Os juiz-foranos têm enfrentado longos períodos de espera para conseguir benefícios ou solucionar questões relacionadas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps) estima que cerca de oito mil processos estariam represados na Gerência-Executiva do órgão em Juiz de Fora, que abrange as unidades dos municípios de Além Paraíba, Carangola, Cataguases, Espera feliz, Leopoldina, Muriaé, Palma e São João Nepomuceno. Recentemente, o Governo federal anunciou medidas para acelerar a análise dos processos relacionados aos benefícios do INSS. Entre elas, a contratação de militares da reserva, possibilitada por meio da assinatura de um decreto em 23 de janeiro. A medida, no entanto, vem gerando polêmica e já encontra resistência do Tribunal de Contas da União (TCU).
O INSS considera processos represados aqueles que aguardam análise há mais de 45 dias. Entretanto, em alguns casos, o tempo de espera é muito maior, como no de um senhor de 55 anos, cuja identidade optou por reservar, que está tentando aposentar desde dezembro de 2018. Ele só teve uma resposta em janeiro deste ano, entretanto, seu pedido foi indeferido. A partir de então, a espera será pelo andamento de um processo judicial. “Eles não aceitaram alguns documentos, mas com que critério chegaram a essa conclusão?”, desabafa. Ele acrescenta que toda espera foi para nada. Situação semelhante ocorreu com a atendente em consultório médico Drea Castro, que também deu entrada no pedido de aposentadoria em dezembro de 2018, tendo um retorno em janeiro de 2020. A resposta do INSS também foi negativa em alguns pontos. “Eu tenho insalubridade. Uma parte da minha insalubridade eles aceitaram, outra não. Além disso, não fizeram a contagem correta do tempo”, conta. Drea já está recorrendo, mas com a certeza de que terá de amargar nova – e longa – espera. “Agora devo aguardar um bom período. O INSS está dificultando o máximo possível. Parece que querem adiantar a fila, mas não estão resolvendo o problema, a sensação que tenho é essa.”
De acordo com o advogado da Associação dos Aposentados, Pensionistas e Idosos de Juiz de Fora e Região, Adriano Moreira, muitos casos semelhantes chegam à instituição, que presta auxílio jurídico. “Nós demandamos uma ação judicial para ter essa resposta. Em caso de indeferimento, nós também entramos com uma ação judicial, porque eles estão indeferindo por vários motivos, inclusive motivos que não têm cabimento.”
A morosidade nos trabalhos do INSS acaba prejudicando financeiramente quem depende do benefício. Há 16 anos, Alex Sandro Cardoso se aposentou por invalidez, devido a um acidente de trabalho, onde teve diversas fraturas. Ele foi convocado para realizar revisão e, ao passar pela perícia, o benefício foi suspenso. Alex tentou retornar ao trabalho, mas a empresa onde trabalhava não o aceitou por suas condições de saúde. Ele buscou um advogado para tentar recuperar o benefício, mas acabou ficando oito meses sem receber os valores e sem retorno do órgão. “Eu tenho laudos da cirurgia do ombro, da perna e dos remédios controlados que tomo. Eu faço tratamento de hipertenso e tenho um manguito rotator (músculos que sustentam o ombro) com rupturas”, diz. “Estou com oito pagamentos parados, do mês de maio até janeiro. Fiquei sem renda e minhas contas atrasaram. Agora não querem me dar aposentadoria de novo sabendo que eu tenho direito, tenho os laudos.” Em janeiro deste ano, Alex passou a receber auxílio-doença, mas a aposentadoria permanece incerta.
A demora para obter retorno do órgão acaba, muitas vezes, prolongando os processos por longos períodos, como no caso de um contador aposentado, de 60 anos, que preferiu não se identificar. Em 2015, ele conseguiu o benefício pelo INSS, entretanto, estava recebendo um valor menor do que deveria. O problema seguiu até 2017, quando o aposentado passou a receber a quantia correta. Entretanto, o retroativo dos anos em que recebeu a menos não foi pago. “Eu fiz um requerimento na parte administrativa solicitando o pagamento, só que o protocolo que acompanho está sempre em análise, isso já faz cerca de três a quatro meses.”
