Com a expectativa de se tornarem mais frequentes devido às mudanças climáticas, as ondas de calor têm causado preocupação em diferentes setores da economia. Perdas na produção, queda na produtividade, alta no preço de alimentos e aumento no consumo de energia são algumas das consequências sentidas por segmentos que vão desde a construção civil até a agropecuária. Especialistas ouvidos pela Tribuna apontam como o fenômeno tem impactado economicamente o país, que passa pela terceira onda de calor em 2023.
Quando se coloca na balança, a lista de segmentos prejudicados com as ondas de calor é maior do que a que inclui os setores beneficiados de alguma forma. De acordo com o economista e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Weslem Rodrigues Faria, o segmento mais afetado é o da agricultura, que pode sofrer perda de produção com as altas temperaturas e com a estiagem que, geralmente, acompanha as ondas de calor. Os problemas se estendem, inclusive, ao armazenamento de alimentos, que podem estragar com maior facilidade com o calor.
“A perda de produção acaba afetando negativamente a economia como um todo. Se tem menor produção agrícola, quer dizer que o produto vai ficar mais escasso no mercado e essa escassez vai ser refletida em aumento de preços, se a demanda continuar constante”, explica. “Então, o consumidor, no final, acabaria arcando com o aumento de preços por causa dessa redução da oferta de produtos devido à questão climática.”
De uma forma geral, há também a sobrecarga no sistema de energia por conta de um número maior de aparelhos de ar-condicionado e de refrigeração. Conforme Faria, isso pode resultar, também, no aumento das contas de energia elétrica.
“Qualquer evento climático extremo afeta negativamente. Por exemplo, uma chuva extrema acaba criando situações de alagamento e perdas de produção na agricultura, assim como o calor, que tem um efeito parecido, só que inverso. O calor extremo leva à perda de produção, ao aumento de custos de produção, e isso tem um efeito mais geral de aumentar os custos, para gerar produção e até mesmo de escassez no mercado.”
Outra questão apontada pelo especialista está relacionada à saúde, que também produz efeitos sobre a economia. Conforme Faria, situações de calor extremo também causam problemas de saúde nas pessoas. “Muitas vezes, os trabalhadores passam mal e isso também pode acabar afetando algumas atividades econômicas, principalmente aquelas atividades mais intensivas em trabalho como, por exemplo, construção civil.”
Turismo, bebidas e produtos gelados
Apesar dos efeitos negativos, há determinados segmentos que se beneficiam com as altas temperaturas. Como apontado pelo professor da UFJF, o de turismo é um deles, pois o calor faz com que as pessoas a procurem atividades de lazer como praias, cachoeiras e afins. “Além disso, também incentiva o consumo de alguns produtos, por exemplo, de bebidas, principalmente de bebidas frias, como águas (engarrafadas), suco, refrigerante, cerveja, etc. Toda essa parte de bebidas é afetada, assim como produtos congelados de consumo final, por exemplo, sorvetes e picolés.”
Calor afeta setor leiteiro e de hortaliças, aponta Sindicato Rural
De forma geral, a agropecuária costuma se atentar às previsões meteorológicas para se preparar com antecedência. Entretanto, nos casos das ondas de calor, as ações por parte do segmento – um dos mais afetados – são limitadas, de acordo com o vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Juiz de Fora, Márcio Nery Magalhães Júnior. Conforme o representante da categoria, as altas temperaturas têm surtido efeitos na produção de leite, especialmente.
“As vacas sentem muito com o calor. Em algumas propriedades, existem galpões que são climatizados e contam com ventiladores que podem amenizar um pouco a sensação térmica dos animais, mas isso é uma parcela pequena dos produtores”, diz. “O que preocupa nesse período é o milho. A silagem que está no campo sofre muito com o calor e esse calor está acompanhado de uma estiagem, então os impactos podem ser sentidos. Vai haver uma redução de produção de leite e uma redução de produção de silagem que vai afetar a nutrição das vacas. É difícil estimar esse impacto na redução, mas podemos esperar pelo menos algo em torno de 10% de impacto na produção, temporariamente em razão do calor.”
