Para ajudar a entender como o aperto monetário afeta o juiz-forano, um grupo de especialistas analisa os impactos concretos da alta de juros na vida do consumidor, que vão desde pagar a mais pela compra parcelada no cartão de crédito ao menor crescimento da economia, com redução na geração de emprego e renda. E, se vale o alerta, este é considerado apenas o início de um novo ciclo de reajustes, que deve culminar em taxas próximas a 12% ao ano, maior percentual verificado nos últimos três anos.
“Os efeitos das altas da Selic na economia são sempre muito perversos, porque levam um tempo para acontecer, não aparecem imediatamente no mês da alta”, alerta a coordenadora executiva do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri. Ela comenta que, hoje, os consumidores estão sentindo o impacto dos aumentos realizados no início do ano (ver quadro). Na época, avalia, a economia começava a dar sinais de leve recuperação. Em função das altas, porém, manteve-se praticamente estagnada nos últimos meses, afirma. “Se concretizar o novo ciclo de altas, o temor é que a economia, de fato, pare.” A projeção do mercado é de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 0,20% este ano. Em 2013, a alta foi de 2,3%, conforme o IBGE.
A insegurança em relação ao mercado de trabalho e o risco de perda do emprego são algumas das consequências concretas já sentidas pela população. Conforme Patrícia, alguns setores produtivos mais sensíveis aos movimentos econômicos já começaram a lançar mão de férias coletivas, Programas de Demissão Voluntária (PDVs) e demissões propriamente ditas. “Em uma economia que não cresce e que apresenta muita desigualdade no mercado de trabalho, o trabalhador, em algum momento, começa a sentir os efeitos na forma de desemprego.”
Em setembro, a taxa de desocupação ficou em 4,9% no país, conforme o IBGE. O tempo médio para recolocação subiu de 5,4 meses em 2013 para 6,1 meses este ano, conforme pesquisa divulgada esta semana pela Catho. Em Juiz de Fora, o saldo de 348 empregos formais no acumulado do ano até outubro é, pelo menos, cinco vezes menor ante o do mesmo período do ano passado (1.949), atesta o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A coordenadora do Dieese critica o aumento da Selic como o único instrumento utilizado para controlar a inflação, que, no seu entender, não é de demanda (provocada pelo descompasso entre consumo e produção) e, por isso, não será ajustada com a tentativa de encarecer o crédito e frear o consumo. Para ela, há outros elementos, como alimentos, commodities e preços administrados (como combustível e energia elétrica), que pressionam a inflação e não respondem aos juros. “Comprime-se a inflação às custas da paralisação da economia e do desemprego.” Estudo desenvolvido pela LCA Consultores, a pedido do Broadcast, serviço de notícias da Agência Estado, aponta que o novo ciclo de alta de juros do Banco Central (BC), estimado em um ponto percentual, poderá desempregar cem mil pessoas ao longo de um ano e meio.
Curva ascendente
O professor de Economia do Ibmec, em Belo Horizonte, Reinaldo Nogueira, discorda. Para ele, a inflação é de demanda. Na sua opinião, com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) alto – 6,6% nos últimos 12 meses contra o centro da meta de 4,5% e teto de 6,5% – a Selic é considerada a principal medida para contornar o cenário no curto prazo. A expectativa do mercado, comenta, é de que a taxa de juros continue subindo neste final de ano e primeiro semestre de 2015 até chegar a, aproximadamente, 12%. Na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para o início de dezembro, a sinalização é que a Selic chegue a 11,50%, conforme Relatório de Mercado Focus BC. “O objetivo é esfriar o consumo. Assim, as empresas não terão alternativa a não ser começar a reduzir preços.” Para o professor, no entanto, desestimular os gastos não basta, é preciso também fomentar a produção.
Estímulo à poupança e compras à vista
Se os impactos negativos já são tangíveis, os positivos só serão percebidos a médio prazo, quando a inflação começar a cair, avalia o economista Guilherme Ventura, professor do Centro de Ensino Superior (CES/JF) e coordenador do curso Executive MBA Gestão Empresarial. Por enquanto, diz, os juiz-foranos já começam a pagar mais juros em financiamentos e compras parceladas. “O aumento de juros também estimula as compras à vista e a poupança por parte das famílias, ampliando as aplicações financeiras.” Conforme o economista, os investimentos bancários vinculados à taxa tornam-se mais rentáveis, as dívidas bancárias pós-fixadas tendem a ficar mais oneradas, e os novos empréstimos passam a contar com taxas mais altas.
