Comércio e tecnologia. Unir estes dois conceitos é desafio que vem sendo enfrentado por empreendedores de Juiz de Fora em busca de expansão e qualidade. De um lado, a cidade concentra diversas instituições de ensino e pesquisa, impulsionando a criação de um polo de conhecimento e inovação. Hoje há cerca de 30 startups no mercado em plena atividade. Do outro, o tradicional comércio de atacado e varejo, uma das principais atividades econômicas do município, somando quase cinco mil estabelecimentos.
Tendo mais de 90% das empresas de pequeno porte, o comércio apresenta questões específicas a serem solucionadas, como a necessidade de adequação à mudança de perfil do consumidor diante do maior acesso à internet e aos smartphones; o aumento da concorrência com o e-commerce; a importância de assegurar excelência no atendimento mesmo com a alta rotatividade dos funcionários; e, principalmente, a urgência de aumentar as vendas no contexto de perdas vividas
nos últimos anos com a crise econômica no país. Unir estas pontas pode ser a alternativa para trilhar este percurso, promovendo o desenvolvimento econômico.
As startups juiz-foranas estão atentas às possibilidades, e parte delas tem direcionado o trabalho para este nicho. “As empresas atendem vários setores, incluindo o comércio. Temos desde aplicativo de delivery até soluções para aproximar a relação com o consumidor ou realizar o treinamento de funcionários. Há produtos que são desenvolvidos para grandes empresas e outros que são direcionados a resolver as demandas dos pequenos negócios. Temos uma produção muito diversificada e que tende a aumentar, pois, além das startups que já operam, temos aquelas em estágio inicial de criação que não conseguimos quantificar”, avalia o cofundador da empresa MercadoLead.com e um dos empreendedores que atuam na organização do ecossistema de startups juiz-forano, Marcelo Hallack.
Apesar da vasta oferta, ele afirma que a procura na cidade ainda é pequena. “O retorno de quem faz uso das soluções tecnológicas é sempre muito positivo. Há relatos de crescimento das vendas, aumento de eficiência e produtividade, agilidade no tempo de entrega, satisfação do cliente e redução de custos. As nossas startups atendem o Brasil inteiro e algumas estão ganhando espaço no exterior, mas ainda encontram dificuldades para vender no mercado local. Acredito que falta visibilidade desta produção para que possamos disseminar a cultura do uso da tecnologia. Juiz de Fora tem tudo para se tornar uma cidade inovadora.”
O gerente regional do Sebrae, João Roberto Marques Lobo, acredita que a maior aceitação das soluções tecnológicas nos grandes centros seja algo natural, mas também concorda que há muito potencial em Juiz de Fora a ser explorado. “A concorrência de mercado é muito maior nas grandes cidades e, por isso, é mais comum as empresas recorrerem à tecnologia. Quem não se adapta não sobrevive”, enfatiza. “Este é um processo que os empresários locais estão acompanhando, e vemos que, aos poucos, esta cultura está sendo desenvolvida por aqui.”
Para João, um dos principais entraves para a consolidação de uma cultura inovadora é a preocupação com os custos. “Ainda há aquele mito de que inovar é para os grandes, pois é muito caro. Em geral, a proposta das soluções criadas pelas startups é reduzir os custos operacionais, mas de qualquer forma, é interessante que o empresário enxergue a inovação como um investimento. Inovar é fundamental para aumentar competitividade e sobreviver no mercado.”
Consumidor pode “levar” a loja no bolso
Dentre as startups juiz-foranas que oferecem soluções para o comércio está a Handcom, responsável pelo desenvolvimento dos aplicativos Smart Retail e Encartes. O primeiro consiste em um mecanismo de relacionamento com o consumidor destinado às lojas físicas. “A ideia surgiu em 2014, com a explosão do uso de smartphones. A proposta era desenvolver uma solução que permitisse os clientes levarem a loja dentro do bolso”, relembra o cofundador Gustavo Pinto de Oliveira. O Smart Retail oferece uma plataforma customizada para a loja, por meio da qual é possível apresentar produtos, serviços, promoções e cupons de desconto. “A comunicação se torna direcionada e personalizada, pois o aplicativo armazena as informações de preferência do usuário, o que dá a chance de notificá-lo com ofertas que realmente possam interessá-lo.” O consumidor também tem a opção de fazer uma lista de compras para buscar no local ou ser entregue em casa.
Gustavo explica que a ferramenta vem modernizar a relação do varejo com o cliente neste cenário em que a internet está cada vez mais presente na rotina das pessoas. “É uma forma de as lojas físicas poderem usar a tecnologia para oferecer conforto e praticidade, o que já é feito pelo e-commerce”, compara. Outra possibilidade do aplicativo é a comunicação com o cliente dentro do estabelecimento. “Para isso, colocamos um dispositivo GPS que identifica quando o proprietário do telefone está no local. É um contato ainda mais próximo, em que a loja pode agradecer a visita e mostrar as opções que possam interessá-lo naquele dia.”
A tecnologia é utilizada por supermercados, farmácias e lojas em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, mas ainda não conquistou adeptos em Juiz de Fora. “Os grandes centros vivem uma competição de mercado mais acirrada. A transformação digital permite diminuir custos operacionais, automatizar vendas e ter um ganho estratégico se tornando mais competitivo. A concorrência também é uma realidade nas cidades menores, mas a adaptação à tecnologia depende de um empresário que inicie este processo”, analisa Gustavo.
Derivado do Smart Retail, o aplicativo Encartes é uma plataforma que compila todos os produtos em promoção nos supermercados e farmácias cadastrados. Desta forma, o usuário tem acesso à informação de ofertas e o histórico de preços. “É uma forma de o consumidor pesquisar sem ter que sair de casa. Para os estabelecimentos é uma oportunidade de monitorar o mercado. Também há o espaço para anúncios das lojas. A nossa ideia é aperfeiçoá-lo para fazer o sistema de pedidos e entregas direcionado aos pequenos varejistas.”
