Com a retomada gradual de diversos setores econômicos, os debates estão se voltando, também, para a área da educação. De acordo com o Mapa de Retorno das Atividades Educacionais Presenciais no Brasil, elaborado pela Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep), até a última sexta-feira (21), dois estados tiveram o retorno das aulas presenciais autorizado – Amazonas e Maranhão. Enquanto isso, dez estados estão elaborando dados para garantir a volta de maneira segura ou com propostas para abertura parcial. Outros 14 estados e o Distrito Federal ainda não possuem nenhuma previsão. Entre eles, está Minas Gerais. Especialistas defendem que a volta das atividades educativas de maneira presencial ocorra após rigorosas avaliações epidemiológicas. Mesmo que ainda não haja perspectiva sobre quando isso deve ocorrer, o assunto vem sendo debatido, e instituições da rede privada de ensino em Juiz de Fora já buscam elaborar planos e treinar seus funcionários e colaboradores para um eventual retorno às salas de aula.
Atentando-se às demandas do setor, o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino da Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe/Sudeste) constituiu um grupo de trabalho de diferentes segmentos educacionais para estudar sobre a futura retomada das atividades presenciais, de acordo com a vice-presidente da categoria, Anna Gilda Dianin. A equipe irá atuar em três áreas: logística, pedagógica e de treinamento. A primeira objetiva auxiliar os estabelecimentos na definição e na aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e outros insumos necessários. Já a área pedagógica deverá orientar quanto aos procedimentos de escrituração, adaptação de calendários e avaliação diagnóstica, entre outros pontos. Por último, o Sinepe/Sudeste entende que todos os trabalhadores da área de educação devem passar por um treinamento, “visto que a retomada das atividades implicará a adoção de novas condutas e, para isso, todos devem estar preparados”, aponta Anna Gilda.
Conforme destacado pela categoria, as atividades só irão retomar a partir do aval de autoridades de saúde, com as devidas medidas impostas pelos órgãos responsáveis. “O Sinepe/Sudeste entende que a questão da retomada está essencialmente ligada às decisões dos setores de saúde. Isto porque independe da vontade dos gestores dos estabelecimentos de ensino. Do mesmo modo, quanto aos protocolos: a matriz é produzida pelos órgãos governamentais da educação e da saúde. Os estabelecimentos de ensino podem apenas aprimorar”, ressalta a vice-presidente do Sinepe/Sudeste.
Preocupação
Representando os trabalhadores, o Sindicato dos Professores de Juiz de Fora (Sinpro-JF) acredita que ainda não é o momento para uma retomada das atividades presenciais, visto que a situação da pandemia em Minas Gerais não está controlada, com números de novas contaminações e óbitos significativos. “Não há problema em traçar medidas, protocolos e conversar a respeito. O problema é a escola retornar em um período em que a pandemia ainda representa um grande perigo para a sociedade”, explica a coordenadora do Sinpro, Maria Lúcia Lacerda.
Conforme apontado pela coordenadora, por mais que existam medidas de segurança, a forma de funcionamento das escolas traz uma preocupação em relação a segurança da comunidade escolar. “Para além de ambiente de aprendizagem, a escola é um ambiente também de convívio dos estudantes”, diz Maria Lúcia. “Não acredito que seja o momento de retomar. Os especialistas em saúde inclusive têm apontado para isso: o momento ainda é de resguardar, é de ficar em casa e pensar nos profissionais, nas suas famílias e nas famílias dos alunos também. Isso colocaria muita gente em risco.”
Estabelecimentos elaboram planos para retorno gradual
No mês passado, o Ministério da Educação (MEC) aprovou um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre orientações para realização de aulas e atividades pedagógicas no contexto da pandemia, seja de forma presencial ou não. Uma das indicações do documento é que, no caso presencial, a retomada ocorra de maneira gradual, dando preferência, por exemplo, para alunos que estejam encerrando ciclos (9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio).
Levando em conta as diretrizes do CNE, bem como da Associação Nacional das Escolas Católicas, a Rede de Educação Santos Anjos elaborou um protocolo de saúde. “Nos antecipamos a isso justamente porque podemos ser pegos de surpresa com um retorno repentino às aulas, dependendo de como a pandemia se manifestar no nosso município”, explica a diretora pedagógica do Colégio dos Santos Anjos em Juiz de Fora, Cátia Maria Rodrigues da Silva.
A unidade deverá adotar um modelo híbrido de educação, que funciona de forma presencial e on-line. Com a eventual retomada, parte dos alunos irá assistir as aulas de maneira presencial, e outra parte, por meio de uma plataforma digital. De acordo com Cátia, para que isso venha a acontecer, todos os funcionários e colaboradores do colégio passaram por treinamento para segurança própria e dos alunos. A escola também adquiriu materiais, como tapetes sanitizantes, álcool em gel e termômetros. Além disso, o fluxo de entrada e saída foi remanejado, e as salas de aulas, planejadas com distanciamento de dois metros. “Sabemos que a retomada precisa acontecer com muita segurança. Estamos trabalhando com as aulas on-line e aguardando, mas com muita consciência de que as autoridades vão ser bastante prudentes quando sinalizarem esse retorno”, diz Cátia.
