
Sônia Braga é a protagonista de ‘Aquarius’, centro de polêmica ao receber classificação indicativa de 18 anos
‘Ninfomaníaca’, de Lars von Trier, causou furor ao mostrar cenas de sexo entre a protagonista Charlotte Gainsbourg e vários homens
A classificação indicativa do filme “Aquarius” virou a polêmica cinematográfica do ano no Brasil. Após receber a classificação de 18 anos por parte do Ministério da Justiça, que viu no longa de Kleber Mendonça Filho “situações sexuais complexas” – e não ter o recurso deferido -, o drama estrelado por Sônia Braga agora faz parte do rol de produções consideradas impróprias para menores, em que entram filmes eróticos, pornôs, pornôs “de arte”, pornochanchadas, dramas, filmes ultra violentos, escatológicos, apelativos, adaptações literárias, terror… E até mesmo com indicação etária mais alta que muito longa conhecido por propagandear cenas de sexo supostamente tórridas, excitantes e coisas do gênero. Os cinéfilos de Juiz de Fora, porém, terão que esperar um pouco mais para assistir ao filme, que estreia no país nesta quinta-feira.
Geniais, apelativos, polêmicos e proibidos – ou para poucos
A verdade é que, denuncias de perseguição política à parte, “Aquarius” entrou na turminha da polêmica que pode chegar – ou ir além – até “Os cafajestes”, longa de Ruy Guerra de 1962 que marcou época por mostrar o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, protagonizado por Norma Bengell. E isso antes da ditadura, em que qualquer produção poderia ser mutilada ou até mesmo proibida no Brasil. Não podemos nos esquecer, por exemplo, de “O Império dos Sentidos” (1976), drama erótico de Nagisa Oshima que mostrava o relacionamento entre um proprietário rural e uma ex-prostituta. Apesar da sensibilidade do relacionamento entre os dois, o que chamou a atenção da censura – e a curiosidade do público – eram as cenas reais de sexo, que incluíam um orgasmo do protagonista e a introdução de um ovo cozido nas partes íntimas da sua amante. Difícil é encontrar quem viveu os anos 80 e não alugou o filme às escondidas.
Outras produções da época que também chocaram o público foram “Salò ou 120 dias de Sodoma” e “Calígula”. O primeiro, de 1975, foi dirigido por Pier Paolo Pasolini e adaptava a obra do Marquês de Sade, transposta para o período da Segunda Guerra Mundial. Tortura, abuso sexual, assassinato e escatologia eram mostrados de forma explícita, e é preciso ter muito sangue frio para assistir ao longa até o final. Lançado em 1979, o “Calígula” de Tinto Brass inicialmente deveria ser o maior pornô-épico da história (com mais de três horas de duração), Gore Vidal como roteirista e Malcom McDowell e Peter O’Toole no elenco. Só que o diretor abandonou o projeto, e seu idealizador, Bob Guccione (dono da revista erótica “Penthouse”), mandou ver na apelação. A produção causou furor ao ser exibida no Brasil, em 1992, pela Rede OM, que não cansava de anunciar o filme nos intervalos comerciais.
Escatologia e o cinema safadinho made in Brazil
Poucas produções, porém, foram tão infames quanto o cult “Pink Flamingos” (1972), de John Waters, em que a travesti Divine e família disputam – sabe-se lá o motivo – o título de “família mais sórdida do mundo”. É a desculpa do cineasta, que gastou apenas dez mil dólares com a película, para mostrar cenas de coprofagia, incesto, zoofilia e, eventualmente, nu frontal – incluindo partes da anatomia onde o sol não bate. O filme chegou a ser banido em alguns países.
Ainda nos anos 70, o Brasil era pródigo em produções que apelavam para o sexo mas posavam de obras sérias. Caso de “Ariella” (1980), de John Herbert, adaptação de um livro de Cassandra Rios e que tinha no elenco Nicole Puzzi (nome constante em películas do gênero), o próprio John Herbert, Christiane Torloni, Herson Capri e Laura Cardoso. Nelson Rodrigues também não escapou, com adaptações chulas de histórias como “Os sete gatinhos” e “Dama do lotação”.
Pornochanchadas, então, garantiam o ganha-pão de muitos atores globais que estão na ativa até hoje, fossem produzidos ou não na célebre Boca do Lixo paulistana. São dos anos 70 e 80 filmes como “Coisas eróticas”, “Amor estranho amor” (aquele que a Xuxa tenta até hoje fingir que não existe) e “Histórias que nossas babás não contavam”. Nuno Leal Maia, então, era um dos astros do gênero, que incluem o inacreditável “O bem dotado, o Homem de Itu”, cujo título explica muita coisa.
