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Em tempos de crise: precisamos falar sobre os números

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Quando os bolsos esvaziam, falar de números torna-se essencial. É preciso falar do que não se tem, como se no debate, a ausência se convertesse em presença. “Com a crise, a falta de recursos (tanto das pessoas como do Estado) ficou mais evidente. E precisamos entender melhor economia para lidar com isso”, explica o professor do Departamento de Economia da USP Mauro Rodrigues, um dos economistas da plataforma “Por quê?”, referência no assunto. Segundo ele, o interesse pelo tema sempre existiu, mas se tornou mais evidente dos últimos anos, alavancado, principalmente, pela desinformação que se espalha pelas falsas notícias. “As pessoas estão buscando entender melhor como as coisas funcionam de fato, para fugir dessas armadilhas”, defende ele, professor visitante da University of Illinois at Urbana-Champaign, em entrevista por Whastapp. Lançando mão de uma metáfora, o economista Paulo Gala concorda:

“A crise primeiro abre o olho das pessoas sobre a importância de entender e estudar a economia. É aquela coisa: só quando você quebra a perna é que vê a falta que faz tê-la funcionando bem.”

“A crise primeiro abre o olho das pessoas sobre a importância de entender e estudar a economia. É aquela coisa: só quando você quebra a perna é que vê a falta que faz tê-la funcionando bem”, Paulo Gala, economista (Foto: Divulgação)

Da academia, das páginas dos jornais, das rápidas análises televisivas e dos sites específicos, a economia ganhou as conversas mais triviais, assumiu o protagonismo nas redes sociais e conferiu a seus profissionais a onipresença nas casas dos brasileiros. Com a disseminação do coronavírus pelo país e com o impacto financeiro que representa, falar de economia tornou-se exercício cotidiano. “Grande problema da economia não está no fato de ser algo muito complexo. Não é. O problema está no linguajar dos especialistas, que espanta as pessoas. Nós tentamos fazer uma comunicação mais simples e direta, com menos jargão, mas sem perder o rigor”, afirma Mauro Rodrigues, referindo-se ao trabalho desenvolvido pelo “Por quê?”, que em cinco anos no ar, soma quase 200 mil seguidores no Facebook e 15 mil no Instagram, além de mais de 2 milhões de visualizações no YouTube. Com cinco economistas pós-doutores em sua equipe, a plataforma ainda assina uma coluna semanal às terças-feiras no jornal “Folha de S. Paulo”.

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Menos economês e mais acesso

“A economia é uma das ciências antigas. Se olharmos a lista de cursos da UFJF, economia é o quinto. E todo curso antigo, como os da área de saúde, as engenharias, o direito, são tradicionais e têm um ranço. O do economista é achar que o que ele estuda é muito complexo. Temos uma área com um pé em ciências humanas e ciências exatas. Estamos numa área chamada sociais aplicadas”, explica Fernanda Finotti Cordeiro, professora da Faculdade de Economia da UFJF, apontando que em tempos passados, quando da existência do vestibular, economia era o único curso que exigia duas provas específicas: história e matemática. “É preciso explicar de um jeito simples dado que é algo tão útil. Toda pessoa vive num sistema econômico. Ensinar economia é como ensinar a lavar a mão. Quando ensinamos que economia está em todas as decisões dela, damos dignidade”, define a pesquisadora, apontando para a dificuldade que enfrenta com os próprios alunos do curso. “Para reter ele no curso, até que ele descubra a utilidade do que estuda, faço um exercício desde sempre mostrando que isso é economia, aquilo também é economia”, pontua a coautora da coluna “Conjuntura e Mercados”, na Tribuna e na CBN Juiz de Fora.

