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A arte do futuro? Artistas comentam uso da tecnologia na criação de obras

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Luiz André Gama, juiz-forano de 45 anos, mora no alto de uma montanha, na região centro-leste da Itália. Por lá, vive ao lado de sua esposa e mais dois vizinhos. “É a tranquilidade que eu precisava para criar”, confessa. Artista de novas mídias, já novo se viu imerso na tecnologia. Desde os 13 anos, como conta, tinha na cabeça a ideia de trabalhar com alguma coisa que tivesse como primordial o uso do computador. E tornar-se design gráfico foi o caminho possível naquela época. E, depois, trabalhar dentro de uma agência de publicidade. “Naquele momento, viver de arte digital era muito restrito. Era esse o único meio, décadas atrás.” Hoje, não.

Do alto da montanha, ele tem o necessário para produzir uma arte e vendê-la para todo o mundo, literalmente. A arte já estava nele de algumas formas, seja na própria agência de publicidade que criou e precisava desembolar campanhas para as mais diversas áreas, exercendo – e muito- sua criatividade, ou atuando como VJ em casas noturnas da cidade, chegando até a morar em Ibiza exatamente por causa do que já apresentava naquele momento: o encontro das artes com a tecnologia e o digital. “Eu fui para Ibiza e a minha vida se distanciou do Brasil e eu, de fato, entrei na arte digital. Decidi que não queria trabalhar mais dentro de uma sala e fui entrando no caminho. Quando o NFT começou a surgir de fato, fui juntando uma coisa e outra. Eu já estava produzindo muito material de vídeo e comecei a fazer alguns testes com NFT e foi rolando.”

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Na primeira semana de dezembro, Luiz André teve suas artes digitais expostas na Beyond Basel e na Scope International Contemporary Art, em Miami, um importante circuito de eventos paralelos à Art Basel, das mais relevantes feiras de arte contemporânea do mundo, que apresenta nomes em ascensão e já consolidados na arte digital. Já em outubro, ele participou da inauguração da Casa Nua, em São Paulo, o primeiro museu permanente e galeria de arte descentralizada do Brasil. Tudo isso com suas séries “The recursive series” (2019-2021), “Reflections” (2022), “Centauromachy” e “RGB Dreams” (2023). Da Itália, ele chega mesmo ao mundo todo.

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Seu processo parte primeiro da criatividade de entender qual é a série que vai começar a partir do que tem em mente. “Eu gosto de ser criativo. E, como trabalhei por muito tempo em agência, fui criando métodos. Nada de dom. É trabalho e treinamento”. Ele já tinha intimidade com alguns softwares que faziam arte digital, mas decidiu mudar para, de acordo com ele, fazer trabalhos que não fossem convencionais – momento em que viu que precisaria saber, inclusive, sobre programação. “Eu descobri um programa baseado em nós. É como se eu tivesse uma caixa de lego e cada lego é uma caixinha de programação. Ele tem um pouco de algoritmo. Eu junto os legos e crio o que quero”, conta.

Para Luiz André, as pessoas têm se mostrado mais abertas às artes tecnológicas, apesar de sempre ter alguém com um pé atrás (Foto: Divulgação)

A partir disso, surgem ideias para os mais variados temas. “Geralmente, o que estou estudando. A série que foi para Miami foi uma série planejada. Eu tinha umas coisas que queria estudar e resolvi fazer isso de forma remunerada. Transformar o meu estudo em arte e tentar vender enquanto estou estudando é a melhor forma de aprender”. Já a “Centauromachy”, por exemplo, nasceu da necessidade que ele tinha de falar o que sentia sobre a situação do Brasil. “Mas ela não é uma série feita só para o Brasil, é para a humanidade. Eu estava de olho em vários temas, e eu não vou parar nunca de criá-la exatamente pela minha sanidade. É uma forma de eu botar para fora. Ela é uma das séries mais trabalhadas e, por isso, eu faço menos peças”. Com a ideia, ele parte para a execução, que envolve estudar, “quebrar a cabeça”, fazer testes para entender a forma como a imagem fica melhor.

