Pela primeira vez em três anos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou o acionamento da bandeira vermelha nível 2. Após esta definição, o órgão informou nesta quarta-feira (4) nova revisão na bandeira tarifária de setembro. O patamar passou de vermelho 2 para vermelho 1. Isso implica em um aumento imediato na conta de energia, com o acréscimo de R$ 4,46 a cada 100 quilowatt-hora (kWh).
Um anúncio de encarecimento na conta de luz nunca é favorável, seja para clientes residenciais ou para as empresas. No caso do restaurante Moi de Salsa, a proprietária Mariângela Moura afirma que vai precisar acompanhar os impactos desse aumento de preço e refazer cálculos para tentar segurar o repasse aos clientes. “No total de 90% das minhas vendas são de comidas congeladas, então o gasto com o freezer é muito alto, principalmente agora que está chegando a época do calor. Meu objetivo é não repassar esse custo ao cliente, mas vou ter que sentar para ver como as coisas vão ficar, porque se isso (maior custo de energia) gerar um aumento em cadeia e encarecer o preço dos insumos, pode ser que eu não dê conta.”
Além do uso da energia na refrigeração dos alimentos, Mariângela afirma que utiliza o forno elétrico no preparo das refeições. De acordo com ela, devido ao preço alto do gás de cozinha, o forno elétrico estava compensando no orçamento, agora ela já não sabe mais. “Aumentar o valor do produto não é bom nem para a gente nem para o cliente. O mercado de comidas saudáveis, que eu faço parte, já está muito saturado. É uma concorrência muito grande. Eu tenho segurado o preço das minhas marmitas há mais de um ano, mas já estou ficando sem margem.”
Impacto na inflação
Para a economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni, o que vai determinar se o aumento no custo da energia elétrica vai ou não impactar na inflação é o tempo que a bandeira vermelha ficará acionada. “O custo da energia elétrica é um componente importante dentro do Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA). No ano passado, a inflação oficial do país fechou em 4,62%, enquanto a inflação no preço da energia elétrica ficou em 9%. Se ficarmos muitos meses com a bandeira vermelha, pode ser que ocorra uma elevação. Se nós tivermos quedas de outros preços, pode neutralizar. Pode até ser que você tenha aumentos pontuais ao longo dos meses devido ao componente energia elétrica, mas para saber se vai afetar o IPCA, precisamos esperar até o final do ano.”
Carla Beni ainda explica que o aumento de preço ao consumidor não é linear, ou seja, não é só porque o preço dos insumos subiu que o valor final do produto ficará mais alto. “A indústria, por exemplo, é um setor muito afetado pelo aumento do custo de energia. Mas é preciso ver se ela já tinha fechado contratos de energia antes do aumento de preço. No caso dos varejistas, o fato de subir um pouco a conta de luz não significa que os preços vão aumentar no supermercado, não é algo automático, mas depende de outros fatores e, principalmente, o tempo pelo qual vai se prolongar esse aumento.”
No consumo do dia a dia
Tentar segurar os preços até onde der parece ser a meta de todo comerciante. No setor de panificação não é diferente. Conforme o presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria de Juiz de Fora (Sindipan/JF), Heveraldo Lima de Castro, o uso da energia envolve toda a cadeia de produção. “Desde a compra com os fornecedores, a produção até o armazenamento. No verão nosso gasto com geladeira aumenta, sem contar os estabelecimentos que têm ar condicionado.”
Heveraldo afirma que a notícia de um aumento extra na conta de luz fez com que o comerciante tivesse que refazer cálculos. “Não é só a energia, tudo está muito caro. Então, por mais que o intuito seja não repassar para o cliente, pode ser que, em algum momento, não dê mais para segurar.”
Assim como no ramo de panificação, o objetivo do setor de supermercados também é repassar o mínimo de aumento possível no preço final para o consumidor, conforme explica o presidente executivo da Associação Mineira de Supermercados (Amis), Antônio Claret Nametala. “É importante lembrar que é um custo que incide em toda a cadeia – produção no campo, transporte, indústria até chegar ao consumidor. Todos são afetados em alguma proporção.”
Claret explica que o custo com energia está entre as três maiores despesas dos supermercados, sendo a segunda maior para a maioria. Diante disso, o presidente considera que será um desafio não haver repasse no preço final para o consumidor, apesar de ser o objetivo.
“Os supermercados já trabalham com uma planilha de custos extremamente ajustada. Aumentos como esse comprometem novos investimentos, como em renovação de equipamentos e modernização de lojas. Para o varejo, o aumento no preço da energia não só é um custo direto, como absorve parte da renda do consumidor, que seria destinada às compras das famílias”, explica o executivo.
