
Depois de 11 anos do início do Programa Produtor Florestal (PPF), que fomentou a produção de eucalipto para atender a demanda de biorredutor na usina da Arcelor Mittal em Juiz de Fora, cerca de 250 produtores da região amargam prejuízos e estão impossibilitados de usar parte das próprias terras. A situação decorre pelo descumprimento dos contratos por parte da empresa e abrange propriedades que somam 16.531 hectares em 51 municípios, segundo informações da Cooperativa dos Produtores de Florestas Sustentáveis da Zona da Mata (Coopflos). A entidade estima que R$ 6 milhões estão deixando de ser injetados na economia a cada mês, e a perda de empregos diretos já chega a 700 postos.
Integrante do projeto, a produtora rural Rita de Cássia Barros espera, há um ano, pelo corte e pagamento de 25 hectares de eucalipto. “Vivo da terra e estava contando com esse dinheiro. Estou sobrevivendo gastando minhas economias, passando muitas dificuldades financeiras. Não tenho empregados, e eu mesma trabalho na lida.” Ela conta que, apesar das tentativas de contato, não teve resposta da empresa. “Já liguei várias vezes, mas nunca me atendem.”
Segundo cálculos da Coopflos, Rita deveria receber cerca de R$ 150 mil pela produção. A cooperativa afirma que, até então, os produtores tentaram resolver a situação de forma individual, mas não tiveram sucesso. “O produtor rural tem medo, e aqueles que buscaram a Arcelor não tiveram retorno. Há um ano, a resposta é que eles vão resolver a situação dentro de um prazo de 60 dias”, relata o presidente da Coopflos, Ivan Vidal Milward de Andrade.
Ele relata que há produtores endividados, vendendo as propriedades de forma desvalorizada e até mesmo enfrentando problemas de saúde. “Há produtores que deixaram de criar gado ou plantar outro produto para cultivar o eucalipto porque acreditaram no projeto. Agora estão vendendo as fazendas pela metade do preço. Mas é até difícil se desfazer do negócio, pois ninguém quer comprar por saber que é problema.”
Desvalorização
Carlos Roberto Buso também foi um dos produtores que se decepcionaram com a Arcellor. “Nenhum contrato foi cumprido. Plantei 28 hectares de eucalipto e, há cinco anos, espero a madeira ser cortada.” Ele explica que como o acordo impede que o produtor faça o corte e a retirada das árvores, parte da sua propriedade está inutilizada.
O produtor Paulo Martins Meira Júnior destaca que o prejuízo só aumenta com o passar do tempo. “Nestes três anos que aguardo a Arcelor cortar o eucalipto, tive gastos com a manutenção da madeira.” A demora nos cortes compromete a própria produção, pois atrapalha o desenvolvimento da rebrota e reduz o rendimento da madeira.
Além dos prejuízos financeiros e de ter parte das terras inutilizadas pela ocupação do eucalipto, o produtor Délio Werner conta que restam dúvidas contratuais. Para o início do plantio, os produtores fizeram empréstimos agenciados pela empresa, mas não receberam documentos sobre as transações. “Plantei cem hectares de eucalipto e tive apenas 70 cortados. Uma parte do dinheiro que eu receberia por esta madeira foi retida para pagar o empréstimo, mas eu não tenho recibos e não sei como está o andamento disso tudo.”
Prefeitura oferece auxílio a produtores
O PPF foi implantado em 2005, quando a Arcelor Mittal BioFlorestas fez um trabalho de prospecção dos produtores rurais para adesão ao projeto e firmou contratos de parceria, em que eles utilizariam os terrenos para plantar eucalipto. Em contrapartida, a empresa seria a responsável pelo corte, baldeio, retirada e compra da madeira plantada. Na ocasião, o programa recebeu apoio institucional da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF).
Como o ciclo da madeira é de seis anos, o primeiro corte de árvores estava previsto para 2012. Segundo os produtores, a empresa nunca cumpriu à risca os contratos firmados. “Cada um vive uma situação diferente. Em alguns casos, a empresa cortou o eucalipto, mas não foi retirar a madeira, que está depositada na propriedade sem utilização. Em outros, o plantio já era para estar na segunda rotação (corte), mas foi paralisado. A Arcelor nunca colheu na data certa, mas, desde o ano passado, os produtores estão se sentindo abandonados”, explica Ivan. “O que seria um negócio promissor se transformou em um sério problema.”
Procurada, a PJF comunicou, por meio de nota, que “a Secretaria de Agropecuária e Abastecimento não foi acionada pelos produtores que participam do PPF nesta administração, seja buscando orientação ou auxílio. Entretanto, se prontifica a receber os produtores para auxiliar no que for possível”.
Empresa alega crise e garante solução
Em nota enviada à Tribuna, a Arcelor informou que firmou contrato com os produtores rurais, em 2005, diante da perspectiva de crescimento da economia brasileira e do mercado de aço, além da possibilidade de duplicação da usina na região. “Desde 2012, a empresa realizou várias colheitas, transportes e pagamentos de madeira desses produtores. Com a crise econômica e a não expansão da produção de aço, nem todas as colheitas puderam ocorrer no prazo inicialmente pretendido”, declarou. “O agravamento das condições de mercado fez a empresa dispor de madeira cortada – e já paga aos produtores -, mas sem destino de consumo. Desde então, a Arcelor vinha buscando alternativas para o eucalipto plantado.”
A empresa afirmou que está trabalhando na solução. “Recentemente, a ArcelorMittal fechou acordo de venda da madeira excedente para uma empresa e começou a contatar os produtores florestais, por ordem cronológica (dos contratos mais antigos até os mais recentes), para a renegociação e o agendamento dos cortes do eucalipto.” a empresa destacou ainda que “todos os produtores florestais serão chamados para conversas individuais, nos próximos meses, dando continuidade ao que já está ocorrendo, a fim de que seja apresentada a solução”.
Associação sugere conciliação amigável
Na avaliação do advogado da Associação Nacional de Gestores de Contratos (ANGC), Flávio Cabral, o contrato firmado para execução do PPF é considerado “delicado” por apresentar muitas obrigações ao produtor rural. “É uma série de condições que, se não forem cumpridas à risca, podem acarretar no rompimento da parceria.” Ele exemplifica que realmente há o impedimento de que a madeira seja cortada ou retirada da propriedade pelos produtores.
No entanto, Flávio explica que se o descumprimento das obrigações por parte da Arcelor não está atrelado ao descumprimento de cláusulas por parte dos produtores, a empresa é obrigada a realizar a parte dela no acordo. “A crise não é motivo para deixar de cumprir um contrato, até porque ela era previsível. O ideal seria a realização de um seguro por parte da empresa para evitar prejuízos.”
O especialista orienta que as partes cheguem a uma conciliação amigável. “É importante que o produtores estejam unidos, e a cooperativa possa falar por eles para negociar de forma mais rápida. O pagamento por parte da empresa é obrigatório, e se não for efetivado, uma ação judicial por perdas e danos pode ser movida. Caso a empresa não tenha condições de pagar tudo agora, ela pode fazer aditamento em cada contrato para estender um pouco o prazo.”