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Zona da Mata pode se tornar polo em produção orgânica

Feira FERNANDO PRIAMO
O shopping Alameda é um dos poucos pontos de venda que os produtores de ôrgânicos têm na cidade; o outro fica no Centro Comercial de São Pedro. Para o Mogico, é necessário ampliar a exposição dos alimentos (Foto: Fernando Priamo)
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A produção de alimentos livre de transgênicos e agrotóxicos – que ganha corpo em Juiz de Fora e conquista um público ainda seleto, mas fiel – é um braço importante de um causa ainda maior: um lugar onde se possa construir políticas, vida e alimentos de qualidade. Um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa identifica potencial na Zona da Mata para a criação de um polo agroecológico e de produção orgânica. A matéria foi apresentada em fevereiro e pretende promover e incentivar a produção que utiliza práticas, tecnologias e insumos sem impactos ambientais por pequenos produtores familiares, lançando mão de incentivos, inclusive tributários, para se atingir este fim. Se ainda falta política pública, sobra interesse. Só em 2016, o mercado nacional de orgânicos aumentou 20% e teve faturamento estimado em R$ 3 bilhões, segundo dados do Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável (Organis).

Em Juiz de Fora, a principal preocupação está na conquista de espaço para comercialização destes alimentos. Fernanda de Paula, presidente da associação Mogico (Monte de gente interessada em cultivo orgânico), afirma que os produtores lutam por um lugar fixo para a realização da feira semanal. A princípio, as feirinhas aconteciam na porta da Paineira Escola Waldorf. Com o tempo, agregando produtores e atraindo mais consumidores, surgiu a necessidade de ampliar a exposição. Hoje, a venda dos produtos é realizada no estacionamento do Centro Comercial de São Pedro e no Shopping Alameda em datas alternadas, “o que acaba confundindo as pessoas”. A divulgação das datas acontece pelas redes sociais. A entidade, conta, surgiu em 2013 com um grupo de pessoas interessadas no tema, que teve a iniciativa de visitar produtores e realizar compras coletivas de orgânicos. “O Mogico surgiu com o interesse de buscar o alimento de fonte limpa e confiável e estreitar o relacionamento entre produtores e consumidores.”

Conforme Fernanda, hoje são cerca de 20 produtores associados, que estão em processo de certificação. Alguns, inclusive, já contam com o reconhecimento da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio). A garantia da qualidade dos orgânicos é feita por meio do Sistema Participativo de Garantia, que envolve todos os componentes da rede de produção orgânica: agricultores, produtores, extrativistas, comerciantes, consumidores e técnicos, que compartilham a responsabilidade pela avaliação da conformidade das unidades de produção frente aos regulamentos da agricultura orgânica.

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Segundo a produtora, o aumento do interesse em produzir e consumir orgânicos é visível. Para ela, no entanto, faltam trocas. “O produtor orgânico aprende e se fortalece com elas”, diz, lembrando que, para obter a certificação, nesta modalidade, é preciso que os associados visitem uns aos outros e troquem experiências. Apesar de a produção ser diversificada, o ideal comum a todos, diz, é que o mercado, até então restrito – pela pouca oferta e baixa exposição -, se amplie, sempre tendo como norte a produção – e o consumo – de um alimento “limpo”, que beneficie não apenas a pessoa, mas toda a cadeia.

Preço chega a ser 30% maior

O gerente regional da Emater, Hildebrando Marcelo Campos Lopes, diz que a produção agroecológica em Juiz de Fora ainda é pequena, mas tem se ampliado. Na região, a maior oferta, avalia, fica por conta de hortaliças e folhosos em geral, além de tubérculos e uma parte de fruticultura. “Não temos levantamento dessa produção, mas acontece em pequena escala. A demanda é muito maior”, diz, destacando a crescente busca pela sociedade de alimento mais saudável. O objetivo da parceria com o Mogico, diz, é capacitar e alavancar a produção orgânica, envolvendo especialmente o agricultor familiar, mostrando a ele que a alternativa pode se tornar “uma excelente fonte de renda” em tempos recessivos.

Uma vantagem da produção orgânica, segundo Hildebrando, é o alto valor agregado. Como consequência, o preço dos produtos costuma ser, em média, 30% acima do convencional, sendo que o percentual varia muito de acordo com o alimento em questão. Outro fator destacado por ele é a possibilidade de haver maior interação com os agricultores. Nas feiras, explica, o consumidor vê o produtor e a família dele, se informa sobre a procedência do alimento e sabe para onde está indo o dinheiro, fora que a movimentação financeira concentra-se dentro do próprio município. Para o gerente regional, um desafio hoje é fomentar a abertura de espaços para a comercialização destes alimentos. Além das feiras, que já começam a abrir as portas para esta produção, é necessária a abertura pelos mercados institucionais. “É uma questão de saúde e segurança alimentar.”