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Arte digital no Brasil

Luiz André percebe que, no Brasil, ainda existe certo “preconceito” com esse tipo de arte. “E é uma coisa antiga. Quando eu comecei a trabalhar como designer, eu usava photoshop. Nessa época, muitos profissionais falavam que eu não era designer porque usava photoshop e o de verdade fazia a coisa à mão. Desde essa época, tinha um preconceito com a tecnologia que, na verdade, facilita nossa vida”. O artista visual acredita ainda que esse “preconceito” com a arte digital vem muito da NFT. “Porque a gente tem no mundo hoje boa parte de pessoas inimigas da NFT, mas a maioria é porque não entende o que está por trás. É como ser contra o Canvas (tipo de impressão de arte). A NFT é só uma forma para facilitar a arte digital, porque é um contrato que comprova que você é um dono e facilita muito. Parece que as pessoas não querem entender o que realmente é, mas, na verdade, isso pode ajudar muita gente. A realidade é que, no Brasil, tem muitos artistas digitais que interagem mais com gringos que com brasileiros, por conta do preconceito.”

Muito desse “preconceito” parte também da ideia de que é fácil fazer esse tipo de arte. “Mas não é”, rebate Luiz André. “O software é apenas uma prótese, uma ajuda. É como se eu fizesse uma colaboração com um amigo. Muitos dos softwares que eu uso tinha que aprender todo um universo de designer gráfico e todo um universo de programação antes. Não é que eu sento e aperto um botão”. Mas isso, para ele, tem mudado: as pessoas têm se mostrado mais abertas às artes tecnológicas, apesar de sempre ter alguém com um pé atrás.

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Sobre o futuro: “No Brasil, esse cenário é temporário. Está para estourar. A abertura da Casa Dua, em São Paulo, foi um marco por isso. E as pessoas têm que entender que não tem como voltar atrás. A arte de agora é feita com aquilo que se tem. Eu não posso estar no século XXI e ser obrigado a não usar o que tem no século XXI. Isso precisa ser uma opção minha. Algumas pessoas não entendem e nem querem entender também. Mas não tem jeito. Uma geração pode se adaptar ou não. A próxima já nasce adaptada. Não tem muita escolha”.

Para ele, a grande mudança de chave vai acontecer quando se perceber que, na verdade, a arte digital tem ainda recuperado museus e galerias e atraído pessoas mais jovens. “O adolescente está colecionando arte. Porque todo mundo que está nesse universo ou é colecionador ou artista e, no meu caso, sou os dois. As galerias undergrounds estão abrindo. Você pega um lugar, enche de tvs, de projeções com arte, você enche de gente porque as pessoas não veem isso em qualquer lugar. É muito interessante as galerias digitais. Toda semana, praticamente, eu vejo abrir uma galeria nova de arte digital. Porque ela tem uma oxigenada no mundo da arte. Ela está atraindo um público novo, atrai quem antes já ia também”. E o mais importante: “Eu só faço arte hoje por gostar dos artistas que não eram digitais. Mas, a arte digital é, sim, a arte do futuro”.

Um piano que toca sozinho?

Mas a arte do futuro não é simplesmente aquela que envolve NFT e inteligência artificial. Ela é, na verdade, bem mais ampla e abrange bem mais áreas, para além das visuais. Luiz Castelões, professor do Bacharelado em Composição Musical da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tem se dedicado a usar sua criatividade para criar partituras pensadas para piano-robô, a forma como ele decidiu chamar esses pianos capazes de tocar sozinho. Essa ideia surgiu a partir do fato de que nem toda a música que se pensa é capaz de ser tocada por humanos. “A gente consegue imaginar várias coisas mas não consegue executá-las. A gente pode imaginar qualquer música, mas executar, não. O princípio é esse: a ideia de fazer qualquer música que se imagine ao invés de ficar restrito ao que o corpo humano pode fazer.”

