Um dia, com o pedido de uma prima, Mônica resolveu pegar pastas e mais pastas de papéis. “Quando abri, achei estranho. Um monte de atestado de óbitos, certidão de batismo e santinhos de missa de sétimo dia. Não entendi porque meu avô guardava aquilo. Quando comecei a ver as fotografias, os inventários, os recortes de jornal, os relatos que ele fez em caneta tinteiro, foi uma sensação de como se ele me pedisse para não entregar aquilo para mais ninguém. Senti como se aquilo me pertencesse, e eu pertencesse àquilo”, emociona-se. O trisavô
O trisavô
Naquele instante, as histórias contadas de geração em geração fizeram sentido para Mônica. Estava ali um percurso cuja ponta era ocupada por uma curiosa figura: Francisco Paulo de Almeida, o Barão de Guaraciaba. “Sou trineta. O barão teve 15 filhos, a segunda que sobreviveu, Cristina, é minha bisavó. Ela casou com um português loiro de olho azul e teve cinco filhos, só um deles homem, meu avô. Ele teve dez filhos, um morreu, e, dentre eles, minha mãe, Júlia. Ela nasceu muito parecida com o avô português, loira e de olho azul”, explica a mulher de 44 anos, cabelos tingidos de preto, pele muito clara e olhos azuis, bem diferente do parente barão, cujo título foi entregue pela Princesa Isabel, em 1887. “A história registra que ele era um negro retinto. As fotos que tenho mostram que ele não era tão negro assim, mas não tem como questionar a história. Os ramos foram miscigenando, clareando. Branco ele não era, no mínimo, mulato. Que ele fosse um mestiço. Não era de pele clara e chegou a frequentar o Império e ter um título”, orgulha-se Mônica, que, desde 2008, quando descobriu os documentos, trabalha para finalizar a árvore que o avô “plantou”.
Os ramos
Homem reconhecido na oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba, na região Sul do Rio de Janeiro, o único barão negro do Império começou a vida como tropeiro, ourives, violinista de enterro e, com tudo isso, conseguiu juntar dinheiro e comprar a primeira de muitas fazendas. “Ele tinha o Palácio Amarelo, em Petrópolis, que hoje é a Câmara Municipal, e meu avô, inclusive, nasceu lá. Ele também tinha a Fazenda Veneza, em Conservatória; a Fazenda Três Barras, em Três Rios; a Fazenda Santa Fé, em Mar de Espanha; o Sítio das Piteiras; o Palacete da Tijuca (estimo que seja hoje a Casa de Saúde Santa Terezinha); e um palacete no Catete, perto do Palácio da República”, enumera Mônica, secretária de um consultório médico em Juiz de Fora. “A informação que tenho, passada de geração em geração, é que na Fazenda Veneza, quando houve a abolição, ele tinha cerca de 200 escravos. Como os escravos não eram maltratados, pouquíssimos foram embora. Está registrado que o barão sempre foi muito bom”, pontua. A fama e a fortuna aos poucos foram se perdendo. “O barão tinha muitos recursos, muitas ações, muito dinheiro. Como teve muitos filhos, e eles não foram empreendedores como o pai, a herança foi dividida. As mulheres ficaram com as fazendas, e os homens, com o dinheiro.”
O que restou
A bisavó de Mônica, Cristina, herdou a Fazenda Santa Fé. Vendeu e comprou a Fazenda Santa Clara – ainda hoje pertencente à família – e terras em Belmiro Braga. O avô, Antônio, tornou-se engenheiro e agrimensor, dono de terras em Belmiro Braga, Sobragi e Matias Barbosa. Mônica não chegou a concluir os estudos, tem “dois casamentos desfeitos”, dois filhos e a certeza de que é preciso lutar dia a dia para alcançar a nobreza. “Quero fazer um livro altamente ilustrado, e não somente uma árvore genealógica. Quero que seja um banco de dados. Ele, o barão, merece isso, porque foi uma figura representativa tanto no ciclo do café, quanto entre os seres humanos. Foi um empreendedor negro que chegou longe. É um exemplo”, diz ela, que conta com a ajuda de pesquisadores para remontar a própria linhagem. Raízes de uma árvore frondosa que, apesar de todo o preconceito refletido na escravidão, brotou vigorosa e, acima de tudo, obstinada.