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“Toda pessoa vive num sistema econômico. Ensinar economia é como ensinar a lavar a mão. Quando ensinamos que economia está em todas as decisões dela, damos dignidade”, Fernanda Finotti, professora da UFJF (Foto: Divulgação)

Para Mauro Rodrigues, tornar compreensível o pensamento econômico também é parte do trabalho do profissional da área. “As pessoas votam, por exemplo, e precisam entender o impacto da política econômica que está sendo proposta por diferentes candidatos”, diz ele, um dos especialistas que respondiam às questões formuladas nas favelas de São Paulo para o especial “Guetonomia”. “Percebi que algumas coisas que eram fáceis para mim não eram tão óbvias para eles, por exemplo, como o Banco Central funciona e como injeta dinheiro na economia”, conta o economista, que vivendo no estado de Illinois, identifica um interesse maior pelo debate econômico nos Estados Unidos, em relação ao Brasil. “Mas cheio de fake news e desinformação também”, pondera, chamando atenção para uma presença maior dos norte-americanos no mercado de ações e da imprensa especializada. “Todo economês pode ser traduzido para um português fácil, que qualquer pessoa entenda. Essa tem sido a minha cruzada, mas qualquer bom economista didático é capaz de fazer isso. Tem a obrigação de fazer isso. Quanto mais hermético ele é, mais difícil fala, menos sabe. A boa economia pode ser feita sem economês”, garante Paulo Gala.

Incluída na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) desde o ano passado, a disciplina de educação financeira é uma matéria obrigatória para o ensino fundamental e reforça a relevância do tema na sociedade contemporânea. Seu tratamento nas escolas públicas e particulares, no entanto, ainda evidenciam certo desprestígio. “Ela deveria entrar na matemática para ajudar a fazer contas, na história para auxiliar a compreensão dos processos. Essa é a lei. Agora, se me perguntar se os professores que ensinam isso sabem disso, digo que não”, afirma Fernanda Finotti, denunciando a falta de capacitação.

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É fundamental entender

Num momento em que o debate econômico reflete a nossa própria carteira e as notas que saem e entram nela, algumas questões são mais urgentes de serem compreendidas que outras. Para Fernanda Finotti, é imprescindível entender que “é uma roda o raciocínio da economia”.

Segundo a professora e pesquisadora, conhecer a economia básica representa compreender que se governo parar de arrecadar impostos, não produz nada. “É como um rei de antigamente que recebe os impostos para gerir o reino.” Tal dinâmica no Brasil, pontua, ajuda a fazer uma distribuição mais igualitária num território nada igualitário, como o Norte pouco habitado, em contraposição com o Sudeste muito povoado. Há uma relação de cadeia. E nessa teia também está a política, observa o economista Paulo Gala.

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“A economia não é uma ciência exata, porque estuda um sistema complexo, como o clima. Sistemas complexos são muito difíceis de estudar e prever, porque têm muitas interações, o que os economistas chamam de feedback positivo – tudo afeta tudo”.

“O problema está no linguajar dos especialistas, que espanta as pessoas. Nós tentamos fazer uma comunicação mais simples e direta, com menos jargão, mas sem perder o rigor”, Mauro Rodrigues, economista (Foto: Divulgação)

Ainda que a interconexão propicie cenários desconhecidos, alerta Gala, muitos mecanismos econômicos são claros e foram desvendados há muitos anos, com comprovações empíricas fortes e não ideológicas. “Na crise, esses mecanismos ficam mais dramáticos. Alguns exemplos: todo mundo quer ficar líquido, todo mundo quer demandar moeda, ninguém consome ninguém. Esses são temas clássicos de economia keynesiana. Ele mostrou isso na crise de 1929. Os padrões econômicos são sempre os mesmos. O mecanismo de funcionamento da economia, das famílias, das pessoas, dos bancos, das empresas são os mesmos. Há uma regularidade muito forte”, sugere o especialista, autor do livro “Complexidade econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações”. “Na economia, dizemos que tudo funciona se não ouver fricção. E a política é um dos atritos que atrapalham nossos modelos. É um atrito muito relevante”, acrescenta Fernanda.

Consenso na perspectiva atual, de acordo com Mauro Rodrigues, é de que o Estado precisa agir no contexto de emergência.

