Durante a pandemia de Covid-19, a maior parte dos serviços financeiros precisou ser realizada fora das agências bancárias. Com os clientes em casa, os bancos passaram a fazer, com mais frequência, os atendimentos à distância, principalmente através de ligações telefônicas. Entretanto, apesar da facilidade, especialistas apontam que fechar determinados tipos de negociações por telefone, como empréstimos, por exemplo, é uma prática nociva, podendo resultar em acordos sem o pleno consentimento do cliente.
Segundo o advogado especialista em direito bancário Flávio Tavares, o principal perigo dos empréstimos firmados através do telefone é que, muitas vezes, o usuário concorda com a contratação de um serviço sem conhecer as principais especificações e detalhes, como taxas de juros, encargos, comissões e prazo da contratação, bem como a venda de outros produtos embutidos no contrato.
Tavares ainda explica que o banco não está sujeito a nenhum tipo de responsabilização por fazer a mera abordagem do cliente através de canais de comunicação, entretanto, se o usuário sofrer algum prejuízo causado por uma contratação irregular, a instituição financeira poderá ter que reparar os danos causados. “É a instituição que dispõe das ferramentas adequadas para proteger os clientes. No Código de Defesa do Consumidor, o cliente bancário estará sempre em uma posição de vulnerabilidade com relação ao banco, podendo, inclusive, transferir para a empresa a responsabilidade por comprovar a legalidade da operação.”
PL proíbe abordagens por telefone em SP
Em Minas Gerais não existe legislação vigente que proíbe os bancos de realizarem o chamado telemarketing. Por isso, o consumidor que sofrer algum dano decorrente desta prática deve entrar com pedido na justiça de ressarcimento junto à instituição financeira. Entretanto, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei de número 826/21 que visa a proibir os bancos de realizarem a abordagens de clientes através do telefone em todo o território nacional.
No final de outubro, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou um projeto de lei que proíbe bancos e financeiras de celebrarem empréstimos com aposentados e pensionistas por telefone. O texto, de autoria do deputado estadual Alex de Madureira (PSD), prevê que a autorização para a operação não poderá ser dada por telefone, nem mesmo com gravação de voz que comprove que o beneficiário aceitou o crédito.
A proposta ainda precisa ser sancionada pelo governador João Doria. Se entrar em vigor, os empréstimos só poderão ser fechados após a assinatura do aposentado, que deverá apresentar um documento oficial que comprove sua identidade. Caso a instituição não cumpra a determinação, poderá pagar multa de R$ 5.818.
Facilitação de golpes
Essa forma de oferecer serviços bancários também é criticada pela possibilidade de facilitar a ação de golpistas, que se passam por funcionários do banco na tentativa de conseguir dados financeiros e fazer extorsão de dinheiro. Um levantamento feito pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apontou que, durante a pandemia, o número de tentativas de fraudes financeiras aumentou no país. Segundo a instituição, o crescimento foi de 70% nos registros de golpes em que terceiros se passavam por funcionários ou centrais telefônicas. Também foi registrada alta de 60% em tentativas de golpes financeiros contra idosos.
O advogado alerta que, há alguns anos, a maior parte das vítimas desses golpes era constituída por idosos, perfil que mudou atualmente. “Temos percebido um aumento exagerado de golpes aplicados contra pessoas mais jovens, com bom nível social e de instrução, inclusive investidores com ânsia de realizarem bons negócios. Na nossa carteira de clientes, temos muitos militares, advogados e, por incrível que pareça, pessoas que trabalham em instituições bancárias que têm sido vítimas de golpistas. Não há distinção.”
Reclamações no Procon-JF triplicaram
Segundo o site da Secretaria Nacional do Consumidor, em todo o ano passado, foram registradas 274 reclamações em Juiz de Fora envolvendo a contratação de empréstimo consignado não solicitado pelo cliente, não necessariamente por telefone. A faixa etária que mais fez registros foi a de consumidores entre 61 e 70 anos. Em 2021, o número de registros na plataforma até outubro chegou a 333, alta de 21,5%.
A faixa etária de 61 a 70 anos é a responsável por mais da metade dos registros, com 54,05% de participação. Nos últimos dois anos, o índice de solução dessas demandas foi, em média, de 75%. Na sede do Procon-JF, 23 reclamações foram feitas em 2020, de janeiro a novembro. No mesmo período em 2021, o número mais que triplicou, somando 78 registros.
Para evitar este tipo de dor de cabeça, o advogado orienta que o cliente sempre opte por resolver assuntos bancários nas agências. “A única forma que a pessoa tem, para ter certeza que está tratando diretamente com uma instituição bancária regular, é se deslocando até a mesma e cuidando de tudo pessoalmente. Sem a intermediação de terceiros.”