabalhar nos táxis”, diz o presidente do sindicato, José Moreira de Paula.

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Segundo ele, a categoria reunia em torno de 1.250 taxistas, entre permissionários e auxiliares, em 2017. “Agora temos cerca de mil pessoas. Muitos carros que rodavam com dois motoristas agora circulam apenas em um horário, pois não há profissionais interessados.” Nos últimos dois anos, a frota também diminuiu, passando de 650 táxis para 600. “Muitos taxistas tiveram o carro recolhido por não conseguirem pagar a taxa de outorga exigida na licitação.”

Tecnologia

Para fazer frente à concorrência, o serviço de táxi também recorreu às tecnologias e passou a disponibilizar aplicativos que garantem descontos, como Vá de Táxi, 99Táxi e Táxi Gold. “Também temos equipamentos tecnológicos que contribuem para oferecer maior segurança nas viagens, como câmera, rastreador de GPS e biometria. Mas, em tempos de crise, o usuário prioriza o preço, e nós estamos sem condições de concorrer com os aplicativos. A nossa carga é muito pesada, temos uma série de exigências a serem cumpridas: recolhimento do INSS em dia, carro em boas condições para vistoria e com idade máxima de seis anos, além do próprio pagamento da outorga.”

Para José, a regulamentação do transporte por aplicativo é o caminho para se chegar ao equilíbrio da demanda entre os meios de transporte. “Não podemos parar a tecnologia. É preciso dar condições para que os aplicativos continuem trabalhando sem prejudicar os ônibus e os táxis.”

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Ônibus

A preocupação com relação ao futuro do sistema de transporte também atinge motoristas e cobradores de ônibus, categorias que reúnem cerca de 3.500 trabalhadores. “Nós temos acompanhado a queda da demanda de passageiros em alguns horários. A nossa preocupação é que o interesse da Prefeitura em reduzir a frota acarrete em demissões”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário (Sinttro), Vagner Evangelista Correa. “Mas se houver diminuição dos ônibus, iremos lutar para que os profissionais sejam remanejados.”

A migração dos passageiros de ônibus e táxis para as plataformas trouxe desequilíbrio da demanda entre esses meios de transporte (Foto: Fernando Priamo)

Em entrevista à Tribuna no último dia 12, o secretário de Transporte e Trânsito, Eduardo Facio, disse que a Prefeitura iniciou estudo para promover uma reestruturação do transporte público coletivo para adequar a oferta à redução da demanda. Entre as possíveis medidas a serem implantadas estão a diminuição do número de veículos e dos pontos de ônibus, além da redefinição de trajetos.

‘A cidade vai parar de andar’, diz especialista

Na avaliação do especialista em planejamento de transporte urbano e engenharia de tráfego, Luiz Antônio Costa Moreira, além da relevância econômica, as questões culturais, sociais e de mobilidade urbana devem ser consideradas na hora de repensar o sistema de transporte. “As novas tecnologias vieram para trazer mais uma opção aos passageiros e estão aí para serem usadas, fazem parte da cultura dos brasileiros e não há como fugir disso. Mas Juiz de Fora precisa melhorar o sistema como um todo, pois ele é insuficiente. Se continuar assim, não teremos mobilidade urbana, e a cidade vai parar de andar.”
Ele destaca que o aumento do transporte individual em detrimento do coletivo significa colocar mais carros nas ruas e, consequentemente, criar mais retenções no tráfego. “O modelo de transporte público coletivo que temos foi criado na década de 1980, e está ultrapassado, esgotado. Como ele não atende os usuários com o padrão de qualidade que deveria ter, é normal que as pessoas migrem para o transporte individual, seja por meio dos aplicativos ou veículos próprios. Isto já tem causado dificuldades no trânsito, que só tendem a piorar nos próximos anos se nada for feito.”

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Além da qualidade, o especialista avalia que o preço também é considerado pelos usuários. “Neste sentido, é preciso reformular o transporte público coletivo para que o número de passageiros pagantes não continue em queda. Se isto acontecer, a migração para o transporte individual será maior e teremos um problema social, em que os mais pobres terão que arcar sozinhos com todo o sistema.” Luiz defende uma política de investimentos em qualidade, que ofereça mais conforto, agilidade, segurança e acessibilidade no serviço. Sobre os táxis, ele acredita que a regulamentação do serviço de aplicativo é necessária para equiparar os custos de ambos os meios.

Município estuda mudanças no transporte

A Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirmou que pretende realizar mudanças nos serviços de transporte da cidade. Há três meses, iniciou estudos para a reestruturação da oferta de ônibus, que deve sofrer alterações a partir de 2020. Com relação aos aplicativos, a expectativa é que o texto sobre a regulamentação seja encaminhado à Câmara Municipal na próxima semana. Já para os táxis, estão sendo planejadas medidas que possam melhorar a experiência das viagens. “A Settra vem trabalhando em um projeto de lei, contendo mudanças que contribuirão para a qualidade do serviço sem aumentar os custos”, declarou em nota.

Sobre a possibilidade de “equilibrar” a demanda de usuários entre os três meios, a pasta afirma que o termo não é o mais correto a ser utilizado. “Os conceitos desses transportes são diferentes”, destaca. “No caso do táxi, há uma permissão que regulariza e fiscaliza uma série de itens. No do transporte por aplicativo, há uma autorização, e a relação desse serviço com o poder concedente é com a empresa e não com os motoristas”, diferencia. “Ainda que o objeto dessas duas modalidades de serviço seja o mesmo, existem regulamentações diferentes para ambas. Dessa forma, não há como equilibrar a concorrência, mas, sim, estabelecer novas regulamentações legais para ambas modalidades de transporte para harmonizar o convívio delas.”

Com relação aos ônibus, a Settra afirmou que “vem investindo na qualidade do transporte público coletivo, oferecendo wi-fi, GPS, bilhetagem eletrônica e acessibilidade. Além disso, foi implantada a faixa exclusiva para os ônibus em algumas áreas da cidade, permitindo melhor fluidez do trânsito. A pasta também vem intensificando a fiscalização, com o objetivo de acompanhar o atendimento de qualidade aos usuários.”

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