Stallone brutal e as pernas de Sharon Stone
Os anos 80 são conhecidos pelos filmes estrelados por brutamontes como Arnold Schwarzenegger, Chuck Norris, Dolph Lundgren e Steven Seagal, mas nenhuma produção conseguiu superar “Stallone Cobra” no quesito violência e polêmica. Estrelado pelo monossilábico Sylvester Stallone, o longa mostra um policial que leva o lema “bandido bom é bandido morto” às últimas consequências, com mortes de um sujeito pendurados em ganchos de frigoríficos. Para muitos, a classificação de 18 anos levada pelo filme fez todo sentido.
Sharon Stone, por sua vez, já havia trabalhado em filmes de sucesso como “O vingador do futuro”, mas foi “Instinto selvagem” que imortalizou a atriz graças à sua inesquecível cruzada de pernas, que mostra mais do que os conservadores gostariam de ver. A quantidade de sexo e violência mostrada no longa de Paul Verhoeven (“Robocop”) causaram polêmica na época (1992), e muitos ativistas LGBT protestaram contra o tom depreciativo dedicado aos homossexuais e bissexuais, que teriam sido mostrados como problemáticos, narcisistas e psicóticos.
Ainda nos anos 90, tivemos “Kids”, de Larry Clark, que mostrou de forma crua, num estilo documental, uma penca de atores jovens – muitos menores de idade e em suas primeiras experiências cinematográficas – em cenas repletas de sexo, uso de drogas, palavrões, bebedeiras e afins. Entre as cenas mais fortes do longa, está o estupro de uma menina inconsciente. A produção tinha no elenco as então desconhecidas Rosario Dawson e Chloë Sevigny.
Do terror ao pornô, passando por Tarantino
Muitos diretores consagrados ou metidos a moderninhos/polêmicos já tiveram seus filmes classificados na categoria “só para maiores”. Um dos responsáveis pelo movimento Dogma 95, o dinamarquês Lars von Trier lançou em 2009 o misto de drama e terror “Anticristo”, em que um casal (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg) se refugia em uma cabana na floresta tentando se recuperar após uma tragédia. As cenas de sexo e mutilação são do tipo que fazem o espectador ter dificuldade para dormir, sem esquecer da raposinha com a frase “o caos reina”.
Depois de passar pelo apocalíptico “Melancolia” (2011), von Trier lançou em 2013 o primeiro dos dois volumes de “Ninfomaníaca”, que ele havia anunciado de forma bombástica que se tratava de um filme pornográfico. Ele também é estrelado por Gainsbourg, uma ninfomaníaca que revela a um desconhecido que a salvou diversos de seus relacionamentos sexuais. O longa é marcado por várias cenas de sexo explícito entre Charlotte e outros atores.
Quentin Tarantino também aparece na lista. O primeiro volume de “Kill Bill” (2004) recebeu classificação 18 anos pelas cenas ultra violentas; já o segundo recebeu “apenas” 16 anos. Escrito, produzido, dirigido e estrelado por Vincent Gallo, “The Brown Bunny” (2003) chamou atenção pelo seu conteúdo sexual, principalmente devido a uma cena de sexo oral no final do longa entre Gallo e Chloë Sevigny. “Nove canções”, de Michael Winterbotton, foi lançado no ano seguinte e chamou a atenção pelas várias cenas de sexo real entre os protagonistas, Kieran O’Brien e Margo Stilley.
Abaixo dos 18, mas com sangue e sexo
Um dos motivos de Kleber Mendonça esbravejar contra a classificação 18 anos de “Aquarius” é a quantidade de produções que tiveram um olhar mais benevolente por parte dos analistas do ministério. Este é o caso, por exemplo, de “Bruna Surfistinha”, longa em que Deborah Secco fica pelada por incontáveis minutos, com cenas de prostituição, sexo e uso escancarado de cocaína, que foi liberado para maiores de 16 anos. “Cinquenta tons de cinza”, porém, é o caso de muita promessa para pouca safadeza: o filme estrelado pelos picolés de chuchu Dakota Johnson e Jamie Dornan é tão “quente” e “sexy” quanto um aspirador de pó com defeito. “A pele que habito”, de Pedro Almodóvar”, impressiona pelas cenas de abuso sexual, mas também entrou na lista indicativa de 16 anos.
Com sangue, violência e mutilações mil, o primeiro “Jogos mortais” passou pelo crivo do Ministério da Justiça e pôde ser assistido por adolescentes; até mesmo “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, com sua chocante cena de estupro e espancamento, ficou abaixo da “linha dos 18”. E não podemos esquecer, claro, de “Deadpool”, lançado em fevereiro deste ano e que recebeu classificação 16 anos, apesar do monte de sangue, mutilações e “situações sexuais complexas” que foram vistas na tela grande – e palavrões aos litros, para quem ainda se choca com certas palavras.