Acolhimento socioemocional
Em agosto, completam cinco meses desde o primeiro caso de coronavírus em Juiz de Fora e, consequente, a implantação de medidas para conter a pandemia, entre elas, suspensão das aulas presenciais em todo o município. Quando houver a retomada, os alunos terão que lidar com uma outra realidade. “Eu penso que vai ser como recomeçar um ano letivo, mas com novas regras”, compara Cátia. A fim de auxiliar os estudantes, bem como os funcionários, o Colégio dos Santos Anjos também tem trabalhado com acolhimento socioemocional, a fim de prepará-los, também, para o novo modelo de convivência. “Estamos distantes fisicamente, mas temos recursos tecnológicos que podem nos ajudar a ficar mais próximos, a levar uma palavra e um incentivo”, explica. “É tudo muito novo – para a escola e para a família – e um desafio muito grande. Mas temos consciência de que só poderemos voltar quando houver, realmente, uma segurança, e essa segurança só vai ser dada pelos órgãos e autoridades de saúde em primeiro lugar.”
Protocolos devem sofrer alterações
Já se preparando também para uma eventual retomada, o Colégio Metodista Granbery conta com uma equipe diretiva elaborando a logística do espaço físico e o orçamento de produtos e materiais, seguindo as diretrizes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e orientações de saúde, como adiantou a diretora da instituição, Cleide Rocha. “Desde quando iniciamos as aulas remotas, o Granbery, através da Educação Metodista, vem acompanhando e preparando o que chamamos de Plano de Retomada Presencial, com todas as informações, diretrizes e orientações dos órgãos educacionais e de saúde”, explica. “O plano está pronto, porém, não está encerrado. Até o nosso retorno, alterações serão necessárias de acordo com as orientações municipais, estaduais e federais.”
Conforme a diretora, a unidade vai adotar todas as medidas estruturais e de saúde possíveis para quando houver a retomada, como estruturação do espaço para distanciamento físico, ações de sanitização e limpeza, bem como planos de emergência e de entrada e saída dos alunos. O projeto também visa ao controle de pessoas por espaço físico, não descartando, desta forma, a implantação de aulas híbridas. Mesmo com todas as mudanças necessárias para o futuro retorno das atividades presenciais, Cleide acredita que os estudantes – de faixa etária entre um e 17 anos – devem se habituar naturalmente às novas normas. “Tivemos uma excelente adaptação ao trabalho home office, às aulas remotas e, certamente, conseguiremos vencer mais uma etapa dessa escola que hoje chamamos de 4.0. O Granbery está buscando, aprendendo e se preparando para esse novo momento.”
Pesquisa entre pais
Em Juiz de Fora, o Sistema Degraus de Ensino também elaborou um protocolo com medidas consideradas essenciais, entretanto, conforme explica o diretor pedagógico da instituição, Rodrigo Mendonça, o mesmo também deverá passar por ajustes após determinações dos órgãos públicos de saúde e educação. Enquanto isso não ocorre, a escola está realizando pesquisa com pais e responsáveis dos alunos a fim de entender o que pensam sobre a futura retomada das aulas presenciais, bem como verificar aqueles estudantes que possuem comorbidades ou convivem com pessoas de grupo de risco para a Covid-19. “Baseado nessas pesquisas que estamos começando a fazer, nós estamos nos preparando para esse cenário. É muito possível que a gente precise de dois formatos de ensino: um de maneira presencial e outro de uma maneira a transmitir esse conteúdo para quem estiver em casa”, explica Rodrigo.
A escola está trabalhando com diferentes cenários, que englobam alunos estudando presencialmente ou de forma remota, bem como professores que, por serem do grupo de risco, possam ter a necessidade de manter o trabalho em home office. Também, por contarem com alunos que, atualmente, estão vivendo fora do Brasil, o Degraus deve manter o ensino remoto até, pelo menos, no final deste ano, de acordo com o diretor. “Nós temos várias configurações que precisam ser levadas em consideração.”
Em relação às mudanças que a instituição deve adotar futuramente para receber os alunos, Rodrigo acredita que serão mais comportamentais do que físicas. A escola realizou medidas nos espaços para verificar a questão do distanciamento e, como possui um número menor de alunos e salas com áreas maiores, o Degraus teria capacidade de receber todos os estudantes de maneira presencial, mantendo o distanciamento indicado de dois metros. “O que teremos que estudar, e vai depender do protocolo do Estado, é se poderemos receber todos os alunos e em quais condições. Fisicamente, temos investido em sinalização e em protocolos sanitários. Alguns comportamentos terão que mudar: os alunos levarem garrafa própria de água para a escola, para não usarem o bebedouro, o uso dos banheiros, o recreio vai ter que ser em sala e não vai poder todo mundo ir para o pátio”, exemplifica.