De acordo com Márcio Júnior, considerando que as ondas de calor parecem ser mais frequentes, a orientação é que os produtores de leite busquem construir instalações com controle de temperatura, por exemplo. “Nos últimos meses, temos visto no mundo inteiro o aumento desses extremos climatológicos: frio muito intenso, calor muito intenso”, diz. Esses fenômenos meteorológicos assustam e nos preocupam.”
Na região, há avicultura de postura e suinocultura que também podem sentir efeitos. Apesar disso, o vice-presidente do sindicato estima que, por serem alterações temporárias, o impacto não deve chegar ao consumidor. Porém, isso não se aplica a produtos mais sensíveis, como no caso das hortaliças. Mesmo com irrigação, esses vegetais acabam sofrendo danos maiores com o calor. No Mercado Municipal, por exemplo, comerciantes ouvidos pela reportagem relataram que as folhas já tiveram aumento de preços por conta das altas temperaturas.
Construção civil aponta queda na produtividade
Para quem trabalha ao ar livre, as altas temperaturas podem afetar diretamente a produtividade. O setor da construção civil é um dos que sentem os efeitos diretamente nos profissionais. De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Juiz de Fora (Sinduscon-JF), Aurélio Marangon, a queda de produtividade acontece especialmente quando as obras estão nas fases iniciais, devido à exposição direta ao sol por parte dos trabalhadores.
“Quando é uma edificação que já está com acabamento mais avançado, as pessoas trabalham dentro da edificação e o calor não afeta tanto”, aponta. “Tecnicamente, o calor atrapalha também na cura do concreto, da argamassa, que fica muito rápida. Normalmente, isso atrapalha um pouco a retração e a resistência no final, mas não é uma coisa tão significativa.”
Conforme o representante da categoria, já é previsto que as empresas providenciem algumas medidas para lidar com climas do tipo. No caso, Marangon cita a disponibilização de protetor solar e a montagem de coberturas provisórias para evitar a exposição direta ao sol.
País deve ter novas ondas de calor durante verão
As ondas de calor se caracterizam por apresentarem temperaturas acima da média usual e por, geralmente, durarem de três a cinco dias seguidos. De acordo com a professora e coordenadora do Laboratório de Climatologia e do curso de Geografia da UFJF, Cássia Martins Ferreira, durante as ondas de calor, prevalecem condições atmosféricas de céu limpo, alta incidência de radiação solar e poucos ventos, o que implica na elevação das temperaturas, especialmente das máximas.
Por conta das mudanças climáticas, esse fenômeno está ocorrendo com maior frequência em todo o mundo, não só no Brasil. Conforme a especialista, a onda de calor que o país passa no momento, cujo alerta do Inmet deve perdurar até sexta-feira (17), está sendo mais intensa não só em questão de duração, como de elevação de temperaturas por conta, também, da atuação do El Niño. O fenômeno, por si só, aumenta o calor e, além disso, está exercendo uma espécie de “bloqueio” ao corredor de umidade que vem da Amazônia e propicia chuvas.
“Há previsão de que terão outras ondas de calor ainda este ano, no verão de 2023 e 2024”, diz Cássia. “Uma das grandes expectativas com relação às mudanças climáticas é que esses fenômenos intensos se tornem mais recorrentes. Então, temos uma probabilidade grande dessas ondas de calor ficarem mais incidentes, não só na quantidade de dias, quanto também na frequência.”
Como lembrado pela professora da UFJF, as ondas de calor são caracterizadas também pelas baixas umidades de ar. Novembro, por exemplo, costuma ser um mês chuvoso, com umidade acima de 80%. Entretanto, com o fenômeno em andamento, essa dinâmica é alterada e a umidade, nos períodos mais quentes dos dias, pode ficar menor que 40%.