Sentar à mesa sem pensar na escalada dos alimentos nas gôndolas não é uma opção para boa parte das famílias brasileiras. Nos últimos meses, a alta dos preços de alimentos e bebidas tem trazido preocupação aos consumidores. O grupo, que acumula aumento de 7,25% nos últimos 12 meses, é o que mais pressiona a inflação até agora. No cardápio ‘salgado’ não escapa o tradicional cafezinho. Conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o café moído, 50,32% mais caro, está entre os cinco alimentos que mais pesam no bolso do consumidor. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café, o valor do café torrado e moído é o maior da série histórica no varejo, chegando a R$ 56,07 em janeiro deste ano.
O IBGE divulgou, na terça-feira (11), o IPCA de janeiro. No mês analisado, a inflação geral mostrou que os preços subiram 0,16% no mês. No acumulação dos últimos 12 meses, ficou em 4,56%. Os resultados do mês e do acumulado apresentaram desaceleração em comparação a dezembro, quando os índices foram de 0,52% e 4,83% respectivamente. Ainda assim, a inflação continua acima do teto da meta de 4,5% para este ano, estipulado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) com a intenção de estabilizar os preços no país.
O desconto na conta de luz, devido ao bônus de Itaipu, contribuiu para a queda no custo da energia elétrica e, consequentemente, na alta acumulada de 12 meses, mas a alimentação e o transporte continuam pesando no bolso do consumidor. Em janeiro, o grupo de alimentos e bebidas teve alta de 0,96% e o de transporte, de 1,30%. No acumulado, ambos registraram, respectivamente, alta de 7,25% e 5,32%
Ainda de acordo com o IPCA, os itens de alimentação que tiveram maior alta no acumulado de 12 meses são: o abacate (68,67%), a tangerina (68,56%), a laranja lima (59,56%), o café moído (50,32%), a abobrinha (47,47%), a laranja pera (34,52%) e o limão (30,48%). Enquanto os itens que apresentaram maior queda, no mesmo período, estão a batata inglesa (-38,59), a cebola (-26,02), o maracujá (-24,22), a cenoura (-22,29), o repolho (-19,92), o feijão carioca (-17,77) e a manga (-17,09).
O professor do Departamento de Economia da UFJF Weslem Faria explica que, apesar de alimentos e bebidas ainda pesarem no bolso, “tivemos muitas chuvas em janeiro e, para algumas culturas, a questão dos pastos é interessante, porque a alimentação do gado melhora e traz impacto nos preços de carnes e leites. No entanto, com as chuvas, alguns alimentos, principalmente hortifrútis, têm a produção prejudicada, como cenoura, tubérculos e tomate, afetando os preços. Os alimentos são sensíveis a questões climáticas, principalmente com nível de chuva alto”, diz.
Weslem aponta como um dos fatores responsáveis pela alta dos preços dos alimentos as condições climáticas adversas que afetam o cultivo e a colheita. Outro fator é o encarecimento dos combustíveis, como a gasolina e o diesel, em função do aumento do preço pela Petrobras às distribuidoras, e do ICMS. “Esses preços são transmitidos para todos os bens da economia, por conta da questão de transporte e pela utilização no processo produtivo. A questão climática é mais direta, e o aumento dos combustíveis é mais indireto”, diz.
Demanda externa pressiona preços
A alta demanda externa, como no caso do café, também seria uma das motivações. “A exportação pressiona os preços domésticos, já que o item exportado deixa de ser ofertado internamente”, explica o professor, “e a escassez de bens no mercado doméstico contribui para a elevação dos preços”.
Quanto às medidas adotadas pelo Governo para estabilizar a inflação, Weslem cita a tentativa de redução de impostos relacionados à cadeia de produção de alimentos para frear, a curto e médio prazo, os altos preços. Já medidas possíveis citadas pelo Governo, como o aumento do Bolsa Família, podem aumentar a carga tributária e são mal vistas pelo mercado. O aumento dos estoques públicos de alimentos também pode ajudar a diminuir os preços, mas a longo prazo, pois necessita de investimentos em estruturas de armazenamento, avalia o especialista.
O economista diz que a situação é imprevisível, dependendo de chuvas adequadas, demora na estiagem e ausência de secas que afetam a produção de alimentos da feira; como também do mercado externo, com produtores preferindo exportar do que vender domesticamente. “O aumento de tarifas pelos Estados Unidos, em retaliação contra os parceiros comerciais, também gera um cenário de imprevisibilidade. Se o ano for marcado por fechamento de mercados, devido ao aumento de tarifas, o consumidor brasileiro, na parte de alimentos, pode se beneficiar”, comenta.
