Resultados inéditos, já que a regra foi sempre outra. O Jabuti, por exemplo, desde o ano 2000, premiou apenas nove escritoras nas duas categorias principais (livro do ano de ficção e não-ficção), diante das 28 estatuetas distribuídas. Primeira mulher a vencer na principal categoria do São Paulo de Literatura, a filha do crítico Antônio Candido, Ana Luisa lembrou em seu discurso o momento inédito e disse que “isso servirá de estímulo”, mas também frisou: “O que importa é o texto”. Ao menos em Juiz de Fora, é o que parece mesmo se destacar. O resultado do último edital da Lei Murilo Mendes contemplou, na área de literatura, nove mulheres e, igualmente, nove homens. O que se esconde, então, por detrás do universo dos prêmios, do mercado e da própria história?
Elas e a pena
Escrito por pesquisadores da UFJF, alunos e ex-alunos do doutorado em letras, o livro “Questões de gênero – (Re)leituras literárias” (editora Bartlebee) ilumina esse processo de surgimento da mulher na literatura. Tanto no Brasil quanto na Europa, aponta a obra, a escrita feminina enfrentou e ainda enfrenta resistências dos editores e dos leitores. “Hoje existe mais espaço para a discussão da mulher no Brasil. Analisando sob a perspectiva de pouco mais de cem anos, quando quase não havia mulheres escritoras, o panorama mudou, mas ainda há muito espaço a ser ocupado. No meio acadêmico, principalmente, há muito a se fazer”, ressalta o jornalista, pesquisador e organizador da obra Fernando Albuquerque Miranda. Também integram a publicação Cláudio Fajardo, Afonso Rodrigues, Cristina Weitzel, Teresa Neves, Denise do Nascimento e Lúcia Helena Joviano.
Reunindo artigos sobre diversas escritoras, de diferentes origens e épocas, o livro ajuda a compreender a presente cena da autoria feminina no país. Iniciando o estudo, Miranda enfoca a produção de Júlia Lopes de Almeida, escritora e abolicionista carioca, cuja morte data de 1934. “Ela é uma das pioneiras, com atuação no início do século passado, quando poucas mulheres eram alfabetizadas e viviam às sombras dos homens. Júlia levou essa condição para a literatura. Era casada com um escritor, o pai era uma pessoa letrada e teve um berço de formação. Ela procurava utilizar em suas obras certo feminismo, levando às mulheres a ideia de que a educação e o trabalho eram fundamentais para a mulher acontecer naquela sociedade, extremamente machista e patriarcal”, comenta o pesquisador.
Feminismo poético
Ícone do feminismo, Simone de Beauvoir tem sua novela “A mulher desiludida”, de 1967, analisada à luz de seu mais famoso título, o teórico “O segundo sexo”, de 1949. “Embora as mulheres tenham hoje uma condição de vida muito diferente, sofremos muita opressão. A novela nos ajuda a ver essa condição no estranhamento. O leitor percebe traços de si mesmo na obra. A ficção é mais provocativa, enquanto a teoria é mais assertiva e envolve a racionalidade. A obra de arte envolve o afetivo para levar à reflexão”, aponta Teresa Neves. “Acho que Simone de Beauvoir, que construiu sua obra em cima de um momento histórico na trajetória do feminismo, ainda é muito atual. Ao refletir sobre a condição feminina, ela pensou a condição humana sob opressão. Antes de feminista, é uma filósofa existencialista”, completa.
Fruto de outro momento, nem tão opressivo quanto o de Júlia, e nem tão libertador quanto o de Simone, Conceição Evaristo é contemporânea. Mulher, negra e voz de uma periferia, a escritora mineira carrega consigo estigmas por demais dolorosos. “Ela é um ícone para os que estudam as margens. Já foi canonizada na margem”, diz Denise do Nascimento, que no livro apresenta sua análise sobre a escritora nascida em uma favela de Belo Horizonte e hoje, doutora pela UFF, leciona na UFMG. “No campo do feminino, Conceição instiga a mulher à escrita, ainda que não seja uma escrita autobiográfica, o que ainda é muito mal recebido no meio acadêmico. Ela chama a mulher a ser literata e literária, mesmo vindo de uma posição social menos privilegiada”, reflete a pesquisadora.
Em tempos de alta vendagem dos títulos de “chick lit” – gênero contemporâneo e nome novo para o velho e preconceituoso “literatura de mulherzinha”, representado por fenômenos como o norte-americano “Gossip girl” e o brasileiro “Não se apega não”, da juiz-forana Isabela Freitas -, a literatura feminina se mostra múltipla e indefinível dentro desse conceito. No Brasil, nem todas as mulheres escrevem como Clarice Lispector, autora facilmente identificada com uma escrita feminina. Afinal, as palavras não prescindem de gênero para existirem.
Depois de lançar os outros
A obra, com pouco menos de 30 poemas, revela o amadurecimento de uma escritora surgida no último século, expoente de uma das mais ricas cenas recentes locais, o Eco – Performances Poéticas. “A partir do momento em que me proponho a publicar poetas da cidade e da região, acabo fazendo uma curadoria na cena, como no Eco. Só publiquei autores dos quais gosto muito. É uma questão pessoal”, diz.
Dividido em três seções, o livro de estreia de Laura começa explorando a metalinguagem, abordando a própria poesia, passa pelo lirismo do amor e desemboca no “depois”. “É justamente aí, depois que passo pelos clichês, quando penso no que escrever que não seja sobre a poesia e o amor, que está o que considero o mais importante”, analisa. “Procuro escrever compromissada com a poesia. Não é só fazer jogo de palavras, nem falar de amor, mas um pacto com o máximo que a experiência pode permitir. Tenho preguiça da poesia que é só jogo de palavras”, comenta uma autora que amadureceu não só a própria escrita, mas também a relação com seus pares.
Uma das mais potentes vozes de sua geração, Laura alcançou a unidade na cena e no livro. No que escreve, não há grandes brados do feminino, tampouco da juventude. Há o frescor de um diálogo com seu tempo. “Pelo menos em Juiz de Fora, todo mundo se lê. Aqui existe uma comunicação. Em relação aos de fora, leio muita poesia contemporânea. A que mais admiro é a Marília Garcia. O diálogo se dá porque nos lemos.”