Fragmentos de bambolês de diferentes cores se misturam para formar um orgânico padrão. Parecem flores. Parecem muitos círculos. Parece pintura. Sem tintas ou pincéis, Marcos Cardoso disserta sobre uma fatura que também é pintar. O artista de Paraty, reverenciado por Lygia Pape e em crescente reconhecimento pelo país, apresenta em “Pintura do tipo brasileira”, que a Hiato – Ambiente de Arte inaugura nesta quinta, 31, às 20h, um tratado sobre uma expressão, sem dela lançar mão. Pintura, portanto, não é técnica, mas gesto.
“Não necessariamente para falar de pintura, é preciso pintar. Uma fotografia poderia ter o discurso da pintura. O Marcos Cardoso, por exemplo, dificilmente trabalha com suportes que se aproximam da pintura. Ele tem obras com restos, seriações e módulos, embalagens de biscoito, guimbas de cigarro. Na exposição ele trabalha com bambolês. Ele não está pintando e está produzindo algo de uma visualidade muito grande, uma produção pictórica”, reflete Petrillo, coordenador da galeria que escolheu o tema para comemorar seus 15 anos de estrada.
“A pintura do tipo brasileira não teve influência tão europeia. A pintura da geração de 1980 é vista como não tendo recebido a interferência tão forte das vanguardas europeias. Acredito que tenha tido, sim, mas o fato é que a pintura brasileira é diferente. Podemos ver isso na Lúcia Laguna, Daniel Senise, Daniel Lannes, que são artistas emergentes e estão fazendo um supertrabalho, com um grande reconhecimento”, pontua o artista, um dos 16 integrantes da mostra que reúne nomes exponenciais, como o de Edmilson Nunes, que “pinta” com tecidos.
Da figuração ao abstrato, a exposição, que já foi apresentada no Rio de Janeiro, em formato diminuto, defende, em Juiz de Fora, a permanência de uma expressão que se faz mutante, contemporânea tanto na geometria de Manfredo de Souzanetto quanto na placidez da realidade fria de Mirela Luz. Também é contemporânea na visceralidade e urbanidade da pintura de Antônio Bokel, um dos principais nomes da atualidade, presente em coleções como a de Gilberto Chateaubriand .
“Inspirada no desejo modernista de totalidade e baseada na apreensão tipológica ou taxonômica de algumas obras especificamente circunscritas na esfera do campo pictórico, a exposição justapõe trabalhos de dimensões variadas e elementos estéticos plurais que vão desde a silenciosa planaridade dos colorfields às narrativas figurativas de cunho político. Encontram assim uma espécie de transição de linguagens exatamente entre a figuração e a abstração”, explica a curadora da mostra, a pesquisadora e crítica de arte Renata Gesomino.
Segundo Petrillo, que expõe pintura azul e dourada, como se fossem sequência das recentes fotografias de estruturas de telhado, há uma força muito grande da tinta na arte contemporânea. “A pintura, o desenho, estão voltando com muita força. Não apenas a pintura do quadro, mas o engenho, de ir colocando camada sobre camada”, comenta. “Não diria que há um novo lugar para a pintura, ela ocupa o mesmo lugar de sempre. Muito se falou, e ainda se fala, de morte da pintura, mas os fatos mostram que isso, de fato, nunca se deu”, completa Osvaldo Carvalho, produtor da mostra e autor da série de pequenas telas nas quais exalta um urbano que se funde com o próprio procedimento adotado nas obras, como retratos de uma atualidade brutal. “Falar em originalidade é falar de um sentimento, ou seja, de algo que não se pode medir. Assim vejo a ‘originalidade’, não há fórmulas para determiná-la, então quando surge tem algo mais de espanto que de previsão”, pontua Carvalho.
Profusão de cores e cristal
Da mesma forma que a originalidade parte da particularidade do sujeito, toda obra fala de seu autor. E há muito de seu coordenador nas paredes da Hiato – Ambiente de Arte. Por isso a escolha pela pintura, expressão da qual o jovem chegado de Valença para cursar artes e design na UFJF, ainda na juventude, nunca abriu mão. Aluno da Associação de Belas Artes Antônio Parreiras e também da universidade, equilibrou-se entre dois polos, entre dois fazeres e entre duas instâncias. “Apesar de eu estar desenhando mais, a pintura é o que grita mais alto para mim”, confirma Petrillo.
Nesses 15 anos, segundo Petrillo, nunca privilegiou-se uma expressão em detrimento de outra. Pelo contrário. Sempre existiu, garante, a preocupação com um pensar “a produção cultural, um desejo de renovar e criar intercâmbios”. “A Hiato começou a ser vista no Rio de Janeiro. Aprendi a trabalhar e a perceber que não é apenas o retorno financeiro que interessa, mas o retorno institucional. Não quero só colocar quadros nas paredes, mas pensar, refletir, ter critério”, orgulha-se ele, chamando atenção para o projeto “Dez ao cubo”, iniciado pela galeria e já em sua décima exposição, com duas exibições no exterior e cerca de 250 artistas atingidos. “Nossa meta é chegar aos 1.000 artistas.”
“O dia em que abri a galeria foi muito significativo”, recorda-se o artista. “Lembro de sentar na porta e pensar que meus problemas haviam acabado. Não vi os oito meses mais difíceis da minha vida passar. E quando acabou a obra ainda tinha o projeto para tocar. A Hiato não é um projeto pessoal, mas uma proposta de vida que quero que dê frutos. Foi algo que fiz com muito custo e entrego para a sociedade. Acho que a gente não escreveu na areia, para deixar a água passar. Inscrevemos na pedra.”
Abertura nesta quinta, 31, às 20h. Visitação de segunda a sexta, das 9h às 12h e das 14h às 18h, aos sábados, das 9h às 13h, na Hiato – Ambiente de Arte (Rua Coronel Barros 38 – São Mateus). Até 16 de setembro.