A cotação do dólar tem alertado economistas para um possível aumento no custo de produção e, consequentemente, impactos no bolso do consumidor. Na última terça-feira (9), conforme o Banco Central, a moeda americana fechou em R$ 5,414, com recuo de R$ 0,061 (-1,12%). Após superar os R$ 5,70 na terça-feira passada (2), o dólar à vista foi perdendo força, acompanhando o recuo da moeda norte-americana no exterior.
No cenário interno, os investidores aguardam o fim das negociações do texto que regulamenta a reforma tributária. O projeto de lei complementar deve ser votado a partir desta quarta-feira (10) na Câmara dos Deputados.
Apesar do breque na escalada de preço, o valor da moeda ainda é alto. Desde janeiro, o dólar ficou cerca de 11% mais caro em relação ao real brasileiro. Os motivos para esse aumento são externos e internos, conforme os economistas ouvidos pela Tribuna. O resultado, que já pode ser sentido, é um aumento da inflação, puxada principalmente por produtos que dependem de matéria-prima estrangeira. Dentre eles, artigos do dia a dia das famílias brasileiras, como pão francês, que depende da importação de trigo, e a gasolina. O setor do turismo também é outro que deve ser impactado.
Comerciantes buscam segurar os preços
Conforme o presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria de Juiz de Fora (Sindipan/JF), Heveraldo Castro, a alta do dólar já foi sentida principalmente no preço do trigo, que encareceu 10% no último mês. “Fomos pegos um pouco de surpresa por esse aumento de preço e ainda estamos estudando os custos para saber o quanto será repassado ao consumidor final. Nossa intenção é segurar esse aumento o máximo possível, para que não chegue a ele.”
Fora o pão, outros artigos de padaria também devem sofrer pressão no custo. Além do trigo, a energia elétrica também vai passar por aumento. “A notícia de que a conta de luz vai ficar mais cara também foi outro fator que nos fez parar para analisar a tabela de preços.”
O aumento da conta de luz acontece devido ao acionamento da bandeira tarifária amarela pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Isso significa que a conta de luz terá acréscimo de R$ 1,88 a cada 100 kW/h consumidos no mês de julho. “Junto com o aumento expressivo no preço do trigo, o encarecimento da conta de luz com certeza vai impactar no valor dos produtos.”
Aumento de 10% nos importados
O preço de produtos importados são os primeiros a serem afetados, visto que a negociação de compra é feita em dólar. Os efeitos, inclusive, já estão sendo sentidos pelo comércio local. Conforme Isabela Romanelli, que trabalha em uma loja que vende artigos importados em Juiz de Fora, os itens já estão entre 5% a 10% mais caros. “O processo de importação de vinhos, por exemplo, é longo e demorado, e a alta do dólar neste espaço de tempo nos impede muito de ter previsibilidade quanto ao real valor que a mercadoria terá quando finalmente chegar até nós, e isso é bem negativo e prejudicial”, explica.
De acordo com ela, há um esforço coletivo por parte das importadoras e dos vendedores finais para que o aumento não seja repassado ao cliente, a fim de que não haja impacto na procura e nas vendas. “Sempre que possível, não modificamos os preços devido à oscilação da moeda. Porém, quando inevitável, tentamos aumentar o mínimo possível, até mesmo reduzindo nossas margens de lucro para que o cliente não sinta o impacto e não deixe de comprar a mercadoria por essa razão.”
Viagens
Quem já estava com viagem marcada vai ter que desembolsar um pouco mais se quiser visitar outros países nessa época do ano, principalmente se for em uma data próxima. A proprietária da agência de turismo MiriamTur, Miriam Zanovello, afirma que já percebeu uma pequena retração nos últimos dias. “Sem dúvidas, o dólar em alta impacta as viagens internacionais. Os voos estão bem mais caros, dificultando a venda de pacotes aéreos. Porém, é possível driblar isso com planejamento, ou com datas flexíveis.”