Especialista aponta cuidados necessários
A retomada das atividades presenciais depende de debates que vão além das questões educativas, englobando pontos sociais e, mais importante atualmente, epidemiológicos. Conforme a professora de Políticas Públicas e Gestão Escolar da Faculdade de Educação da UFJF, Elita Martins, por conta da geografia do Brasil, a pandemia está ocorrendo de forma diferenciada em cada região, o que pode refletir na forma de tratamento às escolas. Além disso, o país apresenta grande diferença na distribuição de riquezas e, consequentemente, desigualdade social. “Pensar em recomeçar as aulas é pensar se realmente temos condições de garantir esse retorno sem comprometer a saúde das crianças, dos professores e dos familiares dessas crianças, de toda a rede que está envolvida no processo de início das aulas.”
Independente da rede privada ou pública, alguns aspectos devem ser considerados para que o retorno das atividades não impacte o sistema de saúde, ampliando o número de casos de contaminação pelo coronavírus. “Isso implica em investimento, então as escolas vão precisar ter os recursos necessários para garantir número menor de alunos nas turmas; estabelecer diálogo com a família para garantir que o protocolo de segurança seja de fato seguido; e tem que pensar no acolhimento dos professores que também tiveram suas vidas impactadas”, exemplifica a especialista.
Além dessas medidas, as escolas também irão precisar de ações específicas de sanitização, como garantir produtos e equipamentos, bem como pessoal em número suficiente para a devida higienização das instituições. “Nem todas as escolas particulares têm, de fato, recursos para isso. No serviço público, essas situações se complicam. Os municípios estão enfrentando dificuldades porque já têm problema de arrecadação de imposto pela própria crise gerada pela pandemia. Em escola pública tem sempre mais dificuldade do ponto de vista de estrutura física, número de funcionários, instalações e grande número de alunos por turma.”
Mudanças
Até que as aulas presenciais retornem, as instituições já precisaram se adaptar, implantando ensino remoto como alternativa. Para os próximos meses, o modelo deve permanecer. Na última terça-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Medida Provisória 934, que desobriga as escolas de educação básica do cumprimento da quantidade mínima de 200 dias letivos. Entretanto, uma carga horária mínima deverá ser cumprida, mesmo que parte seja compensada em 2021. Desta forma, o CNE recomenda que outras atividades sejam usadas para tentar suprir o que esteve em falta durante 2020, como lembrado pela professora da Faculdade de Educação da UFJF, Elita Martins. “Você poderia ter a permanência da utilização de atividades on-line, pode ter o retorno do aluno em outros horários – mas isso depende da estrutura da escola e da própria condição da família, e se não tiver uma vacina, isso se complica. Também tem a possibilidade de atividades extras serem enviadas como forma de complementação, então outras alternativas vão ser necessárias em 2021.”
Para além de adaptações estruturais e da maneira de ensino, é possível que a pandemia deixe outras lições para a área da educação. “Nós acreditamos que a situação escolar vai sofrer mudanças, seja do ponto de vista de como a família percebe a importância da escola, a partir do momento em que ela teve essa experiência de cuidar da escolarização do seu filho em casa; seja porque os alunos e os professores precisaram lidar com uma intensidade de recursos tecnológicos; seja porque as pessoas sentiram a falta das relações interpessoais, que é algo extremamente importante no processo educativo e não conseguem ser substituídas com as ferramentas on-line”, exemplifica.
Índice de contaminação deve estar abaixo de 1, defende infectologista
Com a pandemia do coronavírus, diversos parâmetros são apontados como indicativos para retomada de atividades, entretanto, o principal a ser levado em conta é o número de novas contaminações para cada cem mil habitantes, de acordo com o infectologista Ronald Roland. Por exemplo, no caso de pacientes curados, por mais que seja um dado positivo, não fundamenta condutas porque é natural que um grande número de pessoas se cure da doença. “O que acredito é que temos que olhar o percentual de casos novos que estão ocorrendo. Se o retorno acontece com o número de casos ainda grande na comunidade, você tem concentração de pessoas e ambiente propício. Isso já ocorreu em outras partes do mundo, em países que conseguiram fazer interrupções grandes, que ficaram em situações favoráveis, mas que, quando voltaram, tiveram problemas.”
Segundo o especialista, a incidência de casos novos deve apresentar valores menores que um para se debater sobre a retomada de atividades presenciais nas escolas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada de Juiz de Fora é de 568.873 habitantes. Na última quinta-feira (20), a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) confirmou 33 novos casos de Covid-19 na cidade. Desta forma, foram 5,8 novos casos para cem mil habitantes.
A preocupação com a retomada de aulas presenciais, de acordo com Roland, é com o início de um novo ciclo da doença. “Mesmo que as crianças possam, eventualmente, ter um prognóstico melhor ou um adoecimento mais brando, elas vão transmitir para outras pessoas que têm chance de ter a doença de forma mais grave”, aponta.
Como exemplo, o infectologista cita o caso de Israel, onde houve controle de contaminação, entretanto, ao retomarem as atividades nas escolas, foi verificado novo avanço do vírus. “Não estou falando que vai acontecer, mas pode acontecer. Se for em um valor muito grande, o número de leitos no SUS e no privado é pequeno. Tem que pensar nessas consequências, mesmo que sejam pouco prováveis”, afirma.