Prazo extrapolado
O tempo de espera para análise dos requerimentos pelo INSS em Juiz de Fora tem extrapolado os prazos previstos na Instrução Normativa (IN) 85, de 2016, atualmente em vigor, de acordo com a presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Subseção Juiz de Fora, Paula Assumpção. “A IN 85 dá o seguinte prazo: 45 dias prorrogáveis por mais 45 dias para que a autarquia dê uma resposta. Ao todo, trabalhamos com 90 dias.” Segundo Paula, em virtude da demora e da sobrecarga de serviço, os juízes estão pedindo para que se aguarde 120 dias, ou seja, quatro meses, antes de acionar a Justiça. “Antes de quatro meses, nós evitamos judicializar.”
Governo anuncia medidas para acelerar análise de processos
Em 14 de janeiro, o Governo federal anunciou uma série de medidas para reduzir o estoque e agilizar os processos do INSS. Conforme o órgão, no Brasil, 1,3 milhão de pessoas aguardam análise dos seus pedidos há mais de 45 dias. Em Minas Gerais, mais de 148 mil aguardam resposta para seus requerimentos há mais de 45 dias, tendo por base dados de janeiro deste ano. Entre as solicitações, a de aposentadoria por tempo de contribuição é a que mais possui processos represados, com 51.574 pedidos em todo o estado. Em seguida, estão o benefício assistencial à pessoa com deficiência (44.999) e a aposentadoria por idade (29.031).
As propostas englobam a seleção de sete mil militares da reserva, restrição às cessões de servidores do INSS a outros órgãos, simplificação e redução da burocracia no atendimento aos segurados e perícia preferencial nos servidores afastados do instituto.
A polêmica contratação dos militares da reserva poderá ser possibilitada por meio de um decreto publicado no Diário Oficial da União no dia 23. O documento regulamenta a seleção dos militares para atuarem em quaisquer órgãos públicos federais, englobando, inclusive, a iniciativa para reduzir as filas no INSS. O militar reformado receberá adicional de 30% da remuneração que recebe na inatividade, além de diárias, quando necessário, auxílio-transporte e auxílio-alimentação.
Em nota, a Secretaria de Previdência informou que os próximos passos serão a publicação de duas portarias, sendo uma do Ministério da Defesa (MD) e outra do Ministério da Economia (ME) para detalhar os procedimentos do decreto. O órgão interessado deverá realizar o pedido junto ao ME, que fará uma consulta com o MD. Após manifestação sobre o pessoal inativo, a Economia irá analisar a conveniência, definindo limites para a contratação. Esta, por sua vez, será feita por meio de edital de chamamento público.
Segundo informações do portal do Governo federal, o chamamento deverá conter todos os detalhes necessários sobre as atividades a serem desempenhadas, bem como o número de militares necessários e jornada de trabalho, entre outros pontos. Os órgãos poderão contratá-los por até quatro anos, sem possibilidade de prorrogação. O Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, já se posicionou que a contratação exclusiva de militares para atuar no INSS é considerada inconstitucional e, caso o Governo leve a ideia adiante, deverá promover um seleção de funcionários que mescle militares e civis.
Informatização do sistema traz transtornos, dizem especialistas
Os processos no INSS, atualmente, compõem uma análise de operativo nacional, por meio da informatização do sistema. Isto quer dizer que servidores de diferentes estados podem analisar processos de diferentes regionais. “Agora, todos os processos represados vão para as nuvens. Então os processos represados em Juiz de Fora podem estar em torno de oito mil, mas eles caem nas nuvens em nível nacional, e, em todo o país, são mais de dois milhões de processos parados atualmente”, explica a diretora da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), Cleuza Maria Faustino do Nascimento.