Wi-fi grátis é forma de fazer negócio
Há cinco anos no mercado, a startup SemSenha.com traz a proposta de que o wi-fi gratuito e sem necessidade de senha nos estabelecimentos comerciais possa ser muito mais do que uma maneira de agradar a clientela. O sistema também é uma oportunidade de fazer negócios. “Quando a empresa contrata o serviço, ela é informada sobre qual aparelho vai atender melhor a demanda, o que garante uma melhor experiência de navegação ao usuário. Isto, por si só, já é um diferencial”, garante o CEO Alexander Leal. “Uma vez logado, há a exibição da publicidade, que pode ser do próprio estabelecimento ou de outro local, caso o proprietário queira vender o espaço para gerar mais receita. Em seguida, há identificação do consumidor. Esta segunda etapa é uma forma de conhecer o cliente e criar uma lista de contatos. Por fim, é feito o direcionamento para as redes sociais do lugar, o que permite uma interação imediata.” A startup fechou parceria com o Trip Advisor para que o consumidor possa avaliar os locais visitados.
Além de possibilitar a prospecção e fidelização dos clientes, a ferramenta é uma nova forma de fazer negócio. “Nós damos um treinamento para o gerenciamento do sistema. É tudo muito simples e permite o estabelecimento pensar nas ações de marketing. No espaço para a publicidade, é o gestor que determina qual é o anúncio e o tempo de duração.” Alexander conta que a SemSenha.com possui 50 clientes na cidade, dentre supermercados, lojas, padarias, restaurante, cafeterias, churrascarias, shopping e hospital. “A nossa solução é direcionada para empresas de todos os portes. Também estamos presentes nos 21 estados.” Ele relembra as dificuldades para se estabelecer no mercado interno. “Inicialmente, oferecíamos o nosso produto de porta em porta, hoje a demanda chega até nós. Foi um crescimento gradativo. Imagino que Juiz de Fora ainda está vivendo este processo de absorver as tecnologias. Temos um potencial muito grande de desenvolvimento. Há muitas startups com bons projetos.”
Entregas expressas dinamizam rotina
O aplicativo Tá Na Escuta é mais uma das soluções tecnológicas criadas em Juiz de Fora que também atende o comércio. A plataforma conecta usuários e motoboys para entregas expressas que são divididas nas categorias “comum”, destinada às pessoas físicas; “empresas”, que emitem nota fiscal; “restaurantes”, para delivery; e “saúde”, que possui alvará sanitário para o transporte especializado. “Nós fizemos esta segmentação para treinar os profissionais para demandas específicas e impedir a circulação de mercadorias que não sejam similares”, informa o CEO Fabiano Nejaim. O aplicativo reúne 250 motoboys para a prestação do serviço. “Todos eles são formalizados, o que é um diferencial para a categoria que costuma ser contratada informalmente. O primeiro passo é torná-los microempreendedores individuais (MEIs) para que possam emitir nota.”
O Tá Na Escuta recebe, em média, 30 mil solicitações por dia. “Atendemos farmácias, laboratórios, hospitais, padarias, lojas de eletrônicos, autopeças, calçados e joalherias. Alguns estabelecimentos nos pedem para levar o produto até o consumidor em casa. Outros usam o serviço para envio de mercadorias e documentos entre as unidades da mesma empresa”, diz Fabiano. Ele acredita que dentre as vantagens para o comércio está a agilidade na rotina e a redução de custos operacionais. “As empresas de Juiz de Fora estão entendendo que a tecnologia pode contribuir de forma muito positiva para os processos internos e para as vendas. O nosso aplicativo tem ganhado cada vez mais espaço na cidade.”
Tecnologia deve ser aliada do comércio
Os representantes do comércio em Juiz de Fora defendem que a adaptação do setor ao uso de tecnologia e inovações deve ocorrer o quanto antes. “Existe uma preocupação com os custos, pois a maior parte do atacado e varejo juiz-forano é composta por pequenas empresas, que têm até cinco funcionários. Seria interessante que as soluções desenvolvidas conseguissem atender o orçamento deste público, pois é uma fatia grande de mercado e que tem interesse nestes produtos”, explica o presidente do Sindicato do Comércio (Sindicomércio-JF), Emerson Beloti.
Ele destaca que uma nova relação de consumo tem sido criada com as novas gerações. “O público consumidor com menos de 25 anos usa muito a internet, o smartphone e outros dispositivos eletrônicos. Para eles, manusear a tecnologia é algo fácil, natural. Isto já é uma realidade e irá se intensificar nos próximos anos. É fundamental que o comércio e os outros setores se atentem a isto. Não adianta resistir, o caminho é se adaptar. É muito bom ver que a cidade tem uma produção destas ferramentas tecnológicas e que não é preciso buscar fora daqui.”
O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), Marcos Casarin, diz que esta adequação tem ocorrido de forma gradativa. “Temos lojas usando sites e redes sociais para fazer o marketing do negócio, algo que no passado não era imaginado. Criamos um aplicativo, em 2016, para oferecer descontos aos consumidores como uma forma de impulsionar as vendas. Em dois anos, vimos o número de usuários e empresas cadastradas crescer muito, chegando a 14 mil e 150, respectivamente. Também verificamos a necessidade de aperfeiçoar a ferramenta.”
Além de ofertas, o aplicativo agora conta com as funções de delivery e sistema de fidelidade com acúmulo de pontos que podem ser trocados por prêmios. “Estamos colhendo resultados muito positivos. Não adianta lutar contra a realidade tecnológica, é preciso usá-la como aliada.”