“Tem que pensar como seria a economia se as medidas de isolamento não fossem implementadas. Sofreria da mesma forma – talvez até mais. Mais gente doente, pessoas com outros problemas de saúde sofrendo por causa de hospitais lotados. Fora o drama, isso é ruim para a economia. E, se a doença espalha, as pessoas vão se isolar para não a pegarem. A maioria dos economistas que conheço entende que as medidas de isolamento são necessárias”.

Fernanda também recusa a dicotomia entre economia e saúde. “Nesse momento especificamente saúde e economia viraram sinônimos. Começamos vendo um debate dicotômico, como se tivéssemos que escolher entre saúde ou economia e pouco a pouco foi tendo uma inversão. Hoje vemos como as coisas estão conectadas. Ao escolher a saúde da população estou escolhendo a economia, porque sem pessoas não temos economia”, defende ela, afirmando ser a crise um golpe de misericórdia. “As pessoas já vinham numa situação de subsistência, vendiam o almoço para comprar a janta. Quando ficam sem a janta, ficam sem tudo.”

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Há luz no fim do túnel?

No debate acalorado que ganha as redes e eleva ao status de celebridade economistas como Monica De Bolle, Nath Finanças e Armínio Fraga, muitas são as conjecturas acerca do presente e poucas são as projeções para o futuro. O que nos espera? Para Paulo Gala, é certo que a crise despertará para um novo economista nacional. “No mundo todo está virando esse debate muito polarizado e ideologizado por conta da crise do coronavírus. Já começou em 2008, por conta da crise devastadora de 2008, 2009 e 2010. As respostas foram bastante pragmáticas, mas os pensadores e os economistas mais ideologizados se deram conta de como a economia estava caminhando para um lado errado. Se pegar os grandes líderes, como Olivier Blanchard, Ben Bernanke, Gregory Mankiw, Joseph Stiglitz, todos eles fizeram mea-culpa de voltar para uma economia mais pragmática, mais científica. No Brasil, o debate é muito ruim, muito por fora, os caras estão por fora do que está acontecendo, na contramão, é um debate raso. A crise do coronavírus acho que deu um choque de realidade em nossos economistas brasileiros”, aposta.

Fernanda Finotti concorda na urgência de uma revisão de conceitos. “O neoliberal de Chicago precisa de um mercado pobre como o latino-americano para vender seus produtos. E quando a coisa fica feia, como a que gente vive agora, não existe essa máxima de que o mercado dita tudo. Se deixar o mercado, ele vai querer escravizar. Aí entra o governo para dizer não. O desenvolvimentista sabe que o estado é importante e o pessoal que defende o mercado, sabe que deve haver limites”, pontua a professora da Faculdade de Economia da UFJF.

“Há um ano a economia não crescia, e o pessoal falava para dar um pouco de inflação para promover o crescimento, com o governo criando dinheiro. Quando as pessoas começam a pegar o dinheiro, vão consumir e estimulam a produção da empresa, que contrata e faz a economia crescer”.

Mas a inflação é um imposto, descreve Fernanda Finotti, resgatando os anos 1990. “Estimular crescimento gerando a inflação não é um bom crescimento”, avalia, esperando que 2021 seja um ano de muita recuperação, já que o Estado está dando dinheiro para as pessoas neste ano.

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Para Mauro Rodrigues, é fundamental que haja investimento na saúde, proteção dos mais vulneráveis, crédito para as empresas e políticos unificando o discurso para reduzir o impacto da atual crise. Professor de economia internacional na University of Illinois at Urbana-Champaign, também aposta numa nova ordem global. “A integração cresceu quase que de maneira ininterrupta desde o pós-guerra. Parou um pouco recentemente, mas o crescimento ao longo das últimas décadas foi impressionante. Deve tomar um tombo fenomenal por causa do corona”, sugere o economista, certo de que haverá retomada. Na economia, como na vida, tudo passa.

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