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A jornalista Mariana Marcial consome orgânicos, mas não na frequência que gostaria. O motivo, diz, é o alto preço desse tipo de produto. “O Brasil tem um índice absurdo de uso de agrotóxico, e isso está ligado a várias doenças.” Hildebrando também destaca o benefício para a saúde. “Gasta-se muito mais com remédio na farmácia depois de consumir produto que não é da melhor qualidade”, argumenta. Para a consumidora, os preços ainda não estão acessíveis. “O que tento fazer é priorizar para compra aqueles produtos com índice maior de incidência de agrotóxico. Também compro bastante de produtores rurais, do pequeno. Mesmo que não tenham o certificado, são produtos mais artesanais.”

Sítio Catumba, em Piau, tem toda a produção certificada pelo IDB Certificações. Plantio da banana chega a render sete mil quilos por mês, parte da fruta é vendida em feiras da cidade e parte vai para Petrópolis (Foto: Divulgação)

Banana ultrapassa fronteira

“Produzir um alimento que não faz mal ao meio ambiente nem às pessoas é muito bom”, orgulha-se o produtor rural Quintino Faria Moreira, que, há mais de dez anos, produz morango, banana, alface, beterraba, mandioca e outros vinte produtos orgânicos prioritariamente para o mercado juiz-forano. Segundo Quintino, conhecido e respeitado no meio, toda a produção do Sítio Catumba, localizado em Piau, é certificada pelo IBD Certificações – Inspeções e Certificações Agropecuárias e Alimentícias, garantindo a qualidade do alimento que chega à mesa dos consumidores.

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Só de banana, entre prata, nanica, maça, pão e da terra, o carro-chefe da produção, são produzidos mais de sete mil quilos por mês. A fruta é vendida nas feiras realizada pela Mogico (Monte de gente interessada em cultivo orgânico), na Feira de São Mateus, e também em Petrópolis. Segundo ele, o consumidor está hoje mais consciente do que na década passada, mas o mercado ainda tem muito a crescer. “Quando começamos, não tinha nada.” Entre os desafios a serem enfrentados, cita, estão a falta de mão de obra e o alto custo do insumo, já que a adubação orgânica existe, mas não é barata. Hoje, além da família de Quintino, outras oito são beneficiadas com a produção de frutas, hortaliças e legumes produzidos na Catumba. “Trabalhamos e gastamos muito, mas vale à pena.” Para o produtor, o apoio do Poder Público, em alguns casos, até existe, mas ainda é pequeno ante as necessidades da categoria.

Perfil do produtor e terreno favorecem

O projeto de lei de autoria do deputado Rogério Correia (PT) prevê que, como parte de uma política estadual de apoio à causa, podem ser adotadas ações como linhas de crédito especial, inclusive com subsídios, tratamento tributário diferenciado para produtos, insumos, tecnologias e máquinas afins e financiamento, por meio de editais públicos, de projetos de organizações não governamentais (ONGs). Também estão previstos diagnóstico da realidade da região, identificando as vocações e as particularidades de cada município que compõe a Zona da Mata, além da assinatura de convênios com entidades de extensão rural, instituições de pesquisa e universidades públicas e privadas, cooperativas, associações e ONGs. O produto agroecológico e orgânico também poderá ter preferência em aquisições institucionais e programas públicos. Já os municípios poderão receber incentivos, por parte do Governo mineiro, se criarem planos municipais de agroecologia e de produção orgânica.

De acordo com o assessor Luiz Baku, que trabalha com o deputado, a intenção é agendar visita às entidades de fomento localizadas na região, para colher subsídios e melhorar o texto original, que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ainda será apreciado pelas comissões de Agropecuária, de Desenvolvimento Econômico e de Fiscalização Financeira antes de ser votada em plenário. Baku destaca o perfil montanhoso da região e a prevalência de pequenos agricultores familiares como potenciais para a criação do polo, que congregaria não apenas Juiz de Fora, mas as cidades do entorno. “O projeto beneficia quem utiliza essa modalidade de agricultura e objetiva a exportação dos produtos da agroecologia, assim como a busca de uma certificação regional.”

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Procurada, a Secretaria de Agropecuária e Abastecimento (SAA) da Prefeitura, por meio de sua assessoria, afirmou que tem convênio firmado com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) para o desenvolvimento de ações de assistência técnica e extensão rural no município “e, dentro das diretrizes de trabalho, está o atendimento em agroecologia”.

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