Na avaliação do professor do Departamento de Economia da UFJF, Wilson Luiz Rotatori Corrêa, coordenador de Macroeconomia da Consultoria e Mercados Consultoria Jr (CMCjr), o encarecimento do crédito é a principal percepção do consumidor no dia a dia. Outro efeito direto é a maior dificuldade para tomar dinheiro emprestado, já que, com a perspectiva de alta, os bancos tornam-se mais seletivos na concessão. Se a contratação de crédito é inevitável, torna-se imprescindível comparar as condições oferecidas pelas instituições, em busca das menores taxas, e reduzir o nível de endividamento, poupando mais e comprando menos, orienta.
Para Ventura, enquanto a inflação não estiver na convergência para o centro da meta, é necessária uma política monetária “mais apertada” em busca da estabilização de preços. O economista considera, no entanto, que o final do ano é um período delicado, caracterizado pelo aumento do consumo e pela pressão inflacionária de itens, como reajuste de preços administrados (só a gasolina subiu 3% e o diesel, 5% na semana passada), expansão do crédito subsidiado e déficit público. No seu entendimento, a Selic é um instrumento “clássico” do qual o Banco Central não pode abrir mão no combate à inflação, mas outras estratégias também são importantes, como reequilíbrio das finanças públicas e do balanço de pagamentos do país. O economista acredita que as elevações da Selic podem, de fato, contribuir para trazer a inflação para o centro da meta. “Naturalmente, o resultado pode demorar ainda mais se as outras pressões continuarem a acontecer.”
Apesar dos esforços de inserção da inflação na meta, ela já começa 2015 pressionada. Dentre os fatores que podem impulsioná-la no final de 2014 e início do próximo ano, Rotatori destaca o repasse das tarifas de energia e do aumento do petróleo para os preços de bens e serviços, previsto para acontecer ainda este ano. O professor também cita a recente pressão exercida pela desvalorização cambial, já que diversos produtos têm seus preços indexados aos do mercado externo. “A elevação da Selic pode ajudar a conter essa pressão, mas seria necessária a retomada da capacidade de poupança pelo Governo e uma política de oferta de crédito mais coerente com a necessidade de conter a alta dos preços.” Para ele, também é preciso retomar a confiança em relação ao BC e ao Regime de Metas de Inflação, para que o processo torne-se menos custoso, e o controle da inflação, mais veloz.
Juro médio para pessoa física deve chegar a 6,12%
Antes mesmo do aumento da Selic para 11,25%, as taxas de juros das operações de crédito voltaram a subir. O resultado de outubro, que não considera a alta anunciada no dia 29, aponta que das seis linhas de crédito pesquisadas, uma se manteve estável (cartão de crédito rotativo) e cinco tiveram as taxas elevadas: juros do comércio, cheque especial, CDC – financiamento de automóveis, empréstimo pessoal junto a bancos e financeiras. Os dados foram mapeados pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Conforme a Anefac, a taxa de juros média para pessoa física passou de 6,06% ao mês – 102,59% ao ano – em setembro para 6,08% – 103,05% ao ano – em outubro. Para a pessoa jurídica, o aumento foi de 3,43% ao mês – 49,89% ao ano – em setembro para 3,44% – 50,06% ao ano – no mês passado. Em ambos os casos, são as maiores taxas verificadas desde agosto.
Pelas contas do coordenador da pesquisa e diretor executivo da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira, o mais recente reajuste da Selic deve elevar para 6,10% a taxa de juros média para a pessoa física. Com o novo aumento esperado na reunião de dezembro do Copom, a aposta é que se feche o ano pagando juro médio de 6,12% ao mês. “É preciso que o consumidor seja cauteloso. Alguns centavos a mais em um financiamento não desmotivam a contratação, mas, se o conjunto de altas continuar, haverá peso principalmente nos financiamentos de longo prazo, como o de automóveis.” Para Miguel, o ideal, neste momento, é adiar esse tipo de operação financeira.