Em meio a inúmeros documentos produzidos diariamente, empresas juiz-foranas estão recorrendo à tecnologia para armazenar e gerenciar seus arquivos. A procura é por maior segurança e otimização no dia a dia de trabalho, seja na gestão de registros físicos ou digitais, a partir da facilidade na organização e no acesso. Especialista ouvido pela Tribuna aponta que o país possui um referencial consolidado para armazenamento de documentos, mas instituições ainda carecem de adotar repositórios arquivísticos que garantam preservação, autenticidade e segurança jurídica.
Apesar da necessidade do arquivamento de documentos datar de décadas, muitas pessoas só costumam se preocupar com a administração desses registros em momentos de dificuldade, de acordo com Horastor dos Santos Filho, diretor executivo da Célula, empresa voltada para a área de gestão de documentos. “Geralmente, o cliente só dá atenção à guarda e à organização do documento no momento em que passa algum aperto, às vezes passando por uma fiscalização onde não localiza o documento, podendo gerar uma penalidade”, exemplifica.
No caso da Tramed, de Medicina e Segurança do Trabalho, a entidade optou, em 2019, por contratar empresa especializada para guardar seus arquivos por uma necessidade de espaço, de acordo com a coordenadora administrativa da entidade, Patrícia Fernandes. “Quem trabalha com medicina é obrigado a guardar determinados documentos por 20 anos, e todos ficavam dentro da clínica. Chegou um momento em que não tínhamos mais espaço.”
Além dos arquivos físicos, hoje a empresa também conta com a versão digitalizada, o que, além de maior segurança, trouxe praticidade com o acesso remoto aos documentos. “Se acontecesse um incêndio, nós corríamos risco de perder”, exemplifica. “Acabou melhorando nosso espaço físico e otimizou o tempo das atendentes, porque elas perdiam muito tempo arquivando e desarquivando prontuários.”
Entre físico e digital
O desenvolvimento tecnológico contribuiu para novas formas de se armazenar um documento. No caso da Célula, isso é feito de forma física e/ou digital, de acordo com a demanda do cliente. Conforme Horastor, há documentos armazenados que se encontram apenas na forma física; há aqueles que estão na forma física, mas também foram digitalizados; e há somente os que são digitais.
“A procura por digitalização aumentou a partir da pandemia, mas nem sempre a digitalização significa que o documento físico deixou de existir ou deixou de ter valor”, aponta. “Nós utilizamos da tecnologia para fazer o cadastramento do físico, para procura dos documentos e até mesmo para digitalização, que facilita nossa busca a partir daquilo que foi cadastrado.”
Na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, o armazenamento de documentos organizacionais e os determinados pela legislação é feito por meio de servidores criptografados, além de os físicos serem guardados junto a empresa especializada em gestão de documentos. De acordo com a coordenadora de Compliance da entidade, Karina Costa, tais arquivos são monitorados 24h e possuem as certificações em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Na visão de Karina, o desenvolvimento tecnológico teve grande contribuição em relação ao processo de armazenamento de documentos na instituição, proporcionando maior agilidade e novas ferramentas de segurança da informação. “Assim, torna-se possível redução de custos, otimização de tempo, economia de espaço, maior agilidade e acessibilidade.”
Organização
Mesmo no digital, há a necessidade de preocupação em relação à organização e à segurança dos documentos. De acordo com o diretor executivo da Célula, muitas pessoas guardam seus arquivos na nuvem ou discos de armazenamento e, assim como acontece muitas vezes com o físico, não conseguem encontrá-los quando há a necessidade.
“Se não tiver, a partir de agora, um cuidado especial na guarda dos documentos digitais, dentro de pouco tempo, vai começar a sentir as consequências”, aponta. “O pessoal tem que sensibilizar da importância desse trabalho no sentido de que facilita a vida na hora de um aperto.”
‘Documento tem que ir para lugar de custódia e de preservação’, diz especialista
A transformação digital, no que tange ao armazenamento de documentos, é algo que aconteceu de forma tardia no Brasil considerando que, até poucos anos atrás, faltavam elementos que proporcionassem segurança jurídica para esse processo, de acordo com Daniel Flores, professor de Arquivologia, Biblioteconomia e de cursos de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Apenas em 2012, com a elaboração da norma ISO (Organização Internacional de Normatização) 14.721, houve uma ruptura pragmática com resultados científicos que garantiam a preservação, o acesso e a autenticidade dos documentos digitais ao longo do tempo.
“O que mudou foi essa visão sistêmica: eu não produzo mais um documento e deixo em um pen drive, HD externo ou em uma pasta compartilhada. Agora, esse documento tem que ir para um lugar de custódia e de preservação, que esteja de acordo com essa norma.”
A nível nacional, um passo importante para o armazenamento de documentos no ambiente digital ocorreu em 2015, com a resolução 43 do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), que trouxe o conceito de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-Arq), que garantem a preservação e a segurança jurídica de arquivos digitais. Apesar da resolução ter efetividade junto aos órgãos públicos, ela também serve como um referencial consolidado para empresas privadas, que podem adotar um RDC-Arq no armazenamento de seus documentos, especialmente por questões de segurança.
“A área [arquivologia] evolui, só que a prática não evoluiu. Isso está nos preocupando. As instituições acabaram não aplicando os referenciais. Elas estão digitalizando documentos e armazenando onde? Muito provavelmente, as respostas serão em pasta compartilhada, em HD externo, na nuvem, mas não em um RDC-Arq”, aponta o especialista. Um dos riscos de se manter os arquivos na nuvem ou em discos de memória é, justamente, a possibilidade de invasões e adulterações dos documentos.