A questão é apontada como um dificultador pela presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Subseção Juiz de Fora, Paula Assumpção. “A informatização do sistema tirou nosso contato pessoal com o servidor que fazia o atendimento. Falta um esclarecimento sobre algum documento com erro que pudesse ser sanado. Às vezes, quando íamos pessoalmente na agência, o servidor já olhava e falava se estava errado e o que precisa arrumar. Nós saíamos de lá com esse feedback.”
Muitas pessoas acabam procurando a Associação dos Aposentados, Pensionistas e Idosos de Juiz de Fora e Região, justamente para terem o auxílio que lhes falta com o sistema, segundo o advogado da instituição, Adriano Moreira. “Quando a pessoa é muito idosa ela tem dificuldade para cadastrar a senha de forma eletrônica. Muita gente reclama que não tem nem acesso a informática.” Para realizar as solicitações, os documentos também têm de ser digitalizados, o que também dificulta o acesso, avalia.
Mais de 90 serviços
Em nota, o INSS informou que o processo digital para requerimento de benefícios e serviços “veio exatamente para facilitar a vida do cidadão”. “Com um clique, ele tem acesso a mais de 90 serviços, sem sair de casa. E essa é uma tendência geral, tanto no serviço público, como na iniciativa privada, a exemplo dos bancos.” Além disso, o órgão explica que, ao solicitar um serviço ou benefício, é possível acompanhar seu andamento pelos canais remotos (135 e Meu INSS), “sem se deslocar a uma agência, ou mesmo ter contato com algum servidor do INSS”.
Carência de servidores agrava situação
Entre os fatores que contribuem para os atrasos, a representante da Fenasps aponta a carência de servidores do INSS, além de outros problemas ocasionados pela alta demanda de trabalho. “Em 2019, nós perdemos, em nível de Brasil, cerca de 60% da força de trabalho”, diz. “Os servidores estão tendo que cumprir metas abusivas e inatingíveis. O trabalhador está adoecendo por conta do assédio, da cobrança, e de ficar preocupado com esse acúmulo de serviço sem ter como resolver.”
Na avaliação da entidade, a contratação de militares não seria a melhor alternativa. “Um profissional da reserva não vai ter condições de acompanhar todas as alterações da legislação previdenciária”, aponta Cleuza. “Para nós, o interessante, no momento, seria chamar os aposentados (do próprio INSS) para fazer essa força-tarefa ou realizar concurso público imediato.” Conforme a diretora, a categoria fez denúncias junto ao Ministério Público e à Procuradoria da República, além de solicitar audiência na Casa Civil, no Ministério da Economia e na presidência do INSS.
Para a presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB, Paula Assumpção, a contratação de militares engloba uma série de questões técnicas, como o fato de o regime previdenciário ser diferente do regime geral do INSS. “Primeiro ponto marcante é que vai ser difícil para os militares aprenderem as regras do INSS se eles não lidam com o mesmo sistema previdenciário. Segundo, é a própria reforma da previdência, que deixou, para nós, seis regras de cálculo. Atualmente, quando uma pessoa vai no meu escritório para fazer uma análise se ela pode se aposentar, eu não consigo mais respondê-la na hora, porque preciso pegar aqueles documentos e fazer seis cálculos, sentar e analisar qual a melhor possibilidade, marcar com ela um retorno e explicar. Imagina os militares chegando agora, sem esse conhecimento do sistema previdenciário, e aprendendo seis regras de cálculo simultaneamente”, exemplifica.
De acordo com Paula, uma possível solução para reduzir as filas do INSS seria a contratação temporária de funcionários, permitida pela Constituição. “Pelo aumento excepcional do serviço que a legislação permite, acho que as contratações temporárias seriam mais adequadas, porque poderia fazer um sistema de seleção para chamar pessoas que conhecessem, basicamente, o sistema previdenciário, ainda que fossem advogados desempregados, professores, pessoas que seriam contratadas por tempo determinado.”