Por outro lado, ela afirma que a desvalorização do real torna o Brasil um ponto atrativo para turistas de outras partes do mundo. “Apesar de outros fatores também influenciarem a visita do turista estrangeiro ao Brasil, como segurança e infraestrutura, o dólar alto favorece a vinda desses turistas. Portanto, existe sim a influência do dólar, reversa ao comportamento do turista brasileiro.”
Valor da cesta básica
Conforme pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre junho de 2023 e junho de 2024, o custo da cesta básica aumentou em 13 cidades do Brasil, com destaque para as variações no Rio de Janeiro (9,90%), em Curitiba (7,66%), Brasília (7,51%) e Belo Horizonte (6,94%). O aumento de preço é influenciado por diversos fatores, mas a alta do dólar pode ser um deles, conforme especialistas.
Itens como o óleo de soja, por exemplo, sofreram impacto do aumento da moeda americana e puxaram esse custo para cima. A variação foi positiva em 12 das 17 capitais analisadas. Em Belo Horizonte, o aumento do óleo de soja ficou na casa dos 7%. Segundo o Departamento, a maior demanda pelo grão e a valorização do dólar provocaram o aumento do preço da soja e dos derivados.
Ainda tendo em vista a capital do estado, em junho, o custo da cesta básica em Belo Horizonte foi de R$ 701,55. Na comparação com o mesmo período de 2023, a cesta apresentou elevação de preço de 6,94%, e nos seis meses do ano, variação de 6,90%.
Segundo uma estimativa exclusiva da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo), publicada pela Folha de São Paulo, em um intervalo de 12 meses, uma apreciação de 10% do câmbio tem um choque de 1,9% no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Qual o motivo da alta do dólar?
O coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, e a coordenadora de Economia da Fecomércio MG, Gabriela Martins, conversaram com a Tribuna e pontuaram alguns dos motivos, tanto internos, quanto externos, que levam a essa alta do dólar.
Economia americana
Havia previsões, ao longo desse ano, que o Federal Reserve (Fed), equivalente ao Banco Central norte-americano, reduziria a taxa de juros, no entanto, os números da inflação desautorizam tais previsões. Conforme Mauro, alguns especialistas dizem que essa redução deve ocorrer apenas em 2025. “Com os juros mais altos nos Estados Unidos, os títulos americanos se tornam mais atraentes e isso empurra para cima a taxa de câmbio no Brasil. O dólar fica mais caro, porque há menos dólares entrando no mercado nacional.”
Outro fator, ainda relacionado à economia americana, são as expectativas das eleições americanas. “A ideia de que um governo Trump aumentaria o protecionismo, ou seja, os EUA levantaram barreiras aos produtos importados, principalmente da China, e isso teria como consequência uma inflação mais alta nos Estados Unidos, empurrando a inflação para cima.”
Resultados fiscais na política nacional
Tratando-se dos motivos internos, Mauro avalia que a política fiscal do atual Governo tem gerado incertezas no mercado, a ponto de que eles busquem um porto seguro na moeda americana. “O governo alterou as metas fiscais propostas no início do ano, e alterou para pior. Há uma noção de que o Governo deve perseguir uma melhora muito mais através do aumento de receitas do que da redução de gastos. O mercado não entendeu isso como algo louvável, muito pelo contrário. Isso acabou corroendo a credibilidade, e em uma procura maior por dólares por parte dos investidores.”
Os ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, nas últimas semanas, também impactaram a volatilidade do mercado. As críticas do presidente são voltadas ao atual nível da taxa básica de juros e o mercado financeiro. Além disso, Lula voltou a defender o equilíbrio fiscal.
Impacto em todos os setores da economia
Para Gabriela Martins, da Fecomércio MG, o impacto da desvalorização do real deve ser sentido em todos os setores da economia. “Com o dólar mais elevado, o curso de produção dos setores se elevam, fazendo com que as margens de lucro caiam. Além disso, há uma queda na oferta de produtos locais, pressionando ainda mais a inflação para cima e, consequentemente, a taxa de juros.”