Onda de calor
Setembro chegou com um alerta de onda de calor publicado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Conforme o Setor de Meteorologia da Cemig, esta será a primeira de outras ondas que virão ao longo do mês. A companhia afirma que espera um aumento de gasto de energia dos clientes, principalmente com o objetivo de refrescar o ambiente.
O ar condicionado é, de longe, o principal vilão da conta de luz durante os dias mais quentes. Conforme o engenheiro de Eficiência Energética da Cemig, Thiago Batista, o aparelho tem potência elevada e funciona de forma similar à geladeira, só que retirando o ar quente do ambiente. Por isso, recomenda que o consumidor fique atento ao tempo de utilização.
Para quem pensa em adquirir um aparelho desse tipo, vale outra dica: o ideal é comparar os dados indicados pela etiqueta do Inmetro e escolher aqueles com a classificação “A”, pois são os mais eficientes. “Para as residências, existem dois modelos: o tipo janela (menos eficiente) e o Split, que é mais eficiente. Na aquisição de qualquer um deles deve-se dar preferência para aqueles cuja etiqueta indica o consumo anual provável e multiplicar pela tarifa de energia encontrada na conta de luz. Dessa forma, o consumidor terá uma boa ideia do quanto cada equipamento ‘gastará’ no ano, pois esse consumo foi padronizado para uma utilização típica no país”, afirma.
Thiago destaca a vantagem dos modelos Split. Segundo ele, este tipo de aparelho tem opções com tecnologia ‘inverter’, que é ainda mais eficiente, pois trabalha na medida certa para manter a temperatura ajustada. “Outras dicas para economia são: manter o ambiente fechado, colocar cortinas ou persianas para evitar a incidência de luz solar e manter a temperatura em 23 ou 24 graus.”
Dicas de consumo
Ainda segundo a Cemig, a geladeira ocupa o segundo lugar no ranking de consumo de energia dentro das residências. Isso se deve ao seu funcionamento contínuo e ao constante “abre e fecha” da porta. Uma dica é evitar o armazenamento de alimentos ainda quentes no refrigerador, pois pode aumentar o tempo de funcionamento do motor, elevando o consumo de energia.
Segundo o especialista Thiago Silva, é crucial manter a borracha de vedação da geladeira em bom estado e ajustar o termostato, especialmente durante os meses mais quentes. “Se a borracha de vedação estiver desgastada, a geladeira terá que trabalhar mais para manter os alimentos refrigerados. Um teste simples para verificar a vedação é colocar uma folha de papel entre a porta e o eletrodoméstico. Se a folha sair facilmente, a vedação está comprometida e precisa ser trocada. É importante realizar esse teste em vários pontos da porta”, orienta.
Enquanto o consumo de energia pode subir com o uso de refrigeradores, o verão também oferece uma oportunidade de economizar com o chuveiro elétrico, que é o maior consumidor de energia em muitas residências. A redução da potência do chuveiro pode resultar em uma economia significativa. “Ao ajustar o chuveiro para a posição verão, os usuários podem reduzir o consumo em cerca de 30% em comparação com a configuração de potência máxima. No entanto, é essencial manter um tempo de banho razoável. Reduzir a potência sem ajustar o tempo de uso não trará os benefícios esperados”, alerta o especialista.
Por que a bandeira vermelha?
Segundo a Aneel, o acionamento da bandeira vermelha nível 2 no começo deste mês foi motivada pela previsão de chuvas abaixo da média em todo o país, que deverá resultar em redução significativa nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, com queda estimada em cerca de 50% em relação à média histórica.
O cenário de baixa pluviometria, combinado com temperaturas superiores à média, está forçando um aumento na operação das termelétricas. Estas usinas, que geram energia de forma mais cara do que as hidrelétricas, serão acionadas com maior frequência para compensar a escassez de água nos reservatórios.
Segundo Bruno Henrique Dias, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o acionamento da bandeira vermelha é uma resposta a dois fatores principais: o risco hidrológico, conhecido como GSF (Generation Scaling Factor), e o aumento do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD).
Ele explica que a geração de energia no Brasil é feita de forma centralizada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que se utiliza de um modelo computacional – software – que calcula a operação ótima do sistema (quanto gerar de hidrelétrica e termelétrica) em cada instante, analisando a situação hidrológica, ou seja, quanto temos de água armazenada nos reservatórios das hidrelétrica e de afluências previstas. Além disso, o ONS leva em consideração também o quanto é gerado de energia eólica e solar.
“O Preço de Liquidação de Diferenças (PDL) é calculado a partir dos valores ótimos de geração, ou seja, os valores mais econômicos para os usuários. Em momentos em que temos um ‘estoque’ baixo de energia, ou que temos um aumento maior no consumo, o PLD aumenta. Por isso, temos o acionamento da bandeira tarifária, indicando aos consumidores que a energia está mais cara naquele momento.”