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Partitura pensada para piano-robô (fotos: Divulgação)

O processo para essa criação é como criar uma música para um humano tocar, ele explica: “Você faz a música do jeito que quiser em partitura; passa para o computador e, copiada, você salva como MIDI, que é um formato japonês que os pianos-robôs leem, que tem todas as informações da partitura; você manda para o piano-robô e ele executa. O piano toca sozinho. Eles têm um dispositivo digital dentro deles que fica até fantasmagórico. A gente assiste e não acredita, porque a gente, às vezes, precisa do ser humano para achar que está acontecendo alguma coisa. Mas o piano toca sozinho mesmo”, explica.

Mais uma opção

No Brasil, ainda tem poucos pianos-robôs. Em Juiz de Fora, não tem. Quando, então, Luiz Castelões compôs as músicas, precisou encontrar um lugar para que elas fossem executadas. Nando Costa, músico e produtor juiz-forano, que atualmente mora em Los Angeles, trabalha em um estúdio que tem um desses pianos-robôs. E, lá, suas músicas foram executadas e, então, gravadas. “Foi tudo meio ao acaso. Porque eu fiquei procurando o piano, estava procurando a solução, os meios, já que o humano não consegue executar”. Duas de suas peças foram inscritas em concursos de música e as duas, em concursos diferentes, ganharam o terceiro lugar.

Essa ideia que se tem de que o robô vai substituir o homem está longe do que Castelões pensa para o seu trabalho. “No meu trabalho, eu tento nunca substituir completamente o ser humano. Isso é importante. A gente usa o robô para o que a gente não consegue fazer. Para o resto, a gente continua fazendo. Fazer a música é do mesmo jeito, como se fosse uma orquestra, para qualquer instrumentista. O que muda é que o ser humano não consegue tocar, só o robô”. Inclusive, ele compõe a peça de forma que ela fica menos “robozística” e mais humanizada. “Como se fosse humanizar um robô do futuro. A viagem é essa: como humanizar um robô do futuro. Minha ideia é que seja como um humano tocando mesmo. Você escreve a música exatamente como ela vai ser tocada. Não é que um robô aja como ser humano, ele não coloca nada na música, ele faz exatamente o que você quer. É literal ao que você coloca na partitura digital.”

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Para Luiz Castelões, a ideia de que o robô vai substituir o homem está longe do que ele pensa para o seu trabalho (Foto: Divulgação)

Como professor da UFJF, Castelões conta que o piano-robô é visto, basicamente, como mais uma ferramenta mesmo. “Existem algumas possibilidades: você executar, um amigo ou a máquina. Ou seja, é mais uma opção. Não é substituição. Principalmente, porque os programas ainda não conseguem criar do nada. É um programa que imita alguma coisa. Programar algo que já existe, é viável hoje em dia. Agora, um programa que invente do nada, ainda está um pouco distante. A criatividade é do músico.”

Para Castelões, pensar em músicas para que o piano-robô execute é um método exatamente para exercer sua criatividade. Mas a ideia do piano-robô surgiu com o intuito de que ele fosse instalado principalmente em lugares ou em casas em que não tenha pessoas que saibam ou possam tocar. “Ele toca sozinho como se fosse um grande pianista tocando”, conta. Mas a realidade é distante ao Brasil por causa do seu preço, já que, de acordo com ele, no ano passado, um piano desse estava quase R$ 300 mil, já que, além de ser literalmente um piano de cauda, tem os dispositivos digitais dentro dele.

Um futuro próximo

Mas, para ele, o caminho é o de que esses pianos sejam cada vez mais fabricados. Antes, só a Yamaha fabricava. Agora, uma outra marca de pianos passou a fazer. É um caminho, inclusive, que também não tem mais volta porque já representa o que vem no futuro. “O lado positivo é que acontece uma expansão da imaginação musical, para a gente imaginar qualquer música e ela ser tocada muito além do corpo humano. Isso para mim, criativamente e musicalmente, é muito positivo. O lado negativo é que plataformas digitais estão criando músicos fictícios, com a inteligência artificial, e algumas músicas – tudo com o intuito de pagar cada vez menos o ser humano. Talvez daqui a dez anos o panorama já vai estar bem tomado.” Apesar de parecer distante, é logo ali.

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