A presença de gorduras trans em alimentos industrializados pode estar com os dias contados no Brasil. Há cerca de um mês, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 332/2019, que traz regras que limitam o uso das gorduras trans em alimentos industrializados. O objetivo é proteger a saúde da população, uma vez que o consumo elevado dessas gorduras é nocivo à saúde por favorecer o surgimento de problemas cardiovasculares, como o entupimento de artérias que irrigam o coração, aumentando o risco de morte por essas doenças. A nova RDC prevê a implantação da norma em três fases, iniciando com o estabelecimento de limites de gorduras trans industriais para a indústria e serviços de alimentação e prosseguindo até o banimento do uso de gordura parcialmente hidrogenada até 2023.
Etapas de implementação
Conforme a Anvisa, a primeira fase para a implantação da medida está focada na imposição de limites de gorduras trans industriais na produção de óleos refinados, limitando a 2% sua presença nesses produtos. As gorduras trans industriais em óleos refinados são produzidas em função do tratamento térmico aplicado durante a etapa de desodorização (eliminação de odores desagradáveis). O prazo para adequação é de cerca de 18 meses. Portanto, a restrição passará a vigorar a partir de 1º de julho de 2021.
Ainda na mesma data, entra em vigor a fase de restrição de gordura trans industrial para os demais alimentos, com a adoção do mesmo limite de 2% de gorduras trans industriais do total de gordura presente nos alimentos em geral, industrializados e comercializados no varejo e atacado. Assim, a norma ampliará a proteção à saúde, alcançando os produtos destinados à venda direta aos consumidores e ofertados nos serviços de alimentação. Essa restrição vai vigorar entre 1º de julho de 2021 e 1º de janeiro de 2023. Contudo, há uma exceção: a regra não valerá para alimentos destinados exclusivamente para fins industriais, portanto usados como matérias-primas.
Na última fase da implementação, a RDC prevê o banimento do ingrediente gordura parcialmente hidrogenada, a principal fonte de gorduras trans industriais nos alimentos, a partir de 1º de janeiro de 2023.
Gorduras trans – Riscos para a saúde
O que são as gorduras trans?
As gorduras trans, tecnicamente, são conhecidas como ácidos graxos trans, um tipo de gordura que pode ser encontrada de forma natural em alimentos derivados de animais ruminantes, como bois, cabras e carneiros, por exemplo, estando presentes em carnes, banha, queijos, manteiga, iogurtes e leite integral. Contudo, podem ser produzidas industrialmente durante a hidrogenação parcial de óleos vegetais ou em tratamento térmico. O detalhe está na concentração: em alimentos derivados de animais ruminantes, as concentrações de gorduras trans são consideradas pequenas, portanto, em níveis seguros para consumo. O problema, conforme a Anvisa, está nos produtos industrializados.
As gorduras trans industriais podem ser facilmente encontradas na formulação de margarinas, biscoitos, snacks, bolos, massas instantâneas, sorvetes, chocolates, pratos congelados, pipoca de micro-ondas, entre muitos outros alimentos ultraprocessados. A substância também está presente em frituras comercializadas em serviços de alimentação e por vendedores ambulantes.
Quais riscos seu consumo traz à saúde?
Durante muitos anos, acreditou-se que os óleos e gorduras parcialmente hidrogenados (OGPHs) seriam opções mais saudáveis que a gordura saturada. Mas desde 1990, evidências científicas apontaram riscos à saúde decorrentes desses ingredientes, como aumento do colesterol ruim (LDL) no organismo e redução do colesterol bom (HDL).
Atualmente, há evidências convincentes de que o consumo de gorduras trans acima de 1% do valor energético total (VET) em alimentos gera fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, aumentando a ocorrência de problemas coronarianos e a mortalidade por essas causas.
Conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada entre os anos de 2008 e 2009, o consumo diário de gorduras trans atingiu, no mínimo, 1% do valor energético total (VET) para todas as faixas etárias. Naquele levantamento, o maior consumo foi observado entre adolescentes, com 1,2%. Mas estimativas de 2010 já apontavam para um consumo geral de 1,8% pela população brasileira.
Desde 2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra preocupação com essa substância e vem publicando recomendações e estratégias globais para reduzir o consumo de gordura trans, sendo a última de 2018. Hoje, 49 países já contam com medidas regulatórias para restringir os ácidos graxos trans industriais (AGTIs) nos alimentos. Entre eles estão Estados Unidos, Canadá, Chile, Argentina, África do Sul, Irã e nações da União Europeia. No Brasil, estima-se que, em 2010, o consumo excessivo de AGTIs foi responsável por 18.576 mortes por doenças coronarianas, 11,5% do total de óbitos por essa causa no país.
Por que a Anvisa quer eliminar a presença de gordura trans em alimentos industrializados?
A norma da Anvisa é focada na gordura trans industrial, que consiste em uma gordura mais sólida e que cumpre função tecnológica no processo de industrialização, conferindo crocância aos alimentos e aumentando o prazo de validade dos produtos. Mas a Agência informa que já existem tecnologias que permitem à indústria a substituição dos AGTIs nos produtos.
O regulamento brasileiro, que ficou em consulta pública durante 60 dias, está em sintonia com o plano de ação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e com o pacote de medidas Replace, da OMS. Ambos preveem a promoção de ações regulatórias para eliminar o uso de gorduras trans industriais em alimentos, que está associado a cerca de 160 mil mortes nas Américas, a cada ano. Em todo o mundo, são aproximadamente 500 mil óbitos por ano, segundo a OMS.
A adoção das novas normas da Anvisa tem como objetivo reduzir o consumo de gorduras trans para menos de 1% do valor energético total da alimentação e eliminá-las nos produtos oriundos do uso de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados. Além disso, a medida visa restringir o teor de AGTIs nos alimentos que passam por tratamento térmico de óleos e garantir o acesso dos consumidores a informações claras e precisas sobre a presença e a quantidade desses ingredientes nos produtos, por meio do processo regulatório sobre rotulagem nutricional, que já está em andamento.
A área de Alimentos da Anvisa também propõe a adoção de medidas regulatórias complementares não normativas. Uma delas é a elaboração de guias sobre as opções tecnológicas disponíveis para substituição dos óleos e gorduras parcialmente hidrogenados nos alimentos e sobre boas práticas na desodorização de óleos e no uso de óleos para fritura de alimentos.
Fonte: Anvisa