
A história da gravura remonta à China do século II — mas enfim finca os pés de vez em Juiz de Fora. Essa é uma técnica de arte em que cada imagem é criada em uma superfície dura, que pode ser de madeira, metal ou pedra, e depois é transferida para outra superfície, geralmente de papel, por meio da impressão. É uma arte multiplicável, que pode ser feita várias vezes. É o caso, por exemplo, de “A grande onda de Kanagawa”, obra de arte conhecida no mundo inteiro e feita pelo japonês Katsushika Hokusai no século XIX por meio da xilogravura. Mesmo sendo uma prática realizada há tanto tempo, Rafael Dantas, 40, ainda escuta de muita gente, desde que veio do Rio de Janeiro para o município mineiro a 180 km da capital do estado, que não conhece nada sobre a técnica ou que ele é a primeira pessoa que vê ensinando gravura. Ele é interessado por desenho desde a infância, e encontrou nessa expressão artística uma forma de dar vazão ao seu encanto, enquanto também pode oferecer o primeiro contato com a técnica para muitas pessoas.
Em terras cariocas, na época em que iria fazer vestibular, Rafael já sabia que queria trabalhar com arte. Ele então foi olhar o currículo dos cursos disponíveis na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o que o mais lhe chamou a atenção, a princípio, foi que na Faculdade de Gravura havia aula de desenho do começo ao fim. “Gostei da gravura porque, depois de fazer a matriz, você pode imprimir suas cópias. É como se fosse o seu carimbo”, conta. O processo para conseguir isso, no entanto, é bastante diferente do modo artificial em que as cópias são feitas digitalmente, e permite que cada arte tenha também algo novo e precise sempre do trabalho do artista. Foi também um pouco disso que fez com que ele quisesse vir para Juiz de Fora, há 8 anos, onde sabia que essa prática seria um diferencial.
Paralelamente ao trabalho com as gravuras, ele também faz suas ilustrações, que foram para livros infantis e adultos, além de quadrinhos. Sua referência, para isso, vem da infância, quando assistia TV Manchete e via desenhos japoneses como “Os cavaleiros do Zodíaco” e “Sailor Moon”. Assim como nos trabalhos que apreciava nessa época, gosta de fazer personagens que contam histórias, que refletem parte do que ele acredita e que tragam elementos do terror. “Tenho muitos personagens jovens que, por exemplo, estão tentando criar uma banda de rock ou enfrentam algum tipo de bullying. Também faço muitos personagens que usam roupas pretas, como eu usava quando era novo, e as pessoas implicavam. (…) Talvez o que seja estranho pra sociedade não seja estranho pro jovem”, diz.
Em sala de aula
Além do curso superior de gravura, ele também fez várias oficinas paralelas no RJ e até em São Paulo para aprender sobre a técnica e as outras áreas do desenho. Nessa trajetória, foi monitor de aulas e descobriu que gostava de poder ensinar o que aprendia para outras pessoas. “Eu sou uma pessoa tranquila, não deixo ninguém ficar com dúvida, então acho que combina. E gosto de ver a evolução dos alunos, cada um de um jeito”, conta ele. Atualmente, ele dá aulas de gravura na Casa D’Itália, às quintas-feiras, faz oficinas no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM) e oferece aulas individuais de desenho.
Diferentemente do que muitos pensam, como ele ressalta, “não é preciso saber desenhar para aprender gravura”. Como a técnica é feita em uma superfície, pode ter diferentes contornos de acordo com o efeito desejado mas, no seu caso, o que gosta de fazer é ilustrativo. E, para isso, também entende que as aulas de desenho são boas, porque vão desde entender como fazer formatos humanos até as técnicas de perspectiva e iluminação.
Criatividade para todos
Rafael se alegra de Juiz de Fora ter recebido ele e a família tão bem. “É uma cidade mais segura e tranquila, que tem muitos jovens. São muitas pessoas querendo aprender a desenhar, e isso é ótimo. (…) A cultura daqui também é muito boa”, comenta. Desde que chegou, conta que buscou se colocar disponível para todos os convites que recebesse, para poder fazer contatos e também contribuir com a cidade, e acredita que isso também fez uma grande diferença no seu caminho. “Quem não mostra o próprio trabalho não é lembrado. Eu tento estar presente como posso”, diz.
Recentemente, ele participou da exposição “Gerações”, no Mercado Municipal, em que levou alguns de seus trabalhos de gravura para exibição. “Na gravura, tenho gostado de trazer figuras da mitologia grega, como Medusa e Afrodite, e misturo com outros elementos. Também fiz um trabalho em que trouxe a figura da evolução pro espaço, deslocando. Foram trabalhos difíceis, mas que me orgulho do resultado”, conta. Por mais que já tenha pensado em desistir, o que Rafael diz para os alunos, e continua insistindo em dizer, é pra eles tentarem arrumar um jeito, expandir suas possibilidades, testar e errar. Porque fazer o que mais gosta vale a pena. E ele continua acreditando nisso.