A pechincha e o boicote
Solange Medeiros, coordenadora institucional do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC/MG), diz que o aumento elevado nos preços dos alimentos vem acontecendo desde o fim da pandemia. Pelo olhar de uma dona de casa que faz compras todos os dias, como conta, “as pessoas começaram a gastar mais e os fornecedores e produtores aumentaram os preços pelo fato da demanda de consumo. Deveria ser ao contrário: quanto maior o consumo, mais baixos ficam os preços”.
Entre as motivações para a pressão inflacionária dos alimentos, Solange cita os eventos climáticos severos afetando a agricultura, a alta do câmbio e o tanto que as pessoas estão consumindo. “E como fica a coitada da cesta básica?”, pergunta ao falar sobre os altos preços de arroz, feijão, carne bovina e óleo de soja, “produtos que as pessoas não podem passar sem”, mas que se tornaram os “vilões”, como diz.
“O que sobra de alternativa é pechinchar”, recomenda a dona de casa ao defender a compra de itens mais baratos, como a troca de produtos de marcas líderes por outras similares, e a preferência por alimentos da estação, que, por estarem em período de safra, têm preços menores. “Nós sempre ensinamos a pechincha e o boicote. Mas nesse arremedo todo, a segurança alimentar fica afetada. Na minha idade, eu já tenho medo de tornar a viver o que houve em anos passados: o problema da hiperinflação”.
A pressão de cada grupo sobre o IPCA
No mês
- Transportes: 1,30%
- Alimentos e bebidas: 0,96%
- Saúde e cuidados pessoais: 0,70%
- Despesas pessoais: 0,51%
- Educação: 0,26%
- Comunicação: – 0,17%
- Habitação: – 3,08%
Em 12 meses
- Alimentos e bebidas: 7,25%
- Educação: 6,63%
- Saúde e cuidados pessoais: 5,96%
- Transportes: 5,32%
- Despesas pessoais: 4,80%
- Comunicação: 2,85%
- Vestuário: 2,49%
- Artigos de residência: 0,99%
- Habitação: -0,36%
Cafezinho ‘amargo’
Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), em janeiro de 2025, o preço do café torrado e moído no varejo ficou em R$56,07 por quilo, aumento de 31,4% em comparação a dezembro do ano anterior e representando o maior valor da série histórica, desde quando a pesquisa foi iniciada em janeiro de 1997.
Pesquisa realizada pela associação em 2024 aponta que o consumo do café no Brasil aumentou 1,11% em comparação a 2023. Quanto ao faturamento da indústria, o mercado interno teve variação positiva de 60,85%, e o externo, de 2,85%, com volume de sacas menor, no caso do externo, e similar, no caso do interno. Além disso, nos últimos quatro anos, a matéria-prima aumentou em 224%, e o café no varejo mais que dobrou de preço.
“Nós estamos vendo o cafezinho, nosso produto de primeira mão, principalmente para nós, mineiros, que não só tomamos, como oferecemos para todo mundo que vai à nossa casa, dobrar de preço e não temos produto que o substitua”, diz Solange Medeiros, coordenadora do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC/MG). A dona de casa faz uma analogia do preço do café com o da banana, dizendo ser impossível usar a expressão de que estes produtos estão “a preço de banana”.
Uma das bebidas mais amadas pelos brasileiros e a mais produzida e exportada pelo país está a preço de “barras de ouro”. De acordo com o IPCA, o café teve alta de 8,56% em janeiro e 50,35% no acumulado de 12 meses. Em dezembro, aumentou 4,99% no mês e 39,60% no acumulado. Isto é, o preço do cafezinho vem aumentando.
A alta do grão moído se deve a mudanças climáticas que afetam as safras dos produtores, como temperaturas altas, estiagem por longos períodos e chuvas espaçadas. Além disso, com o aumento do dólar e uma maior demanda para exportação, principalmente do café especial, sem impurezas, os produtores têm destinado maior parte da produção para o mercado externo, conforme o mercado.
Karolina Figueiredo, barista do Meiuca, profissional atuante na área do café há mais de dez anos e apaixonada pela bebida, acredita que a alta dos preços do grão tenha motivação na crise climática, mas também na “dolarização da economia e na prioridade de lucro em detrimento de práticas sustentáveis, muito impulsionada no Brasil pelo agronegócio”.
Como o produto está caro nas prateleiras dos mercados, a barista percebe que as famílias tendem a comprar o café de pior qualidade, com preços mais baratos, ou mesmo não tomar café. Na avaliação dela, além de intervenções imediatas do Governo, “deve existir um caminho de incentivo ao pequeno agricultor e, globalmente, um comprometimento sério com ações que combatam o aquecimento global”, diz.